CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).
este querer saber vidas alheias, isto tem cura? Imaginava coisas, aquela com ar de serva, ele o senhor, o dono, o boa-vida, a outra na cozinha, a lavar, a fazer de um tudo, pesar do barrigão. Talvez mentissem os olhos doces - ele saberia ser cruel? Levou-a ao quarto, subiu atrás dela, a escada era longa, teve de se ralhar, "tolice, tolice", pois a impressão nítida era de que o homem tinha os braços prontos para rece– bê-la, apertá-la, faminto, guloso dela. Pôs-se de lado, lé– pida, ele abriu a porta. Era um quarto pequeno, mas bem arranjado. "Mademoiselle teve sorte, quem mora aqui é um aviador, foi passar o fim de semana em casa, no inte– rior, volta na terça, veremos se lhe posso conseguir algo, caso deseje permanecer mais uns dias", então nenhum lugar para Peter ali? Onde? (Querias que ficasse na mes– ma casa, louca? Possível este pensamento estivesse dentro dela, entretanto poderia jurar, consciente dele não era. E como o chamou, implorou que viesse. Sim, para o con– vento, saíremos juntos, comeremos juntos, como em Paris, mas ele no seu canto, eu no meu, isto quero que ele saiba, teria interpretado algo que não isso?) Mas o homem se retarda na porta do quarto, não desce. - Boa noite, meu senhor, e obrigada. Ele relanceia os olhos, busca um pretexto para ficar, mas o quê?, e a mulher lá em baixo esperando: "Sua senhora tem um ar tão fatigado, pareceu-me extenuada, e tão simpática." Po– rém ele só disse, mergulhando os olhos ~ doces, os olhos dele, belo, pesar de um tanto gordo, belo: "Esqueci o sabonente e a toalha, vou apanhar, Mademoiselle." Desce correndo, como era ágil, com todo aquele corpo, logo subiu com o sabonete, a toalha, Angela bem na porta, para que ele não entrasse, estendeu a mão, o homem pôs a toalha cor-de-rosa no seu braço, a mão no braço dela, de leve, muito de leve, os olhos de mel, a fala, uma doçura, ah, sedutor: "Durma bem" - e o sabonete, deixou-o cair na mão ·dela como um pão, como um segredo, como um "guar– de-bem-esse-anelzinho-não-diga-nada-a-ninguém", os olhos sempre nela. Angela disfarçou: "Há uma igreja por perto?" "Que espécie de igreja?, católica? Eu a levarei", e sempre o mel escorrendo do olhar, da boca, que coisa, o sabonete ainda entre as duas mãos, ela retirou a sua vivamente: "Merci, monsieur." Ele, baixinho, confidencial: "Se pre- 104
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