CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).
de sentar juntinho, passar o braço pelo ombro dela, natu– ralmente. O passeio. (Peter é quem devia estar aqui no seu lugar, o senhor é um ladrão, vai tomando tudo, nem pergunta, nem sequer me consulta, incrível.) Ao voltarem para casa, cerca de meio-dia, Angela teve como que um duplo remorso: por Peter, a manhã que lhe roubara; outro: a mulher, suas canseiras. Enquanto se divertiam ao sol, a coitada no fogão, nas batatas, e com certeza na feitura das camas, arranjo dos quartos. E quando, umas quadras antes, ele estacou o carro - outro beijo?, mas não, para pedir-lhe: "Hoje à noite saíre– mos juntos, vou lhe mostrar o que de mais curioso existe em Amsterdam", ela respondeu: "Sim, com uma condição, sua mulher vai também." Mirou-a num divertido espanto: "Essa!" "Sim senhor, acha justo, semelhante domingo, o senhor na folga, ela naquele estado, feito uma borralheira? Justo?" Ele riu um riso de quem sabia coisas, tantas, mas não valia a pena mencionar - que segredos me guarda esse homem? Um sorriso bom, resignado-cômico: "Pois sim, nós a levaremos." Angela riu então, com vontade, riu por quê? Deu-lhe uma súbita euforia, tomou a criança nos braços, entrou em casa com o menino no colo, en– quanto ele ia colocar o carro no canto certo, entrou e foi varando para a cozinha: "Madame Van Mayer, uma surpresa para a senhora: vamos jantar fora hoje à noite, vamos divertir-nos um pouco, os três, chega de fogão, chega de borralho, a senhora aceita? Sem isto seu marido não vai, e eu perco a noite." A outra sorriu, naquela calma: "Mas certamente, senhorita, não estou nada ele– gante (olha o ventre enorme, as mãos gastas, vermelhas da água), mas iremos, vou telefonar à minha sobrinha para ficar com o menino." Ele já vinha cantarolando, en– chendo a casa com seu riso, seu canto, e foi às caçarolas, destampou-as, aspirando com gula o cheiro do pernil as– sado, do ensopado com batatas: "Para a mesa, para a mesa." A senhora se ergueu, arfando, foi trocar de roupa para o almoço. No restaurante com música, brindes e risos, os três. Conseguiram mesa só ao fundo da sala, e de lá, enquanto jantam, olham as danças, as alegrias. Angela nunca es- 110
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