O Liberal: jornal da amazônia. Edição n° 22.568. sexta - feira, 02 de fevereiro de 1990.

~Fanfusia, a reâlidade dos dias de carnaval Do sujo, que passa na rua, até aluxuosa fantasia que percorre às passarelas, não há quem escape do fas– ánio exercido pela vontade e ser uma pessoa completa– mente diferente pelo menos uma vez na vida. Homens vestidos de mulher, ou mulheres vestidas de homem são a fantasia mais comum e que corres– ponde, segundo os entendi– dos, a uma fantasia, mesmo, compreendida esta do ponto de vista meramênte psicoló– gico. Mudar o sexo. pelo me– nos para ver como é, corresponde a ter uma expe– riência libertadora - deixar correr o outro lado da per– sonalidade que se afirma no sexo visível mas, que, de uma forma original. tem muita coisa do outro sexo. O imaginário ocupa o segundo lugar na preferenàa geral. A fantasia de ser uma bela princesa de contos de fa– da, ou um super-herói vene– rado e admirado é um lado dessa identificação de perso– nalidade com o imaginário perfeito. O outro lado - porque todas as coisas têm um outro lado - é justa– mente, através dessa identi– ficação, liberar os recalques e as repressões impostas pe– la vida ordenada no quo– tidiano. Nesse capítulo estão in– seridas as fantasias de anti– herói: diabo, marginal. ma– landro, odalisca, pistoleira... e tantas outras.que simboli– zam justo o oposto do que se é e ajudam uma normalida– de psicológica. Pessoas normais sempre sonham com o desconheàdo (está na base instintiva hu– mana) ou com o exótico dis– tante, onde a vida é melhor do que esta. Fantasiar-se de Xerife, fadinha e uma superavançada noiva. Coleção Mesbla 90. Dançarina. Coleção Mesbla, para pré-àdolescentes. um potentado oriental, por exemplo, é um reflexo desta avaliação: por um dia, as di– ficuldades de ser estão supe– radas pelo colorido, pedrarias e pela ilusão cria– da pela fantasia. A liberação sexual e o avanço da psicologia trouxe mais elementos para a fanta– sia carnavalesca: mostrar o corpo pode não ser tão so- mente uma liberaÇ2o de com– plexos, mas uma afirmação de novas perspectivas. Trajar um biquíni recamado de strass, com cordões de aljô– far significa, hoje, muito me– nos que a contestação pela exibição do corpo que, pro– priamenre, uma afirmação de novas formas de destruir pre– conceitos. Afinal, não causa espanto - e, portanto, per- deu seu sentido destrutivo, para ser positivo. De outro lado, a fanta– sia vem se tornando, cada vez mais, um instrumento para engajamento social, po– lítico ou não. A tradição car– navalesca brasileira é satírica e crítica. A massificação des– locou a crítica da marchinha para a fantasia e, na melhor tradição dos "sujos", os blo– cos de rua fazem às vezes de contestadores. Vestir-se de baleia ameaçada pode entrar nesse contexto: o imaginário tratado a nível político, atra– vés de um engajamento social. É claro que os limites da imaginação humana não po– dem estar apreendidos pura e simplesmente numa dimen– são uniforme. Cada caso é um caso, dizem os cientistas, e no que se refere ao homem, esta é uma verdade quase ab– soluta: assemelham-se, nun– ca são iguais. Mesmo assim, o prazer da fantasia começa cedo: criança ou adulto, to– dos eles apelam para a ima– ginação na hora do carnaval. Neste final de século, a tevê é a vedete: o super-herói o elemento identificador daS crianças. Ele substitui Bran– ca de Neve ou o proibido diabinho; o prínàpe oriental ou Cinderela; e a tradição in– fantil de se travestir em bichi– nho: coelhinhos cedem espaços para falsos havaia– nos, livres os corpos nos pareôs. . Mesmo sem fantasia, o carnaval exige que se ponha de ·1ado o feitio uniforme e bem-feito das roupas conven– cionais: soltar o corpo é tam– bém soltar a alma, e ás vezes um simples adesfvo ou uma carga de batom resolvem. Com balanço e disposição de brincar. E ra proibido, também. usar faca, terçado -ou qualquer ferramenta do trabalho da semana. Di– zia o encarregado da turma que s6 ele podia usar uma arma. E estava acabado. Mas o caso foi num domingo. de manhã. O Maranhão e o Cascudo resolveram beber a pinga afastados dos outros, num trecho do rio chamado Poço Fundo. Os mais velhos davam de conselho que nin- fujt~i~0h~a_:::r:: ~aª~~rrm~u;:itª ~!t~~d~ de dois ou mais, podia. Vai daí, que era quase meio– dia, um solão de ia:ur gosto, quando os dois aparece-– ram, correndo, apavorados. Que-foi-que-não-foi e eles contaram: tinham chegado num trecho do rio e ai sen– taram pra beber, fumar e convenar. Mas, depois re– solveram mudar de lugar e foram mais adiante, onde o rio era bem fundo e o banho melhor. Ali, muitas árvores estão arriadas, com a folhagem quase rente a água. Eles não notatam nada no começo, mas o Cas– cudo, depois de um mergulho, boiou e deu quase de cara com um galho daqueles, arriado, a água corren– te batendo nas ramas. Até ai, tudo bem. Mas, olhan– do melhor, ele viu, sabem o que7 - uma enorme sucuriju enrolada, de comprido, no galho mais gros~ so. O rabo, deu pra ver, estava pendurado lá, na bei– rinha do rio. A cabe estava arriada, descansando no galho, junto da cara do Cascudo. E. sorte dele: a su– curiju estava dormindo. Ele, então, apavorado, avi– sou o Maranhão, que nem foi olhar. Esaíram os dois, correndo pra avisar o resto do pessoal. Conversaram um pouco e o pessoal achou que era melhor matar a cobra, porque, se ela ficasse viva, ia ainda pegar a criação do patrão ou, o que era pior, algum compa– nheiro de trabalho. Estava decidjdo. Iam matar a sucuriju. E, sem avisar mais ningubn, todos animados pela cacha– ça, se meteram nos batelões, armados com pedaços ~a:~· :: p~ i°:n~~~am de arma, mesmo. E re- Ü Maranhão estava ainda tremendo. Não quis ir. Ficou com mais uns quatro, dos mais velhos, da mesma idade quase. Já o Cascudo foi comandan– do 06 outros. Q uando chegaram perto, o Cascudo pediu silêncio, pra não acordar a sucuriju. Eles pararam os batelões ali perto e ficaram de olho na cobra. ''Q ue vamos fa.zer7 Ela está dormindo co– mo uma pedra. "Eu acho que a gente deve matar lo– go", falou alguêm. Eoutro: "'Taí, eu acho melhor é levaºr ela viva pra mostrar pro patrão". ''É isso mesmo, é is– so mesmo!" apoiou um cara chamado Rancho Fun– do. ''Mas como, então, que a gente vai levar esse bicho vivo7" perguntou o Cisquinho, um baixinho que fa– zia as palhaçadas pra alegrar a turma. "Ora, é fácil. A gente embarca ela no batelão da frente e vai cer– cando. Se ela acordar, agente mata", falou o Cascudo. D iscutiram mais um pouco e acabaram aceitando a proposta mais perigosa. Daí. encostaram em terra, um batelão, bem junto do rabo e começa– ram a puxar, a puxar, até que o enorme corpo do bi– cho foi desenrolado. Era preciso muita força e paciênàa pra desenrolar aquele monstro, mas, um tempo de– pois, já estava aquele monte de cobra no meio doba– telão". O Rancho Fundo achou ruim, ele que estava mais animado, espalhando a cobra na canoa. E deu outro palpite interessante: "Ei, pessoal, vamos esticar ela por baixo dos bancos e depois por cima. Assim, ela vai mais acomodada e não fica nesse monte bes– ta, ai, no meio do batelão". D ito e feito. A cobra dormindo pesado e o pessoal cheio de cana, tudo era fácil demais. Ai. quando a cabeça escorregou pra dentro da canoa, o corpo ji estava enrolado nos quatro bancos de aca– pu. "E agora, amarra ou não amarra7", pe.rgutaram uns. "Não, respondeu o Cascudo. Agora, n6s já me– xemos muito com ela. Não é bom abusar. Ela está aco– modada. Vamos aproveitar e levar assim mesmo". E lá se fez aquela '"procissão". Os dois mais corajosos, o Cascudo e o Rancho Fundo, iam reman– do no batelão da cobra. Os outros cercando, prontos pra atacar, se ela acordasse. E foram-que-foram, até que chegaram na frente: do barracão onde o resto do =·!=~~~~~ªfui ~ -qC:e":, ~e:. da-mãe do Cisco foi fazer uma pavulage, junto da~ bra, e escorregou e caiu sentado exato na cabeça da sucuriju. A bicha acordou e não deu outra: numa ~fu,~~~ª~s~:bC.:~!Ja:dJuJ~ba:I~~N::a~ªfJ~u~ ras, o Cisco, mais-qu~dido e apavorado, \â es– tava encolhido bem longe. Mas o resto do pessoa não deu tempo da sucuriju descer pra água, como ela es– taw querendo. Caíram de pau, coisa de uns vinte ma– chos, que deixaram ela toda amassada. E depois estenderam na areia pra saber do tamanho. E medi– ~'rsac~~n~l~~~t~:. dezoito braças e dois palmos. Uma (Continua) Equipe delta edlçõo: Áhoaro MaJ1im, Ana~ A t6nlo Silw, Celival Lobo, Eliaabedt Soma é J. Booco O LIBERAL/ AQUI BELÊM 9

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