CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).
um ovo, um docinho, sequer. O rapaz tem um modo canhestro de ser gentil - vê-se que não vive muito em sociedade, as mãos vermelhas e grossas, unhas rudes e rentes, pele do rosto curtida de sol, mas tão jovem. "Sou marinheiro, venho em casa de tempos em tempos." "Mas ganha muito bem" - afirmam os velhos. Ganha bem, passa a vida nos estaleiros, onde, onde?, sei lá, nem me interessa , seu moço, sua vida, o senhor soubesse o que acabo de passar nesta terra, o que venho de sofrer de um conterrâneo seu, um padre, que cara fariam, os três, se ela de repente lhes confessasse alto e pausado: "Vim de Paris atrás de um padre que não me quis. Passei com ele dois dias e duas noites, volto intacta, me recusou" - ainda teimariam em oferecer-lhe coisas? Talvez me largassem em paz. Mas não quero que me deixem só, seus desconhe– cidos, seu rapazinho que ganha tão bem e disso já se gaba de, novo, tifo novo, dewito anos, já ser dono de sua vida, não me desamparem, vocês pelo menos não sabem nada do meu vexame, não sabem que houve um momento naquele quarto, eu e o padre, momento em que perdi a cabeça e me pus nuazinha perante ele - isto é, nua mesmo não, só queria que ele visse o meu corpo e me pus de calcinha e sutiã - detalhes infames, que tiram qual– quer grandezazinha que pudesse ter meu gesto, antes me botasse em pêlo, mas a calça e o sutiã (verdade que de renda) para que ele visse meu corpo, viu, nem disse nada, nem ralhou, só abanou a cabeça como perante uma tra– vessura, isto foi pior que um xingamento, uma injúria, vi que não valho um caco, só minha alma lhe interessa, a salvação da minhalma, ao diabo a minhalma e a dele! Sim, meu rapazinho que ganha bem e passa a vida no mar, aqui, perante vós, uma oferecida sem preço - dei meu corpo, e olhe que não sou malamanhada - dei meu corpo a um homem jovem, pouco mais velho que você, que me põe uns olhos quase namorados, me avalia, res– peitoso, mas me avalia - e ele, o outro, sacudiu a cabeça, como se eu fosse um cachorrinho me exibindo, me pondo nas patinhas traseiras, nem me olhou, sorriu e balançou a testa, e disse umas tolices, o senhor imagina uma coisa destas? O rapaz está olhando muito para ela, Angela se distrai nesse jogo, ficou-se a olhá-lo também, traspassou-o - que que ele está imaginando? O casal já sorri, meio 143
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