CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

quando ele me procurava, de noite, e dele eu queria dis– tância. - "Tia!," mas em Peter não era fingido, talvez só aproveitava a lassidão, se fazia mais e mais miserável : "Vês como sou um crucificado em dores, te atreves a querer de mim o quê? Mal posso me suster vivo, e já me arrancas a alma?" Defendia-se com a fadiga, e mesmo com as palavras, quando Angela, transtornada pela sua presença, pelo fato de estarem sós, libertos, num quarto, e pela previsão do adeus definitivo, dai a dois dias, um dia, ela se precipitava sobre ele - e como sua voz nesses mo– mentos sabia ser clara, recuperava o vigor: "Angela, o prometido, olhe o que falamos, veja bem." Curioso como desde que se sente infeliz (isto vem de tempos atrás, Fausto, seu silêncio, e o drama; depois, Peter, quando passou a amá-lo, na ciência de perdê-lo), curioso como de vez em quando lhe vinha aquele ímpeto de se dirigir fosse a quem fosse, ao homem do consulado, à merceeira, à confeiteira da sua rua, a uma colega do professorado, e às vezes até mesmo a desconhecidos, como agora, a estes, no trem, e dizer-lhes, sem mais preâmbulos: "Olhe, moça, olhe, dona, gente, eu sou infeliz, sou infeliz." Tia Dadan, você aqui. "Titia, me pus nua diante dele, ele mais parecia um Cristo, deposto da cruz, mal com– parado. Nós fizéramos uma caminhada pela cidade, fôra– mos ao teatro, era a última noite, havíamos jantado na– quela rua?, que rua?, porque não escrevera ao menos o nome da rua?, em cuja esquina estava o homem do rea– lejo. Música do realejo acompanhando o jantar, ela se fizera o mais bonita possível, o vestido de gaze azul, ma– quilou-se, "as pessoas me olhavam, tia, ele comentava: são seus olhos parisienses, não se importe, é bonito. Então me achava bela, era o mesmo vestido de quando fomos ao Olympia, mas isso não notou." - Mas conta do resto, do quarto, como ficaste nua? Como te deu essa coragem, tu que nem mudas a roupa diante de ninguém, como te deu? - mas não havia es– cândalo na voz da tia, só a curiosidade, ela estava lendo um romance, dava de repente com um trecho escabroso, seus olhos se acendiam - conta, me diz da cara dele. - Eu entrei cansada também, e encalorada, desde as duas da tarde nós na rua, passeios, o espetáculo, o jantar, estávamos derreados, ele, então, parecia morto, quando se arriou na cama. Eu disse: "Vou tomar uma 148

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