CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

Ângela pergunta: "São turistas?" A senhora responde que não, eram mesmo de Amsterdam. "A mocidade aqui se diverte - fala Harry - sabe viver", e olha bem para ela (não são como você, se guardando, se murchando, mor– rendo em vida, apodrecendo - eis a acusação). Debru– çava-se na mesa e lhe diz, a mulher por testemunha: "Está vendo essa juventude? Todos praticam o amor livre, todos, não é Mildred?" A moça faz que sim, um tanto admirada que Ângela não o saiba: "Mas Harry, a senho– rita vem de Paris, você se esquece? Ela sabe disso." "Não sei, lhe afirmo que não." Curiosa, baixinho, para a grávida: "E se o amor é livre, como fazem para não se encher de filhos?" Aí ele ouviu, não era para ouvir, e riem ambos, com indulgência. Harry: "Mas em nome de Deus, de que fim de mundo você vem? Incrível! - olha a mulher, atônito - no Brasil é assim? Lá não sabem da pílula?" Angela se defende, não me acusem, nunca fui casada." Ele agora ri demais, agora está a bem dizer feio, naquele rir quase mau, fazendo pouco dela (de que biboca me saiu esta?), mas logo adoça os olhos, pois a mulher o adverte: "Realmente, ela não é obrigada (frisa o obrigada) a conhe– cer isto, não é crime não saber." "Claro - concorda o homem de escocês, não chega a ser um crime, decerto lá os usos são outros, não se pratica o amor livre." Harry. (Ângela sente que ele a olha de um outro jeito, ela fosse um espécime raro - pensará que é virgem? pensará? é isso, a própria senhora talvez comece a entender suas relações com Peter, ela pressente, quase imperceptível, esse clima novo, já é diversa para eles, mas a nuance é tenuis– sima.) - Madame tem um ar fatigado - diz o do terno es– cocês. Um bom copo de cerveja, hem? Faz-lhe bem e ao menino. Com desenvoltura, aponta-lhe o ventre enorme e ri, enche o copo, ela só molha os lábios, está mais pálida, Ângela tem pena dela: "Sua mulher está exausta, já nos divertimos bastante, quando quiserem podemos ir, sou-lhes grata, sei que saíram por mim, não vou esquecer, mesmo tenho de ir cedo à estação." Porém a outra protesta (estarão combinados, será cos– tumes deles?): "Mas é muito cedo, onze horas apenas, olhem: me levem e voltem. Mademoiselle precisa apro– veitar, afinal, amanhã Amsterdam será um dia normal, 115

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