CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).
Não as via? Fingia de cega? Não o amava? Impossível não o amasse. Agora lhe pergunta: "Seu amigo chega amanhã? (tal– vez por isso tão tranqüila, sabe que Ângela viera por alguém, alguém que chegaria amanhã) - é um padre, não é?" - Sim, Madame - com ela falava inglês, que francês a outra não sabia - meu colega de Sorbonne e da Aliança Francesa. Mas a curiosidade da mulher parou aí. Não perguntou se era jovem, como se conheceram. Nem havia malícia naquele perguntar, só uma polidez. Feito o que, voltou-se para o marido, previdente, solícita: "Precisamos dar um jeito nas acomodações - o aviador vem na terça - e mesmo para o seu amigo, ele tem para onde ir?" - Bom, é um padre, deve haver um convento que o receba. Vem também para consulta médica, é doente. - Doente? - interessava-se - grave? - Sim, um pouco, resultado de uma operação. A moça olhava-a com uma afinidade, uma pena, talvez. Con– cluiu: "Mas vão dançar, a senhorita precisa se distrair. Eu gosto de olhar, estou bem e (aí foi o máximo), se não me sentir bem, um acaso (às vezes enjôo, mesmo agora, jâ no fim), Harry vai me deixar, vocês voltam, aproveitam a noite - e não era forçado aquilo, era espontâneo! - Mas agora dancem, todo mundo está se divertindo. Para o marido: "Por que você não pede à orquestra uma música brasileira?" Ele era cheio de amigos, parecia ter intimidade com todos, a cada instante voltava-se para um "olá", um "você ai, como é que vai?", vinha um e outro até a mesa, dar-lhe um abraço, beijar a mão da senhora. Levantou-se: "Vou pedir, com uma condição, Mademoiselle dançará comigo." Tomou-lhe a mão e saíram, já meio abraçados, num blue. Chegam diante da orquestra, apresentou-a ao regente: "A senhorita é do Brasil, uma música para ela, por favor", saíram, ainda nos restinhos do blue, ele arrastando-a para o outro lado, para bem longe da mulher, de suas vistas, logo o abraço se completou, segredou-lhe: "Je vous aime", ah, ladrão, ah, mentiroso, Ângela respondeu: "Não tem remorsos, sua mulher ali, e tão grávida?" "Que tem isso, Je vous aime", docemente a atraía, apertava-a, como podia 112
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