CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

menos que. . . eu vá ao seu quarto, sim - vai atalhar com um beijo o protesto, ela volta brusco o rosto para a rua, ele estreita mais o abraço, dê-me, dê-me sua boca, você é dura, é de pedra? - Que me está dizendo agora, é doido?, é louco? - Sim, sim, no seu quarto, não tranque a porta, pelo amor de Deus não tranque a porta, eu vou, já lhe disse que ela não liga, nem vai ver ... Mas esse é doido varrido, ah, Harry, não me faça mudar meus sentimentos, se eu o amasse, seria capaz de trair sua mulher em sua própria casa, quem sabe, mas não o amo, só acho assim tão agradável, guardarei de você uma lembrança, "todos mortos numa caixa", e o riso, a doçura cínica, o não se dar por achado, o entender tudo num relance, mas não estrague, guardo o que me deu, não estrague este dia, esta noite, afinal tão diversos de tudo em minha vida, lhe agradeço, as portas de outros mundos que você me desvendou, mas paremos aqui. Quero lhe ser devedora dessas horas, não me peça mais, não posso. Não disse, mas ele entendeu, mordeu o canto do lábio, lutou uns instantes, venceu-se, olhe lá o sinal, a luzinha cínica no fundo dos olhos, é ele, é este que prefiro, me diverte, me agrada, a este quase sou capaz de amar. Ele, o mesmo gesto, o levantar de braços, lançar a cabeça para trás, agora mais representando, interiormente decepcio– nado, contava como certa esta noite, falhou, mas não é mau ator, consegue rir, se esforça, real, consegue achar no centro de si mesmo o veio da alegria, da blague, está a salvo do ridículo: "Sim, minha senhora, não quer, está certo, só lhe pediria uma coisa (agora vai ser igualzinho aos outros) sejamos amigos", isso, se nele fosse sincero! Porque Angela, embora não o ame, esse homem estará ligado a um momento de sua vida, a Peter, a Amsterdam. Quando Peter estiver morto e não for mais que uma lem– brança, eu guardaria esta amizade, prova de que tudo não foi um sonho, ele, Harry Van Mayer, a testemunha, sua estima. "Sim, Harry diga: sejamos amigos." "Mas é tudo o que quero, eu nunca tive uma amiga brasileira, não vou esquecer seus olhos vivos. Amigos, promete? Escreva, vez em quando, mostre que está viva, que se recorda de mim, de nós (já tece o futuro da amizade), vamos escre– ver-nos, quando a menina nascer - como sabe que é me- 130

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