CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).
festa: bis, bis. Porém se recusava, voltava ao seu lugar, uma portuguesinha tinha os olhos úmidos: "Mariá, tu choras?" "Ai, não sei - dizia Maria - as cantigas de vocês são tão tristes, mais tristes que o nosso fado" (fala– vam em português). "Mas o que vocês estão dizendo aí?" - eram as únicas donas daquela língua, no Estágio. Porém Paris vivia infestada de brasileiros, estudantes aos magotes, e portugueses também, estes mais para o tra– balho, operários, obreiros. No dia em que fora apanhar seu cartão de permanência, a fila enorme, deles, imigran– tes, homens rudes, vestes grosseiras, vinham para ali ganhar a vida. José, o das Artes Decorativas, garçom na Aliança; Gabriel, .um gordo, também universitário, muda– dor de cenários no Moulin Rouge, para poder estudar. Agora no rumo de Epernay, entre vinhedos perfilados, a perder de vista, tal qual um verde exército - que o professor dizia. Palavra "exército", ai, Fausto, como estou cada vez mais distanciada de ti, consciência de sua culpa, não responde as cartas do pai, minha filha, volte, você me faz uma falta - isso nunca disse, tem lá seu orgulho, mesmo que falasse assim, ela voltaria? Só a um lugar quer ir, cada vez mais longe deles, de Fausto - já teria sido solto, quem sabe, ah, que não me apareça, antes preso, és capaz de desejar uma coisa dessas, ele preso, contanto que não venha?, não o amo mais, não o amo, acabou-se, só quero a Peter, a vida toda, tudo isto, estes passeios, estas alegrias, tudo eu daria, com indizível prazer, só para repetir um minuto que fosse, aquele finzinho de tarde, a noite se insinuando pelo quarto, noite cúmplice dessa hora, a maior em sua existência, jamais sofrera assim, porém jamais experimentara doçura igual, e descobria que nem tinha vivido, que tudo o que passara antes, os anos todos, um prólogo - não estarei compondo uma frase?, quando é, Deus, que a gente pode deslindar total o seu pensar, o seu sentir, de todo o estofo da frase, do literário, do re– presentar? Quando se ousará, no mundo, fazer as coisas sem ser para os outros verem e julgarem? Cantei no mi– crofone, fingi um sentimento, todos crentes que eu me morria de saudade do Brasil, e eu com o sentido em Peter. Vivemos de enganar os outros. Dizem que os gregos é que vivem de representar. Havia um grupo de gregos no Estágio. Falantes, cantavam muito, disputavam-se por um nada, punham em tudo unia força. Ao vê-los xingan- 97
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