CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

Fora-se o sedutor, o que cochicara: "Deixe a porta aberta, pelo amor de Deus não tranque a porta, se lembre, realize, só temos esta noite e, dentro de vinte, trinta anos, esta– remos todos mortos dentro de uma caixa." Agora, só o irmão, o amigo, o que sabe tudo. Uma coisa, mais que todas, Angela lhe agradece, isto considera, enquanto vai, lenta, subindo os degraus: não se mostrou curioso, qual– quer outro que me beijasse dessa maneira, me apertasse nos braços como ele fez, teria interrogado coisas, mexido nas feridas, revolvido tudo, com o egoísmo e a brutalidade própria dos homens. Sabe que o padre chegará amanhã, calcula que ficará ali, talvez. É bastante liberto, e a mu– lher também, para permitir que Peter se aloje ali, no mesmo quarto com ela, mas é provável que não o façam, pois o quarto é do aviador, Deus aonde iremos?, aonde? Peter ficaria no convento? Preciso dormir, dormir, tenta sugestionar-se, trancando os olhos, deitada. Há pouco mais de vinte e quatro horas chegou àquela terra, àquela casa, e quantos acontecidos num dia. Entretanto, uma coisa é certa: ontem, a esta hora, eu tremia de susto, a cada estalido do degrau. O homem, seus olhos pedindo. A mão pousando o sabonete na sua, todo ele uma intenção: que ela lhe abrisse a porta do quarto. Agora, que saíram sós, que a devorou de beijos, que lhe sentiu o corpo todo num abraço que não acabava mais, às margens do canal, agora está tranqüila, sabe, tem a certeza de que não mais virá. Não tem o mínimo receio, tocou-lhe a fibra oculta. Ele a deseja, ainda, claro, mas outras coisas se sobrepõem a seu desejo, tem uma pena dela, pressentiu que sofre, e o que foi belo nele (só por isso talvez, num futuro, serão amigos), não insistiu, morrendo de curiosidade, não inda– gou: "São .amantes? Você e o padre, hein? Desde quando? Me conte como foi, conte tudo, abra o peito, isto lhe fará bem, desabafe, eu sou o irmão, o que tudo compreende, já viu que não sou moralista, aceito tudo. Conte, conte, como você o seduziu, em Paris, conte como é o amor de um padre, como é que um padre ama, deve ser algo de terrível, para você se pôr assim transtornada, que filtros lhe deu, hein? É muito faminto? Deve ser uma loucura, já que você o prefere a mim, aos outros, você não é feia, deve ter achado homens aos montes, em Paris, e se largou para aqui, atrás desse, então deve ter um visgo, um poder extraordinário, seu amante?" Amor de padre, isso todo 134

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