CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

pensar que mentia, que ela é que havia ido ao partouze, então preferiu dizer simplesmente: "Não fui, mas sei que há." "Mas gostaria de ver?" (Não devo mostrar-me hor– rorizada, não devo.) "Não sei, penso que não, mas não sei (que não me julgue hipócrita, falou que sou mas– carada). Mas por que discutir isso? Por que paramos aqui? Vamos ver as moças." - Sim, minha curiosa, vamos, não foi para isso que a trouxe? Vão-se, em direção à de vermelho, cujo balcão é saliente, avançado sobre a rua, estava a moça ali sen– tada, o braço apoiado negligente numa almofada. Diante dela, um grupo de quatro ou cinco rapazes e moças, cutucando-se, rindo, avaliando, cochichando. Angela olha-. va o grupo e a da vitrine. Harry, seus olhos abrangiam mais: o grupo, a moça e Angela, iam rápidos de um a outro, mas Angela não sabe que ele a analisa, está fas– cinada pela cena. "Um desses é o cliente, você vai ver o ajuste." Estão agora muito juntos, ele segredando-lhe aquelas coisas, fosse um diabo, um sedutor e amigo, quase inócuo, uma dessas velhas amizades masculinas que as mulheres guardam na vida - o que não chegou a amante, mas que poderia ter sido, ficou amigo, mas permanece um fogo, uma quente ternura escondida debaixo da antiga estima, e isso vai atravessando a vida deles, conservam intacto sempre aquilo, ela sente que não vai esquecer Harry nem essa noite, nunca. Sim, queria ver de perto o rosto da mulher, olhares que trocaria com o homem, como seria concluído o mudo pacto. Queria sim, por que negar? Seu silêncio foi uma aquiescência. Então ele a vai condu– zindo (haviam se afastado um pouco para deliberar essas coisas), caminhando rente às casas, a fim de chegarem mesmo bem juntinho da mulher. Vão indo, e já estão em face da vitrine da de vermelho, daqui já se lhe vêem as mãos, longas e brancas, unhas de prata rósea. Harry pre– me-lhe o braço, vão parar, vão se incorporar ao grupo, presenciar a cena. Mas uma coisa te deu, que foi, que foi? Ao chegar mesmo em frente à moça em exposição, ela simplesmente não pôde, algo a empurrou e, pesar toda a curiosidade, teve, de súbito, um imenso respeito e uma pena por aquela mulher e, ao invés de parar diante dela, como os demais, passar a ser mais uma espectadora, baixou a cabeça, desviou os olhos para o chão, e puxou, arrastou o homem, depressa, depressa, e ele, atônito: "mas o que 121

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