CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

.•· tivera num lugar assim, nem na França, em parte alguma, a primeira coisa que notou: pessoas de todas as idades ali se divertiam. A dama gordíssima e grisalha valsando que nem mocinha nos braços do senhor de alvos bigodes; o do ventre enorme, de colete, e tão rosado, umas suíças tene– brosas, tão negras, deviam ser pintadas, agarrado, o quanto lhe permitia a pança, à "coroa" bronzeada e barulhenta e risonha, dentes acavalados. E tantos pares, jovens, de meia idade, francamente velhos, sexa ou setuagenários, a valsar, a drincar, a rir, soltos naquela alegria semanal, encomendada mas nem por isso menos exuberante e ver– dadeira. Foi a melhor lembrança que guardou da Holanda, das gentes desse país, isso e a não miséria nas ruas, onde os pobres, os mendigos?, se os têm, escondem-nos, que aqui não os vemos. Comiam devagar, saboreando o jantar e a alegria para ela inteiramente nova. Num momento, ele falou: "Vou fazer a senhorita dançar, depois." Ela fez que não, com a cabeça, com os olhos. O homem: "Como?, não dança?" Adorava dançar, claro, mas, e a mulher grávida, a deixa– riam sozinha, para isso a trouxeram, para saírem agar– rados, valsando, e a triste para ali, numa cadeira, só a mirá-los, olhos espichados? - Danço um pouco, mas sua senhora ficaria sozinha. Não. Ela, a grávida, agradecida, mas nem um pouco vítima (engraçado, em sua calma não havia o ar de uma coitada, entretanto devia sofrer o quê, com semelhante sedutor, homem que às escâncaras zombava dela e ia agarràndo quanto prazer pudesse, pelo caminho) . Angela analisa-a disfarçadamente, enquanto sorve os derradeiros goles do licor, depois do jantar, examina a furto o rosto pálido e manchado de panos pretos. Não, não é uma víti– ma. Há nela uma outra afirmação, a segurança não é a da espoliada, da enganada milhões de vezes, ela é dona de alguma coisa mais que essa aliança no dedo. Não parece estar apaixonada, e era para estar, o belo homem, cheio de ternura. Durante o dia, observara-os, suas relações, ele atencioso, gentil com ela, ambos repartindo as tarefas. A tarde, ela tricotando, o marido ao piano de novo, no seu Schumann, o nenê por ali, subindo nas cadeiras, no sofá. Não vira senão uma mulher tranqüila, serenamente con– tente com seu destino, não lhe doíam as traições, tantas? 111

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