CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

sei que me ama. Que, por um fenômeno comum de trans– ferência (e teoricamente eu sabia disso), todo o amor pelo noivo ausente poderia recair (e recaiu) sobre mim; agora sei que de suas lágrimas noturnas sou eu, não o outro, o principal motivo. Deus, isto é Paris, Paris. Para isto vim? As troças do irmão menor, tão play-boy : "É lá que vais perder tuas cascas, nada como Paris para despir um de toda a bucha." "Te esqueces que sou um padre?" "És um homem, ora, ora." Presa da compaixão. Ali, naquela classe do quinto ano da Aliança Francesa (ela, na outra ala, faz o pro– fessorado), esperando a hora de descer, a moça ao pé da escada principal, olhos postos nos degraus, lá está Angela, sua face implorante. Que faço? Como foi mesmo que isto começou? O dia, a hora, o minuto? Busca, busca. Teria sido no concerto na capela dos reis, em Versalhes (riso dela, sentando no banco azul debruado de ouro: "Sinto-me tão Madame Pompadour"). Voltaram tarde, pelo trem das oito. Peter perdera o jantar do convento, comeram os dois num bistrô escondidinho na Rua Vavin. Depois saí– ram, a noite era só de estrelas, ela contendo as lágrimas, no conflito. Foi nesse dia, estava quase certo, nessa noite, que ela percebeu: era a ele a quem amava; a saudade do noivo atormentava-a muito menos que a presença daquele padre pálido, de face dolorosa e doentia. Curioso como no primeirinho dia lhe fora antipática: - O senhor é padre? Tenho um bando de amigos padres, amigos mesmo de grande bem-querer, é sina minha (ria) , eu até já os preveni: ou os senhores me levam para o céu ou eu os carrego a todos direitinho para o inferno. Pretensiosa, deu-lhe uma raiva, por quem se imagina, essa? Mas a solidão foi aos poucos tomando conta dela, foi per– dendo o ar de suficiência, até que não pôde mais e, naquela manhã, no pátio da Aliança, lhe pediu, quando ele já se ia embora: "Posso ir corri você só até ali?" Peter, a contra– gosto, mas vendo-lhe os olhos encarnados: "Por que não?" De primeiro, iam juntos só até o meio do quarteirão da Rua de Fleurus; depois à esquina da Guynemere. E uma tarde, uma sexta-feira (e fui eu quem sugeriu): "Va– mos até o jardim, está bonito." Sentaram-se no banco mais próximo da entrada, bem na alameda principal, as mamães com seus carrinhos, as árvores com todas as folhas. Num banco de jardim, os dois. "O que vai fazer neste fim de 10

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