CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).
brio", seu pai messiânico, verdade que o messias se apou– cava bastante quando arrotava: "Me dá daí esse sal de frutas, que diabo foi que comi naquele jantar?" Ou: "Me apanha ali meu vidro de xarope, raio de bronquite, é este clima infamérrimo." "Não é clima nenhum, pai, é a sua idade, e esse cachimbo que o senhor não larga." - Mas te botaste nua pra ele, menina - olhinhos da tia rebrilhariam, saboreando o café cheiroso e a história nova, única, e real, esta real, bem melhor que as novelas mais picantes - minha sobrinha da minhalma, conta mais, conta mais, e a cara que ele fez? "Não fez, titia." "Mas te olhou, ao menos te olhou - és bem feita, não, de cara não chegas a ser bonita, mas teu corpo não tem nada sobrando, é bem arrumadinho, ele nem olhou?" "Olhou, tia, o pior é que olhou, e só respondeu, assim com uma tristeza boba: Angela deixe de criancice, você não passa de uma criança." - Mas esse homem não é normal. . . ou não te liga, um pingo, não te liga, filha! - Me ama, a seu modo, sim, tia, tanto carinho entre nós, tantas promessas e lágrimas, olhe, eu só fiz aquilo talvez foi porque já era ciente de que me amava. Em Paris teve uma noite que, não fosse por mim, teria ficado, dormido comigo, então, sabe, talvez eu pensei, foi incons– ciente, mas pensei, ele aqui não me escapa, aqui será meu. Mas juro, tia Dadan, essa nã.o era minha idéia quando tomei o trem. O que eu sofri, em Amsterdam! Só estavam bem na rua. Ou mesmo no hotel, mas com os outros, o casal Van Mayer, o menino, e Harry tocando piano. Ou no restaurante, ouvindo o homem do realejo. A partir do momento em que entravam no quarto (meu quarto eu lhe cedera, nos dois dias, mas era lá que eu ficava, o tempo todo), aquilo era uma prisão, ali começava a minha, a nossa angústia. Faminta de seus beijos, seus abraços, ele concedendo, mas sempre na preo– cupação de não se doar, total, fugindo com a boca, dis– farçando, não a magoar, mas recusava-lhe os lábios, e sempre um cansaço, a muita prostração, boa defesa era a pouca saúde, o mal-estar. ~ Era assim que eu me livrava do meu primeiro marido - dizia tia Dadan - uma doencinha nessas horas como é bom, e mesmo não existindo, a gente inventa, assim fazem os que não querem amar, cansei de fingir, 147
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