CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

memória, remexe por entre o teu desgosto, o desgosto é um pesadelo, um cobertor escuro que abafa as alegrias mais inocentes, mais vivas desses dias, pudesse catalogar, faturar, de um lado o que de bom tiveram, os risos, os passeios, e do outro, o drama. Era ficarem sós, lá se vinha a desgraça se abater sobre eles, a consciência do tudo acabado, do nunca mais. No quarto, ele se arriando, exausto, na cama, portas e janelas abertas, Harry com eles, drincando. - Meu amigo é um pouco doente, não se pode cansar muito, nem beber. Peter, extenuado do trem e da caminhada para o al– moço, está pálido e sofre, a dor não passa. "Não passou, meu bem, esse tempo todinho?" Ele sorri, débil. E Harry, senhor Van Mayer: "Mas de que sofre? tão novo?" Ele repete a história da operação mal feita, da primeira, da segunda, terceira operação. Angela: "E ainda vai para a Africa, ser missionário." Olhos de Harry passeiam, atentos, de um para o outro, coisa mais esquisita esses dois, triste amor o deles, por isso ela chorando tanto no meu peito ontem, por isso, além de amar um padre, ama um enfermo, amor duas vezes infeliz. Um padre doentíssimo, mas que sorte a dessa menina, não achou outro? - Pela dormida não se inquietem. Hotel, o senhor não vai achar. Fica conosco, não há problemas, dormem as duas lá em baixo, e nós aqui, ponho a cama de cam– panha. Mas fiquem à vontade, fiquem à vontade - e já sai, que se passou?, que se passou? Anda, diz, perde a vergonha, mas não foi logo, isso foi depois, o teu vexame. Nos primeiros momentos, só o abracei muito, ele exte– nuado, e o deixei dormir, estava morto. Ia saindo, deixan– do~o adormecido, ele pressentiu: Angela, viens !" Seu coração tremeu, ele está sério e triste, "viens, ma pauvre petite", minha pobre louca é o que quer dizer, seus olhos dizem isso, tem pena de mim, por isso veio, sempre a piedade, obterei tudo dele pela piedade. Esse homem. Imenso pela compaixão. Não houvesse nele o outro lado, que criatura não seria? Não vivesse cercado de guardas. Os demais não conhecem humildade verdadeira, qual o que não sentiria sua vaidade satisfeita e não exultaria, embora escondesse, escondesse bem, em ver uma mulher sofrer, chorar, atravessar países por sua causa. Este não. 140

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