CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

Pois não é que quando o táxi estaca diante do hotel, ele ainda agradece: "Mademoiselle, adeus, obrigado por tudo" (mas que tudo, eu lhe dei nada, menino?), ele nem dá chance para um protesto e, sem mais aquela, pespega– -lhe um beijo - taco! - na face, pertinho da boca, ora que graça, um dia de trem e já me sapeca um beijo, nem tem tempo de se espantar, o carro já arrancou, lá se vai ele, acenando com a mão, sumiu. Já a do bar, a dos olhos verdoengos, mais o homem (um dos seus?) se entreolham, maliciosos, onde está teu marido, megera, socado como sempre lá pra cima, acuado, para não ver teus amantes te fazendo roda, rainha do radiador do bar. Entreolham-se, tudo para eles é malícia, mas esse rapaz, nem lhe sei o nome, viram o beijo, imagi– nam coisas, olha só, saiu com dois, volta com outro, um terceiro, mas que sonsinha, a estudiosa do catorze, hein?, farreando de grande, isso, minha filha, tira a mascarazi– nha que somos todas iguais. E somos mesmo, Madame, eu que me ofereci para o padre, mal saída do banho, o corpo gotejando ainda, me ofereci, saiba a senhora, jamais lhe atirarei a primeira, nem a segunda, nem a terceira pedra. Betsabete já se terá ido? Cinco e meia, eta viagem mais comprida, o elevador vai subindo, ronceiro como todo, cada dia mais asmático. O quarto do velho fechado, onde estás, meu morcegão, dormes?, com semelhante calor? Ah, calor, Paris está terrível, que silêncio nesses andares, só o mormaço pesando, esmagando, nunca o hotel lhe pareceu tão soturno, agora sim, vem uma vontade de chorar, arriar-se no travesseiro, o quarto vazio, não é hora de Laura, flanará pelo Consulado, dormirá talvez com quem, emendou desde quando? De Betsabete nem sinal, decepção?, alívio? Vou poder até gritar de angústia, nin– guém me escuta, os vizinhos partiram para o campo, o engenheiro para a Suíça. Solidão, é tua vez. Mas não. O elevador vai chegando ao quarto andar, ela já escuta o vozeirão de Bete: "Raio de calor dos infernos, je vais tremper mon cul dans l'eau!" Bete, Deus te salve, é na gargalhada que Angela salta do sucata, atacando a outra pelas costas. - Diabo, és tu! - Betsabete rindo, berrando, embora algo confusa porque Angela ouviu aquilo, do cul dans 151

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