CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

eles dois e o beijo de Harry é algo de tremendamente doce, que boca mais macia, sabia que devia ser assim, desde a véspera, inconsciente nela já boiava, com certeza, o desejo de beijar a boca rósea e bem feita, fosse ele mais magro, seria lindo, mas li.lomo beija macio e quente, ô mel, e foi longo, aquilo durou minutos, mas não a sufoca, inter– rompe, breve, para umas falas, deve ser na língua dele, não entende palavra, coisas entremeadas de je t'aime, adeus, adeus, ah, a terrível palavra, por que a profere, por quê?, agora ela está chorando - adeus, adeus, que ele repete, e isso levantou no fundo de sua alma a mais pesada das tristezas, a consciência do já passado, esta noite não mais existe, como tudo o mais, e Peter, por que vim, por quê? Esta dor amanhã ou depois sofrerei multi– plicada, quando for embora, desta vez definitivo, ah, que destino de dizer adeus ! - Mas você chora, meu amor! Então?! (eu sei, não é por mim, você é infeliz, tem no peito um amor conde– nado, minha pequenina, pudesse eu evitar-lhe isso). Não diz nada, mas Angela lhe sente a piedade, no novo tom que imprime às carícias, aos beijos tantos, meiguice com que a embala no peito vasto e cálido, ficar aí, naquele peito, que consolo, não enfrentar mais nenhum sofrer, nenhum implorar a Peter, suas recusas, sua dureza, sua terrível virtude, sua Africa, e um desejo poderoso dentro dela crescia, contar-lhe tudo, dizer-lhe tudo, abrir-lhe a alma, o segredo todo, mas não o faz . Já se acalmam ambos - ele a trata com infinito carinho, voltam ao carro, Harry sabe que o momento passou, e foi bom - esta não vou esquecer, esta brasilei– rinha, um pouco mais e me confessaria tudo, mas não perguntei, isso não, dei-lhe o que posso, o que ela me permitiu, mas não vou esquecê-la, prometo a mim mes– mo, se ela chamar por mim, um dia, correrei, cavaleiro medieval, a acudi-la - se embala um pouco nesses en– ganosos pensares, enquanto vão rolando e chegam ao hotel. Angela está calada, abatida, calma. Ele abre a porta, fá-la entrar, tira-lhe, com cuidado extremo, o mantô, como se ela fosse uma criança doente, ajeita-lhe os cabelos, com discreta piedade, ainda no corredorzinho. Há luz na sala de jantar, a mulher estará desperta? Não, não há nin– guém. Vão separar-se, ele, tão pai, tão irmão mais velho: "Não quer um copo de leite? Faz bem, ajuda a dormir." 133

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