CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).
ducha, bem, volto já." Nisso, nesse "volto já", a idéia: "Posso tomar aqui?" "Sim, por que não?" - respondeu, esfalfado, largado, a tarde fora demais para ele, abusára– mos. Entrou para o banheiro, tomou a ducha, e lhe veio pungente a consciência, a certeza, é o teu minuto, nem sabe bem o que pensa, era já de noite, enxugava-se, começa a se vestir, e lhe dá aquela coisa, "só de calcinha, tia, cal– cinha e sutiã" - abre a cortina do banheiro. - Peter! - estaria dormindo? Abriu a cortina chamou por ele, e se pôs de pé, seminua, na porta do banheiro, a luz por detrás. Ele a olhou pasmado, mas foi o pasmo de um se– gundo, logo sacudiu a cabeça, ela era uma menina, sua me– nina louca: "Criancice, Angela" - e a vergonha, mas que vergonha!, fechou a cortina tremendo, acabou de se vestir pensando em morrer, devorando a humilhação, fugir, morrer, estar a léguas, não chorar, isso nunca, antes me recompor, sair rindo, como de uma piada, que ele imagine que tudo não passou de um gracejo. Fausto me visse, hein? Cheng, Betsabete, me vissem me exibindo nua para um padre, ele nem sequer me ralhando, nem reagindo, nem reagiu. Laura curtindo sua derradeira noite com o indiano, se oferecera assim, levara tabefes, padecera o diabo, mas o hindu aceitara-a, se amaram, por entre in– sultos, se amaram, embora ele a expulsasse, na madrugada. E eu? Nem isso. Que vergonha, senhor Van Mayer, Harry, quero chorar de novo no seu peito, quem me acode, quem me cura deste amor, meu amor tão sozinho, minha senhora de estampado marrom e dentes de criança, seu homem, e tu, rapaz que miras as minhas pernas, escutem, me aju– dem todos, que sou uma desgraçada. Mas não eram parentes. Numa determinada estação, saltaram os dois velhos, depois de uma porção de adeusi– nhos e gestos, deixaram-nos a ela e ao rapaz, ambos com um riso cúmplice, "namorem-se, namorem-se, aproveitem, que a viagem é comprida", lá se foram com suas valises, cestos, catrevagens. Ficaram os dois. Angela não tinha o menor desejo de uma conv@rsa, abriu o livro, escostou-se à vidraça, nem lia, os olhos no Michel Quoist, pensamento repartido em quantos rumos, os acontecidos dos dois dias. Paris, a tia, o pai, Fausto, e esse menino que, por mais que se abstraia, não pode ignorar, o rapaz defronte dela, olhando-a com uma sem-cerimônia, doido por um diálogo, 149
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