CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

não lhe resiste, tem de sorrir, ele não passa de um meni– não, um meninão que ele é, nesse minuto, e não deve ter menos de quarenta anos, nunca menos, ela se sente, con– tudo, tão mais velha e compelida à indulgência, Harry tem uma qualidade rara num homem, não a intimida, não se faz senhor nem superior, quando quer assume seus ares de irmão mais velho, mas isso sem reduzi-la a pó, isto é bom e raro, um que não é nem o cão batido, feito Cheng, nem Peter, nem doutoral como seu pai, seu pai que, mesmo em pijama e chinelos, dita normas, sentenças, um jul– gador, jamais se identificaria com ele. Entretanto, por vezes lhe dá uma saudade do seu Rio de Janeiro, aquela cla– ridade, aquela desordem simpática, e tia Dadan, ah, tia Dadan, por você eu voltaria, se eu voltar ao Rio, será por você. Meu pai deve padecer de solidão, mas não tem humildade, nem a coragem humana de ser como toda gente: "minha filha volte, venha, preciso de você neste mundo de casa, estou velho e só", quando que lhe diz? Não fez um gesto em favor de Fausto, e poderia ter feito, deveria. A prisão de Fausto fora-lhe um golpe, decerto. Já naqueles dias precedentes à sua viagem, mal o supor– tava: "Você sabia? Sabia que ele era militante do par– tido?" "Que partido, existe algum partido, papai?" O mi– litar olhou-a duro, concluiu: "O melhor mesmo é que você faça essa bolsa de estudos, vá, verei o que posso fazer por ele." Não fez coisa alguma. Um passo não deu. La– vou-lhe as mãos. Por isso não lhe escreve mais. Operou-se de apendicite, a dor tomou-a de assalto em plena aula na Sorbonne, saiu manquejando, a perna encolhendo, nesse tempo não conhecia Peter. Foi quando voltou do hospital e retomou os cursos que o descobriu. Se corresponde, de tempos em tempos, é com tia Dadan, irmã de sua mãe, "aquela doida", como diz seu pai - uma doida que chega a passar fome, vive de café com pão o ano todo para desfilar no Municipal, e daí? Se era isso o que a fazia viver. Tia Dadan fantasiada de "Príncipe". Ia chegando o carnaval: "Ah, filhinha, vi um "príncipe" na esquina da Avenida com Assembléia, custa cem contos, estou com o aluguel atrasado, mas morro se não compro aquela ma– ravilha." Doutra vez foi de "Escrava", e O Cruzeiro estam– pou: "A balzaquiana é deveras carnavalesca e dá lição a muito broto." No último carnaval que Mariângela passou no Rio, tia Dadan foi de "Domadora". "Mas de domadora. 125

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