CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).
semana?" Ela: "Bem que tenho aonde ir, mas cadê com– panhia?" E mostrou-lhe os bilhetes para o concerto na capela dos reis, em Versalhes. Ele - a maldita compai– xão - acabou pedindo ao superior licença para sair à noite, acompanhar uma senhora (mentiu). Encontraram-se na Gare St. Lazare, de tardezinha, o concerto começaria às seis. "Você é terrível." "Eu?" - ela se espantava. "Sim, senhora, consegue tudo o que quer, e nem pede, vai tomando." Angela se defendia (e era sincera): "Mas eu não sou ninguém, nem nada." Falava de uma certa moça que morava com ela, a paulista, essa sim, sabia agarrar as coisas. "Essa o senhor deveria co– nhecer, é realmente uma pessoa." Laura passou a ser, vez em quando, um assunto entre os dois. Laura, sua vin– gança contra os homens, e de quem o pequeno cambojiano (tão puritano, esse Cheng), colega de Angela no profes– sorado, dizia: "Mariângela, por favor não me traga mais sua amiga brasileira, a morenona. "C'est une putain", você não devia morar com ela. É uma puta doida!" Mas esses detalhes padre de Vries não sabia. Só conhecia de Laura o que Angela lhe contava: uma criatura muito rica dessa fome de viver, e a quem o desejo de vingança dava uma dimensão maior que a qualquer outra. Laura, que cada noite saía com um: "Hoje tenho um dominicano." Ou: "Descobri um diretor de cinema, italiano, chegou do festi– val de Cannes, um pão, vamos ao Crayse Horse." Nem se pintava, só os olhos, um pouco, e arrumava, num âesleixo propositado, os longos cabelos. Reviravolta diante do espe– lho, tão capitosa. Olhar de condescendente piedade à outra: "E tu, bichinha, ficas a estudaire? Um dia te levo, sossega. E teu padre? Ouve o que te digo, manda, manda brasa nesse holanda, Marângela!" "Mas, Laura, é um padre, é só uma amizade, e depois, tu sabes, eu sou noiva." "E que tem isso? Não é castrado, nem v~ado ... ou é? Será veado?" Gargalhada reboava, saía pela fanela. Padre de Vries no seu quarto, lá em ci~a, no con– vento da Rua Lhomond. Daqui a pouco vai descer para o jantar. Bom, jantar mesmo, para os outros. Ele, é no triste chá com torradas, ele, o homem das dores. Conde– nado. Aos vinte e sete anos. Possível? E sempre fora tão ·adio, a muita resistência, então, não era quem mais nj udava o pai no preparo do campo, nas colheitas? Como lh parecem de um outro mundo, de um outro ser, os 11
RkJQdWJsaXNoZXIy MjU4NjU0