Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1951

.... -SUPLEMENTO - r . )Artes] .. a ·Letras/ .Jll..- --·----------------------=---- PARÃ-BEU:M Domingo, 14 ·de J a neiro de 195 1 NUM . lGS - - - ------ --------------- - - - ---------- - - .....---------- ------~-------- -------- -- A FACE DE UM Maria Do Rosário Cyro dos Anjos POETA ~Copyright E .S . l., com oxeluslvidade para a FOLHA Dtl NORT E, neste l:.stado) Lêdo Ivo (Copyriuht E .S. 1. , com excluai vidade para • FOLHA DO NORTE. nee1e l::8tado) RIO - Te1·!a quinze, de.zesseJs ~nos ? S6 me lembra que Maria do Rosário era morena, pcssuia 'llDI/ belos olhos· verdes, buliçosos, e vivia cercada de Yapa:zes. Acbo, também, que er" alegre . Pelo menos, aparentava-o, Por õeatro; talvez a mâgua de não poder vesUr-se como • til~ do , :RIO - A publicação de • A outro", de tão nititlo conteúdo , Ji'ace Perdida·• velo alicerçar, • simbólioo. E é mais ·dl>' que claro 111 em dúvida, o processo de reno- que o repto alegórlce. não se con. vaç:io· poéUca que consagrou para substancia apenas no élcerctcio de sempre o sr. Cassiano Ricardo, uma ·poesia que v~ceu as· a1•ma– ,cutorgando;.lhe uma dimensão de tlilhas do transitório, para adqut– t al modo sui,preendente que dele rir uma expressiva cristalinida- 11e J)Gde diller que alterou. uma de ; nos versos de· '' A Face P~1·di– ;Palsagem literária com a única da ", equaci"ona-se o p1•oblema de torça licita de transfiguração, uma mensagem poética que tam :l.sto é, a obra de a rte . l!ém se explica pela sua matura- Se essa nova fJsionorola llrtca tão vital·, pelo seu acfunulo de .constitui uma verdadek a mudan- humanidade, p-elo seu desafio ao ça de personallc!ade, é bnpassf, "obrigatório oblsmo de quem 1117el deixar-se de reconhecer que voa", o QUf não seria P-Ossivt>l ,e s~. Cassiano Ricardo sô conse- nos poetas jovens, o que leva1·ia guiu realiz.\-la por Intermédio de estes à melancólica aferição de uma experiE'ncia que abrange que, no pais da poesia, existe b>lnta anos de cotidiana prática uma {>iOVlnc!a. cujo lngre·sso só --0a poesia . Se sua fase anter ior, é pernlttioo aos poetas que, ten– tá o . brilhantem ente representada do mais de cinquenta· allos, "â J)t'la ambiciosa e bem sucedida dobraram o Cabo das T&rmen- rla~ão da mitologia de "Martim tas, fambém chamado de Cabo Cecerê ", de!sapatcece Inteiramente da Bea Es:perança. llllte a bele~ de seus dels, filtt. A qualidade mais evlden(e- da ,mos livros. é lrrecusàvel que nes• bnportân-cia de "A Faee Perõi– tes e.'ilstem, iluminando-as e en- da " é o equillbrlo que se fez. ea– l'iqiiecendo-es, as mais feliz~s tre sua formaltstlea e wa ca~ 4'.l~scobertas de sua ortodo,cla mo- paclilade de comunicação, O ar, · (lttn!sta . Cassiano Ricardo apresenta-se Sem dúvida, em seu Itinerário, como um artista Informado até -ele testemqrilla a cada passo ã .saciedade• da força e da eti– umá eomplet.idade e· uina pesqul- ciência de sua composição, e t>m• 11a que o afa~tam das lentes inl- ~ ra se apro,•elte em certos Jng. cJais d.e sua lnspiraçãe, Centl!'.do, tantes das sugestões · perplexas nessa renúncia, nee;sa imi,ie<losa que lhe propicia esse patrlmê'nio flepµr ação, seube o a,oeta cen- numeroso, jamais renuncia ao eei·var os elementos perduráveis propósito de exteriorização de de $Ua experiênela ~ tlca ante- seu !irismo. a-Jor. O dense es11etãculo .de re- Trazendo de seu postulado es– novação de " l:Ym dia depois do tétleo do . moder11l:smo, no qual outro" e " A .li'aee Perdida " alk- tunclonou a eervlee- de um na– m a;se como ilHi apl'oveitamento eionallsmo mats pitenseo do que (las _ melhores conquistas do m11- psicológico,- a carga telfü•ica que tlernismo, dentro- de um clima o leva a projetar nos seus ver– estético maa lúcida, para não aos uma imagfstlca quase sem– -Olz~r mais vâlido, Assim sendo, pre visual - como o olho clne- -não hà porflue· atribuir ao })41eta matográflco dos elneastas ex- de hoje alcumas qualidal!es de- t-raindo mmúela e do parcial a mlúrgicas, e.orne se sua obra universalidade de um objeto - a tual nascesse de um acaso. Ao o sr. Cassiano Ricardo ;Juntou leitor desinteressado, a explica- essa virtude e- alpmas outra■ ~ão oclesa bastaria; um exame co11quistaa 1ntelr lçada11 atravfs atento no texto que suscita esta , 011 anos, come e conhecime»to oeons.l<lera,:ã-0 nos indica, muite da palavra «revolvida a Ili mes• J)elo contrâ:rlo, 1111c a viMria ma pelo sortjléglo verbal, a uti– presente llo grande peeta brasl- lbaçã& de ritmos que vlle desde leiro nada mais é de que a cul- as in1J)Oslçiles maia tradicionais mlnação ells<-'reta de- um proces- ae maquinismo melódtco maie llO renovaeer que ele sofreu nas pessoal, o estudo df realklaõe J)roíundezas de sua arte e Je ISUa através do aprofundamento nas vida. com uma lucidez desespe- coisas e nos sêres, a J)erscrutação :radçra, tanto assim que ã prl- .rla natureza, numa escala que TJleira etapa desse amadureci~ atinge o cosmológico. No terri– mento deu o titulo até um J)OUco tód o poético do a~~:r de • A Face malicioso de "Um dia depois do Perdida ", as belezas particulares dà co'm~sit;ão assoelam-se à beleza aeral de sua m ell'S.lgem, fflNTINOA .Nl\ :ta. .t"AG. DOIS PÔEMÃS-DE ALONSO ROCHA .........~4'###.....,.,,...............~.,..,....... ~ Nãe te surpreenda s tiuando eu surgir das águas em José Menino. Nem te apercebas de minha face abstrata úmida de sono . Olha apenas os meus olhos exaustos aa longa vlaii:fltn. _as minhas mãos entrelaçadas - mas sozinhas. Nôtaràs pelo meu corpo sonambulas raízes,.. folhaa, estrelas, ])eixe11 nos cabelos, até meSJ~o um reflexo de morte . Nada temas t • . E ao se romperem as Imensas cadela6 que há mllentos nos separam, desce para o teu noi'vado no mar 1 c aminharemos felize~ sobre. as. ondas abra~ados come àoij! mor to& irmãos que se enconttassem .POEMA ror que te revelaste dôce alma misteriosa ? .- Eu te queria apena.11 pressentida. Não eompreendes o vazio de tua descoberta : Envelheceste um mundo que me seria sempre novo, libertaste-me do abismo para a mor.te e me perdeste totalmente. Sllf)Orto agora o peso da renascida angústia -meus olhos tristes já anunelam o pooma . Atiro o último olhar à mesa Po,8ta à cela rejeitada' e em desespero lanço-me à noite - a hnenaa noit~ que indecifrável me recebe. No cais o meu anjo parece chorar ! Prefeito lhe sotap_asse a felici– dade fie ser tão requestada . Tal– vez chorasse, furtivamente, as privações . Sabia que o pai não WJha crédito, e via-o esconder-se, quando os cobr adores lhe batiam à porta . Nada dJsso. porém, transparecia ·no seu olhar bri– l.h2nte, em que se refletia inten– sa riqueza vital • Naquela ocasião, eu não seria eapaz de imaginar essas coJsas. Só mais tarde viria a dt>scobrir a pobreza disfarçada que mora– va naquelas casas onde - se a comllla não chegava a faltar, tão barato era tudo o que vinha das roças - escasseava, entreta,;ito, o dinheiro para o senho-rlo, para •s 1.espesas de farmácia ou para as compras da moça nas lojas. Aos olbos do mer.Jno de faml– lll! arranjada, que era a m inha, a ·vida parecia fácil e Igual em t odos os lares E,. como a maio– ria dos rapazes e dos meninos - eu devia ter uns doze anos - contentava-me com amar louca– mente Maria do Rosário, sem J)ensar nos p1·oblemas dela . um J!equeoo · e torpe • episódio . tornou-me, por algumas horas .iramátlcas, o mais dt>sgraçatle -.lesses. apaixonados de t()(!ae :.s :Idades, que a olhavam de lon ge, 1 salda da m issa ou passavam m il vezes sob a sua janela, na ,esperança de vê-la. · Contarei, aqui, esse infeliz epi– l!Mlo. . Não navenoo em Santana rio Rio Verde estabelecimento de ensino secundário, os meninos tle iamllia, depoJs de aprendidas as :primeiras letras, eram •JlOlltOS a trabalhar natt lojas dos pais ou dos parentes, como caixeiros. 'Evitava-se assim, a vagabunda-· gem e tntroduzta-ce • ,arotada nos segredes da arte de comer– elar, tão . bnportante na vila. Ora, segundo aoomlnável cos– tume, tocava aos meninos a co– br ança das conta■. Pequena co– m issão sobre as contas de fregue- 1,es bons pagadores, J18rcentagem mats convidattva J)8ta os casos àilfcels estimulavam os garotos 11a espinhosa tarefa. Estava eu a praUcar na loja no m eu tio, quando um dia - era fatal que esse dla chegasse - fui !neumbido de cobrar a conta do pai de Maria oo Rosário, con– ta já smarel-icida, que fizera muitas viagens, em vão, dentro duma fatídica pasta preta, antes a cargo de outro caixeiro da loja, O débito remontava aos tempos em que a !amilla viera de MJ– n-as Novas do Fanado, quando o Capitão Sezefredo alnda conse- gwa ccmpl'ar fiado no cemérclo. O Capitão era um homem ele– gante, d..do ao poker e às mu– llle.res. M.eu 1lo, criatura virluo• sa por tlmidez, nutria por el• uma admiração secreta e chei• de inveja . Por et>rto, seria capa11 até de lhe emprestar dinheiro_ ,e o capitão lbe desse, de i;ur– presa, uma tacada, Não tenho dúvida qut>, coloca– do, assim, de súbito, entre a :pai– xlio ça avareza, que o consumia, e a atraçãt1 que sobre ele ext>r– clam a prodigalidade e a Jlberü– nagem peroonaH.zadas na figura do Capitão, meu t~ dificilmente resistiria . Tan.to o Intimidava a presença fascinante desi.e homem, que aoanteeeu uma coisa espantosa; passando t>le, um dia, pt>la nossa toja, e havendo dito, com are.s entt>dlad6s, num bocejo: "CTeio que temos ai uma canta jâ melo 11elhusca . . . ", meu tio gaguejou, respondendo que aquilo não twJ1a Importância . Nlo havia pressa , Depois, deve ter sofrido horrivel- mente, J)Or ter pronunciado tala palavras. Considerando, hoje, que a eon• u. e!& Capitão era lnoobrâvel e que nada ocorrera, naquele tem– pc,, em sua vida. que pudesse determinar a abertura de tão pe– perigoso J)reeedente, que seria saldàr um débito - flE_o a ima– ginar que meu tto procedeu com dole e perveHidade contra mim, Incluindo, no rol daa cobrança.e, a malslnada fatura . eertamente, suspeitava ele do amor oculto e envergonhado que eu tinha J)Or Maria do Rosário, e quís ;ludlar comigo.- O certo foi que -não mt pude esquivar à In– cumbência. Habituado a p1·oce– der com exação, achei que não J)Oderla sabrepor um caso senti– mental aos deveres do oficio. Além de tudo, a disciplina era o farte de minha familia, e a in– submissão, a uma orden1., ' nem mesmo era hipótese que sta pu– dess'e formular. Só me restava escolher uma ~ora em que Maria do Rosário não estivesse em casll;, e me fos– se posaivel cumprir_a tarefa sem humilhação. Sabendo que a don– zela aco: daya tarde, afeita aos htlbitoa irreguJarea daquela casa !le ...«>êmlo que enviuvara cêdo, deixei a missão para hor as ma– tinais, Com t>stas precauções, certo dla, bati, impávido, à porta do Capitão. Supús que teria de me arranjar era com a velha criada, poJs o Capitão, mesmo ISO ;IA ei;- (CONTINUA 3a PAG ) P ermita o gr ande suplemen– to liter á rio de nossa ter ra que rum jovem do interior venha trum ariar s ua s impr essões a cerca de um assunto muito ])alpitàn te suscitado na edi– ,ção de 31 de dezembr o por um viajant e ilustre, a quem, pa– rece, melhor agradou o nome tsuposto par a o pa tr ocínio de · iUas epiniões. DEZPOE .TAS d ade subalterna e imPUl'a de :formular perguntas, dificeis ou faceis, equacionáveis. ou não . A difleuJdacle material de que fala o sr. João Afonso trài a sua falta de preparo p ar a a aventura excitant e n o território do hermetismo. Es– sa f alta de preparo não signi– ficá, estâ visto, nenhuma r es– trição à sua cultura Jiterâria, que ele demonstra ~r tão_ b~~ erigida, má's uma unposs1b1ll– d ade orgânica de apreender as incursões cruciais do sr. F lor iano J ayme no mistério poético. Para mais r essaltai: sua verdadeira impenetrabil,i– dade ao conteúdo ilógico des– sa poesia, basta a transcr ição de um trecho: "As palavras são tão surpreendentes como se em plena sona equatorial, eaisse uma chuva de f eio", Dentro do h erm etismo não é surpresa a eclosão súbita de uma palavra feroz. como se fosse um golpe, baque ou co– risco n o ar. A repercussão in– terior , à s vezes, dessa palavra solitária n o poem a, que ao sr. João Af onso parece descabi– da e lntolerã vel. é que vai ge– r ar climas, sugerir e clarear imagens, deflagrando a nota m ais intima e mais rara , De– pois, saiba o ilustre peret?rino que o critério lógico não e aplica ao entendimento da Anim ou-nos a esse impulso . m facto apenas: a con stata– ,ção -de certas conclusões de– ·:feituosas, truncadas e ambi– tiiosas mesmo, do sr. João Afonso, que tudo indica ser um- h omem p erigosamente in– .teligen te, .tornando-se-lhe bas– tant e fá-cil justificar e presti– @iar com sagacidade t odos os pontos de vista qu.e um dile– ma compor tar, o qu e. sendo 'Um mérit o no virtuosismo da d ialetica e n o malabarismo mental, r epresenta um demé– rito grave na tarefa critica a ,que se pr opôs. .Jul ar é discernir, decom– J)Or . comparar, deter-~ escru– p ulo$amente n o objeto visado ,e não ap r eciar , " à vol d'oi– Eeau", com uma pressa quase n ervosa, as características, a y ocação e o teor p oético de '.c'lez indh1idualidades as mais "fariRtlas e subtis. Um mov;•. menta preguiçoso do olhar :por sobre uma p aisagem ~e PARAENSES p oemas, como o próprio autor confessa, é uma revelação desprimorosa p a1·a quem se dispõe ao acto austero de jul– gar. A im pressão primeira que se colhe da exposição do sr. João Monso é de incapacida– de, alergia ou deliberada pr e– venção face à poesia mi\gica e densa do sr . Floriano Jay– me. A contextura hermética da obr a do jovem poeta não pôde ser devassada p elo criti– co, em toda a sua extensã o e em toda a sua pureza . O seu olhar não ultrapassou o r e– vestimen to verbal dos poemas. Provàvelmente p orque deve - Acrísio de Alencar -- ·•eeebemos de Bragança o seg"Uinte artigo do sr . Aerisio de Alencar, que re,presenta uma resposta a um outro por nós divulgado, a 31 de dezembro último, de au– toria do sr João Monso, um escritor que este•e de pas– sagem por Belém, e no qual eram tecidos comentários em tôrno da nossa pequena antologia de dez . poetas pa– raense~: ser o sr. J oã o Afonso um ho– m em · cuja idade biológica abeira os 50 anos, muito dis– tan ciado já dos 20, do que lhe decorre uma receptlvida<le pe– nosa a os f enô?r'enos da gera– ção post erior à sua, Quere- m os acentuar que possivel– mente a sua antena de capta• ção não apreende senão os fe– nômenos que este.1nm mais ll• gados às suas idéfa!! calcifica– das e :.ios sPns comnottam.en – tos estandardizados e já mecl- n icos . Não quer lsso dizer que Beja o sr . Joã o Afon so um homem velho, n o sentido, di-• gamos, de a char-se inteira– men t e fossilizado, mas estâ íóra de dúvida q1:1,e se encon tr a precisamente num meio ter – mo. Ora, em cer to sentido o her– metismo poético cria uma at– mosfer a interior igual à da música, queremos dizer reali– za sensações rar as no esp.irito do leitor ou do ouvinte, sem impor a necessidade de espe– cularmos o conceito, a ord em lógica . Ela nos inunda, bene– ficia e encanta, simplesm ente, màgicament.e, sem a necessi- (CONTINUA 3a PAG )

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