CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

diga que sim - suplica-lhe, beijando-lhe a palma da mão, só interrompe os beijos para implorar, baixinho: "sim, sim, vamos morrer, um dia estaremos todos dentro de uma caixa" - quando fala isso sua voz se demuda, o fatal o atin– ge, sente-se que tal pensamento o fere visceralmente, por ele deve nortear sua vida, esse deve ser o pensar de todos os que bailavam e drincavam no salão, há poucas horas, a morte presente neste homem cheio de vitalidade e alegria, o germe da morte nele tão consciente, mais talvez que em Peter, que se sabe condenado. Reagem de modo diverso, e são da mesma raça, mesmo pais. Peter, um padre, mas, no fundo, a mesma febre de fazer algo, de marcar com algo sua passagem neste mundo. Peter quer a Africa, busca morte menos inglória que a de um mal no ventre, morrer assassinado, outra dimensão à sua vida. Este aqui quer beber cada minuto, por isso, ainda quando trabalha, é cantando, é formulando hipóteses de prazer para aquele dia e outros que virão. Tia Dadan, seus bailes no Mu– nicipal, esses ao menos sabem o que querem. E eu? Sei o que pretendo? Laura sabe. Vinga-se. Vive de farras. Tem um fim. Eu sou levada. O que de mais vivo já experi– mentou até agora, de mais profundo, o amor de Peter. Deu-lhe um desejo súbito e imperioso de dizer tudo àquele homem, chorar talvez no seu ombro, olhe, amo doida– mente um padre, um condenado, um doente, um mal nas tripas, ah, aí tudo se ia abaixo, todo o patético (mas por que o patético, é horrível o patético), mas tudo ia abaixo, se falasse assim, Harry não deitaria a cabeça para trás e a interromperia com uma das risadas de trovão que as– sustaria os raros passantes (aquele canto é quase tran– qüilo, cheio de sombras)? - Então, minha doçura, está tristinha agora, você é complicada, cria umas teias, uns labirintos, inventa sebes que na verdade não existem, cá estamos nós, sozinhos nesta cidade, só nós e a noite, por que não viver integral essas curtas horas, por quê? Vamos, vamos. "Mas onde?" "Sei de um lugar - não, não se assuste, não é nada do que está pensando - um cantinho ... " Ângela o encara e o interrompe com uma espécie de raiva, um cansado des– gosto: "Quero ir para casa" - a voz saiu mole, não com a intensidade que ela quis, repelindo-o. - Para casa? - braço dele nos seus ombros, é quente ali, é bom (essa cheia de melindres, e veio de Paris) ... a 129

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