CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).
- o rapaz afirma, apontando o porto coalhado de navios gigantes. O primeiro porto do mundo, que me importa. O primeiro desgosto do mundo é o meu, seu moço, isto o senhor também não sabe, a primeira oferecida sem preço do mundo sou eu, isto o senhor ignora. Fausto, como andas esquecido. Dizer que houve tempo em que chorei por tuas cartas, tempo em que só por ti eu suspirava, meses nessa angústia, te destituíram da ca– deira de Agrimensura, papai não deu um passo, não quero nada com meu pai, tampouco te amo mais, porém perante vocês dois, tu e papai, eu me envergonho, antes morta, do que vocês sabedores do que se passou comigo nessa Amsterdam. Uma pessoa talvez a entendesse. Tia Dadan. ·E Laura, naturalmente. Para Laura, sua vida rebentada, quanto mais loucuras e audácias, melhor, fora com os grilhões, "faz o que te der na cuca, isso é o que vale. Dormir com um homem, que que tem, se isto traz prazer aos dois, como vocês complicam as coisas, mundo burro!" Laura escarrava (eu peido, que ela dizia) na cara do mundo. Mas tia Dadan, que adora memorar romances, ha– veria de escutar com um prazer novo a sua história, relato destas doidices. Seus olhinhos luziriam, com que interesse, acompanhando a narrativa. - Olhe, tia Dadan, pois eu não fui atrás dele, na Holanda? Fui, feito uma lesa! E a tia responderia sorrindo, na filosofia de quem acha que mais vale um gosto do que seis vinténs: - "Eu não me privo de tudo só pelo meu baile no Municipal?" Aquela a entenderia: "Mas tu lhe mostraste o teu corpo, menina, te exibiste? Me conta mesmo como foi - vamos saborear este pedaço como deve ser, vou fazer um cafezinho, nós tomamos na cozinha, depois a gente fuma um cigarro - isto não é coisa para ser ouvida assim em seco. Conta, conta." A chaleira chiando no fogão, a cozinha brilhando de limpeza, que mania de limpeza tem a tia: "deixaste cair farelos do teu pão, deixa, deixa que eu junto", mas já dizia aquilo com um ar de vítima, a pessoa se sentia culpada, está aí onde ela era inflexível, essa higiene, ai que todos temos nosso lado de pedra. Peter defendia a pureza do corpo, à custa da própria vida; seu pai, a inte– gridade da farda (e era reformado), "sou um homem de 146
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