A Estrela do Norte 1869

de Palias sobre o corpo de Turnus. O furor, que parecia ter dominado, para mais a san– gue frio achar argumentos com que increpar Fabiola, voltou com maior ímpeto, á vi sta do fatal documento. Olhou-o por um ins– tante, e exclamou rangendo os dentes : - Agora, senhora, posso convencer-vos de vileza, avareza, e crueldade , cm mais ele– vado grau do que defeito algum dos que me exprobaes ! Olhae para este escripto, rica– mente enfeitado do caracteres dourados; e com vistosas margens; e vêde se sois capaz de persuadir alguem de que foi preparado no curto espaço de uma hora, que medeou entre a execução de vossa prima e a assig– natura do decreto. Nem procurastes ainda conhecer o ge neroso amigo que vos fez tão valioso presente! .... E' nobre! .... nas ultimas horas que Ig– nez passou na prisão, estdveis abraçada com ella, soluçando e chorando , accusaveis-me de cruel e traidor para com ella, -a mim a quem nenhum laço a prendia, que lh e era estranho; e vós , a nobre dama, a virtuosa philosopha, e amiga dedicada , desde a in– fançia; vós que stigmatisaveis a minha con– ducta, trabalhaveis calculadamente para, aproveitando-vos do meu crime, vos appos– rdes da sua riqu eca: e buscaveis um es– ante , que em letras de ouro, figu– . ossa 1;obiça, e enfeitasse a trai çfto e; fazíei s áquella cujo sang ue vos girava as veias , com as mais brilhantes e lison– geiras côres . - Calai-vos, louco , calai-vos ! exclamou Fabiola, procurando cm vão dominai-o com gesto. . Elle continuou com a voz cada vez mais abafad a ·pela colera : - E para tranquilisar-me, depois de me haverdes assim vilmcnte despojado offere– ceis-me dinh eiro . Ti1 astcs-me o que me pertencia, e fingis condoer-vos de mim ! Re– duzistes-me á indigencrn, e offcr ccc is- mc nrna esmola, - uma esmola cm vez do meu salario , do preço que até o propri o Tartaro concede ás desg11açadas victimas, que ainda habitam a terra. _ Fabiola tornou a levantar-se; mas Ful– Yio agarrou-a com toda a força, e d'csta yez não a largou. _ Agora, proseguiu ~l~c; escutae as ul- 1a§_J)alavras que vou d11:1g1!·-vos, ta~vez as 1 mas que ouc;acs. Restitm-me a r1~ucza , e que injustamente me tc~des despoJado_; 1-cria insupportavel que ou h_\'esse comn~etti– do O crime, o vós guardasse1s o preço d ellc. T ransferi-me, 'ºruma declaraçf°LO do vosso ,unho, a posse d'esses bens, _co_m_o send_o ~una dadiva espontanea, e partirei rnnped1- " atamente. Se o não fizerdes, tereis pronun– ciado a vossa sentença. Um olhar de terrível ameaça acompanhou estas ultimas palavras. 1 1 a alma de Fabiola despertou o arnm· pro– prio ; o seu coração de dama romana rerol– to n- se altivo , e fi cou firme. A ,ista do peri – go fez-lhe perder todo o sus to. Envolveu-se no. vestido, com aquella dignidad e commum às matronas da antiga Roma, e r eplicou. - J!ulvio, escutac o que vou dizer-vos , embora sejam estas as ultimas palavras que prnnuncie , como certamente serão as ulti– mas que me ouvireis. Entregar-vos a riqueza de Igncz? ...... Dal-a-hia, sem repugnan- cia , ao primeiro miseravcl qu e encontrasse; mas a vós nunca! ...... Nunca tocareis no menor obj ecto que tenha pertencido .íqu ella santa joven, se,ia um brilhante , ou a cousa de mais insignificante valor! A vossa mão polluiria a mai s pura relíquia. Dar-vos-hei ouro, de que me pertence , se quizcrdes; porque á custa de th esouros desejaria eu pos– suir o que lhe pertenceu. Mais do qu e todo o resto da sua herança, cu aprecio um legado que me deixou. A noite passada, c_o llocastes a pobre menina na alternativa de acceder.aos vossos pedidos, ou morrer. Ignez ensinou– me tambem qual o partido que deveria esco– lher. Ainda mais uma vez vos emprazo asa– hir de minha casa. - E hei-de deixar-vos possuir o que vos niio pertence ? Deixar-vos triumph ar de mim, como fascinado pelo rnsso espírito , ficardes illustrc , e eu obscuro; rica, e cu mi seravel; - feliz e eu desgraçado?! . .. .. Não! nunca! . ... Eu nfro posso deixar de ser aquillo que me tornas tes ; mas posso im– pedir-vos de usofruir o que não vos pcrten ce . Para esse fim te busquei ; é es te o meu dia de Nemes is . * Morre l . Emquanto vociferava es tas imprecações, fo i com a mão:esqu crda empurrando Fabiola para sobre o leito onde es tivera sentada; e com a di re ita · procurando no cinto al guma cousa . Acabando de sol tar as ultimas palavras, agarrou-a pelos cabell os. Elia não fez a menor rcsistcncia, nem so l– tou sequer um gemido; uma espcic de tor– por se lh e apoderou dos membros; e o_ seu a~or proprio a fazia co~s~rr~r-sc tranqu!lla, diante de tão cobarde rn1m1go . Ia cerrar os olhos quando um rapido reflexo lhe passou pe la vista; sem que conhecesse se era, olhar do assasssino ou o luzir do ferro. Em um' momento sentiu-se oppres a e s11- ffocada , c~mo se sentisse grande pezo spbre • Vingança. •

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