O Liberal: jornal da amazônia. Edição n° 22.572. Terça - feira, 06 de fevereiro de 1990.

" "Chão D'Agua" ganha 5 ~ edição Osonho de todo artista é ler sua obra reconhecida. O poeta José Ildone sonhou um dia ver a sua transformada em livro. sem · imaginar, porém, o tamanho da repercussão que ela teria, a ele bastava que um dia pudesse ser contemplado com um prêm_io e posteriormente com seu hvro editado com a marca da Acade• mia Paraensede Lelras (APL), haja visto as inúmeras vezes que havia participado de seus cimcu.rsos, sem obter êxito. Mas o talento do poeta deu passos mais largos que seus próprios sonhos: a obra ..Chão D'Agua", prêmio Vespasiano Ramos de poesia, 1979, numa promoção da APL, alcança agora a quinta edição, um fato raro na literatu– ra paraense. A reedição, que já está nas livrarias, é da Cultural Cejup. Ildone está exultante com o sucesso de seu livro, leitura obrigatória do vestibular, desde 1988. "Num país onde a política está voltada somente para o eleitorado esquecendo-se do lei– torado, isto é uma glória" admi– te o poeta, cuja façanha só se compara a do poeta Bruno de Menezes que,. com a obra "Batu– que", conseguiu pubHcar seis edições. A trilha deste sucesso, o poeta alribui não só ao prêmio que lhe deu destaque, mas o pró– 'prio contexto em que a obra pô– de estar inserida. Indicação para o Vestibular da UFPa e o .trabalho de uma editora que as– sume todo o processo de realiza– ção e distribuição foram fatos também responsáveis pelo êxi– to. E Ildone exulta ainda mais pelo fato de hoje em dia ele po– der ser remunerado pelo seu trabalho, outro sonho de qual– quer escritor. ''E claro que é um pagamento simbólico, não dá nem para pensar em Imposto de Renda, mas o importante é o significado em termos de avan– ço na área editorial". Quanto ao vestibular, Ildone faz certas criticas. ''A proposta é de alta importância pelo fato de ampliar o campo do leitora– do, mas muitos livros são exigi– dos para o estudante e ele deixa de procurar o livro espontanea– mente". E prossegue: "Se o ves– tibular fosse feito mais racionalmente, com apenas .duas indicações por exemplo, os escritores paraenses poderiam ser mais lidos e bem mais enten– didos". Essas mesmas crítica~ poderão ser lidas na revista d, Associação Paraense de Escri tores CAPE), do mês de reverei• ro ou março. Perfeito "Chão D'Agua" foi publica– do pela primeira vez em 1980, pela gráfica Falãngola, num trabalho conjunto do Conselho Para o escritor José lldone, a reedição de seu livro é "uma glória". A obra já ganhou o prêmio Vespasiano Ramos e é uma das leituras obrigatórias para o Vestibular da UFPa Federal de Cultura e da APL; foram 500 exemplares apenas para distribuição. No ano se– guinte, o próprio Jldone custeia a segunda edição, de 500 exem– plares, pela Falãngola. A partir de 88, a Cultural Cejup passa a realizar as outras edições. A ter– ceira com mil, a quarta, em 89, com dois mil e agora a quinta, com mil exemplares. A primeira edição, premia– da, teve alguns de seus textos modüicados pelo próprio poeta que na época considerou-os de– feituosos. Assim se deu até esta quinta edição que ainda vai me– recer mais cuidados do poeta. "Considero, porém, esta a mais perfeita e a que gostaria que fos– se tomada como base para ou– tras edições". O motivo para tanta preocu– pação com a qualidade dos tex– tos, nada mais nada menos é a característica do poeta em ser perfeccionista. Acompanha to– dos os detalhes da realização de seus livros e gosta de guardar uma mostra de cada fase da confecção. Preocupação tam– bém do autor, o vocabulário de apoio para a melhor compreen– são das expressões. Outro deta– lhe: indiferentemente á proposta da editora de estipular um preço para a venda dos li- Seu "S~bá": um artesão-menino aos 81 Se Deus ajuda quem madru– ga, provavelmente ilumina a vida de Sebastião Antônio Silveira, 81 anos, recém-<:ompletos, artesão da madeira e do miriti, que desde as quatro da manhã se vê às vol– tas com os barquinhos que confec– ciona e já lhe deram grandes alegrias, a principal, poder parti– cipar da Feira de Artesanato de São Paulo, no parque Ibirapuera, há quatro anos. · vros, o poeta procura estabele– cer o preço que acha que cabe no bolso do estudante. Isso por– que ele sabe que se o aluno não puder comprar, sai correndo pa– ra tirar xerox ou nem compra. "O livro sai a preço da xerox e fica mais vantajoso comprar que copiar, além de que ele não fica bitolado nos restimos, que diminuem em muito a qualida- f:Xt~".º bom .ente~dim: n~ do.:, Sobre "Chão DJl.gua", Ildo– ne possivelmente pôde falar quase tudo. Nos dois anos em que se tornou leitura obrigatória do vestibular, perdeu a conta de quantas palestras proferiu para falar do livro, na Universidade Federal, no interior e nos pró– prios cursinhos de vestibular. Em cada encontro, a impressão de que o escritor precisa estar próximo de seu leitor. As mais diversas reações que os participantes apresen– tam, de retração ou de partici– pação ativa, fazem com QUE: ele se sinta uma espécie de ídolo. E Ildone não se importa de serre– conhecido sempre como "o autor de Chão D'Agua". Para ele, esse é um caminho natural experi– mentado por qualquer escritor no mundo e um passo na desco– berta das suas outras obras. ' 4 0 mais gostoso é saber que os jo– vens, independentemente de vestibular, lerão um livro meu no futuro. A obra que marca um autor é um porta que se abre : gostou é só avançar casa adentro''. Depois de "Chão D'Agua", as obras que lldone cita como sen– do mais reJj'resentativas em ter– mos de vendas são ·•o r~anceir_o da-;:Ça.J>'\nag~" fle 85, que foi _programado dt3 te um ano, em homenagem ao· es– quicentenário da Cabanagem ; selecionado pela Secretaria Mu– nicipal de Educação e Cultura, foi editado pela Falãngola. A pri– meira edição deste livro já está esgotada e são inúmeros os pedi– dos através de cartas que o au– tor recebe. Ildone cita ainda a sua última obra publicada pel{I Falãngola, que traz dois volumes em um só Jivro: "A hora do ga– lo" e ''Trilogia do exílio". Das duas citadas, esta foi a menos procurada, já que foi lançada nu– ma fase crítica do país, em 87. Divindido esta obra há um en– saio intitulado "A arte poética", onde o poeta conta tudo o que sa– be em termos de poesia. Solidão e sossego . "Chão D'Agua" traz um côn– teúdo poético da melhor nature– za. São "jóias poéticas", como Estaleiro José Ildone Aqui o, homcn, ,ão ddcrcn1c,: lechudo,. cigarro cn1,3livado no can10 da boc:a, ferramenta a mão, olho na obra Cheiram a vcrru, e ca\aco. Levantam o ro\lo e e\panam o -.uor da tc\ta Oc:,.ena\ de tábua, e,peram, \errada\ alguma\, de\ba\tac.Ja, a enxó, furada, por irado ou verruma Prezada,ª" peça\, a canoa \e levanta, gost0\3 de ver, como fêmea boni1a. Calo,a\ mão, fecundam a madeira, para o na<icimen10 c.Jc,\3\ filha, {Há trê'> \éculo\ não \abcm h11cr outra coi\a menm empolgante). Se l(~ntamo, brincar dentro da barca, rugem m velho,. MO'il ram a auloridac.Je ponteaguda. Então caímo\ no banho de maré. entre mon1aria\ e reboque\, barco,; e geleira\. Ma<i a voz do avó ecoa, do tapete de ca\aco à\ 1elha, de barro: - Cuidado com e\\e banho! Estórias de menino\ afogado\ \e contam âs dúzias. Mas nem ligamo\: alegre cardume, cnga\gado pela beleza da vida. .. .. •. classificou Abguar Bastos, escri- que as funções rendem. Mas é tor paraense radicado em São desta forma que ele se sente Paulo. ou poemas "onde a natu- pleno. reza amazônica emerge em sua grandiosidade telúrica e o ho– mem, suas lembranças, alegria e sofrimentos são retratados Obras do autor com profunda densidade poéli- Livros: "Pressentimento" ~~·~g~~~ i~~Ts~J~n;ie~~f::~ (1963), menção honrosa da APL; a obra de Ildone. O livro está di- "Poemas" (1971), menção honro– vidido em três seções onde se vê sa da APL; "Chão D'água" (1979/, . 1 a água e "Vitrina liquida com prêmio Vespasiano Ramos da /' gente dentro">, o eu C"Giro em APL; ''Luas do tempo" (1983/; torno do eu"te a-terra c.. Angulos "Romanceiro da Cabanagem" irmã_os"l . Em cada uma as vi- (1985); ':<\ hora do galo" e "Trilo– vênc,as do autor em sua terrª : ~ gia do exílio"..(1987.J as vigilengas_, "a mulher mergu- Coletâneas: "Concurso de re- ~h:e~~Ys:11aª ~~~~:g~~1~~~~~fcn; portagens sobre ! Amazõ~ia:; e a percepção do homem que se 0967), c~m o texto Omar é vivo , transporta para o universal. promoçao da ''Folha do Norte"; "I A obra foi concebida numa Antologia dos poet;is brasileiros•; época em que o poeta era prefei- da Shogun Arte, do Rio de Janei– to do município da Vigia, de on- ro (1982/; "Poet;is contemporã– deé natural. Penodoag,tadoem neos•: da GM-Brasil (1987/ · g~;ef~e f~~•:ei;;. ';;~.":ia~;i~r~~: ''Poesia e_pr';:8" (1987), promoçã?, gar e nas raríssimas horas de da APL, Co~tos paraenses • folga de que dispunha. "Mas O 0988/, promoçao da APL. bom mesmo é escrever em pie- Oautor possui ainda sete pré– na solidão e sossego", assegura o mios, onde se vê o l.' lugar no Con– ppeta que nem mesmo " -,ora, de- curso da Políca Milit;ir do Est;ido pois de ter deixado a política, com o trabalho "Tiradentes. san- ~~~;!~':>:eii~!n~;~~':,.d;LPeª~! gue ~~ramado pelo ouro da /iber- Comissão para a Introdução à dade (1974)_ e v~~cedor geral do Literatura do Pará, colaborador 1 concurso hterarw Funtelpa/rá- ~o itc~e;{',:~t~ ~~ir~is ~~,:~:~~~ :o ~~;ur;i~~~.? t~:;;~. c~~~~~ poeta nem se dá ao luxo de sen- menções honrosas e diversas par– tir como tal. diante do de_sgaste ticipações em concursos. Seu ''Sabá", comoé apelidado carinhosamente, passa odia inte.i– ro modelando as miniaturas e suas peças, uma a uma, com uma paciência que só' a idade explica. Essas, depois de prontas, recebem nomes graciosos como ''Flor do Pará", ''Miss Pará"e nomes de santos, da padroeira de Belém e outros. Para ele, além deser u~a térapia, confeccionar barquinhos é estar diante das recordações da infância passada em São Luis do Maranhão, de onde saiu ainda jo– vem com a familia para o Pará. Menino, ajudava opai na pescaria eobservava a os homens mais ex– perientes na confecção dos barcos de verdade quesaiam para a pes– ca no mar. Os barcos que Sebastião Antônio Silveira prepara estão todos os anos na Feira de Artesanato de São Paulo Aimagem ficou. Ele, que pou– cas vezes fez um barco de verda– de, embora tenha sido pescador por longos anos até se interessar lhe bastam as medidas intuitivas a fundo pela marcenaria, quando que expressam com exatidão a~ ~~ti~~r ~~~~~~nt~~e deverá morava em Bragança, conseguiu suas idéias. Depois é o trabalho de gravar cada detalhe d? processo. corrigir as imperfeições e intar HoJe em dia, ~memórias~ ref~z. o que ele já não faz e deix/a car'. Fazer barco tem um? c1ênc1a" goda filha e da neta. o destino das como e!e diz, na sua f~osofia de miniaturas é o mais diverso; po- ~~~~i!';1J;:S~!ci~r~•;ç~~ r:~ 1oJ::~~;~~~~s p::a~~~s de ~uenas como os salva-vidas, os riocas, ou para a ex~içõa n~c~~: moitões, as estruturas que susten- nal de artesanato que acontece tam as ve~,o mastro,.as cabines. anualmente em São Paulo Há Tudo feito com caixas de em quatro anos que a filha s · ~?lagens de maçã ou com mirili, Silveira, envia seus trab~lh~sº~:~ JSpensando óculos réguas, pois já ra este espaço. Este ano, a exem- Opção Seu "Sabá", na verdade, nun– ca imaginou que um dia faria su– cesso com seus barquinhos. Desde que passou a se dedicar à marce– naria, só confeccionava peças que exigiam grande esforço, como me– sas, camas e armários. Um pro– blema cardíaco que o deixou em coma por quatro dias, afastou-lhe das atividades. Não foi de grande agrado a idéia de ficar parado, sem prod_uzir, mas a saúde pedia uma at1v1dade mais leve. Foi então que ele começou a ensaiar os detalhes desta nova, ati– vidade. Nunca teve problemas com a visão - orgulha-se por ser um d?s poucos na família que não usa oculos - e disposição para trabalhar nunca lhe faltou. Em pouco tempo, revelava-se um ar– tista; primeiramente, presentea– va os filhos e os netos, dt'.pois passou a comercializar os peque– nos barcos. Membro da uma família de artistas,seu "Sabá" terá um espa, çogarantido na oficina de arte que a famfha está construindo. Falta pouco para o término da constru– ção: mas ele não perde o pique em meio à ba~nça característica dos tijolos e madeiras espalhados pe– la casa e aproveita muito mais a madrugada para produzir, ouvin– do seu radinho de pilha, sintoniza– do numa emissora que cedo, pela· manhã, faz a oração do dia. Ele a~ompanha a reza, pedindo bên– çaos a São Sebastião, de quem é devoto.

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