Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1950

.t. • Pági11ó DIR.ETOR PAULO MARANHÃO SUPLEMENTO OOLABORADORES-- ---- DE BELtM : - Afonso Rocha, Benedito Nunes. Bruno de Menezes, Oauby Cruz. Cécil Melra, Cléo Ber• nardo. Daniel Coelho de Sousa, F. Paulo Mendes, Garl– baldJ BrasiL Baroldo Maranhão. Levt Hall de Moura, Mário Couto, Mário Faustino,-Manricio Souza Filho, Mas Martins, Nanes Pereira., Orlando Bitar, Otávio Mendon– ça, Paulo Plínio Abreu. R. de Sousa Moura, Rui Gui– lherme Barata, Rui Coutinho, Simio O. Bitar, Sultana Levy Rossemblatt. DO RIO : - Alvaro Llns, Augusto Frederico Schmidt, Aurélio- Buarque de Holanda, Carlos Drummond de ~n– drade, Cassiano Ricardo, Cecilla Meireles. Cyro dos AnJOS. Eugênio Gomes, Fernando Sabino, Fernando Ferreira de Loanda, Gilberto Freyre, José Lins cJo Rego, Jorge de Lima, Lêdo Ivo, Lucla Miguel Pereira, Maria da Saudade Cortesão, Marques Rebelo Manuel Bandeira, Maria Ju– lieta Dnnnmond, Murilo Mendes. Otto Maria Carpeaus. • Paulo Rónal, Rachel de Queiroz. DE Stl.O PAULO: - Domingos Carvalho da Silva, Edgar Cavalheiro, P.oger BasUde, Sérgio Milliet. DE BELO HORIZONTE : - Alphonsoa de Guima• raens Filho, Bueno de Rivera. DE CURITIBA : - Dalton Trevfsan, Wilson Martins. DE PORTO ALF;GRE: - Wilson Chagas. DE FORTALEZ.ll: - Antonio Girão Barroso, Alulsio Medeiros, Briga Montenegro'; J oio Clímaco Bezerra, J osé Stenlo Lopes. DE PORTUGAL : - Joio Gaspar ~lmões, José Régio. Conclusão da Lª Párina ""d~: 16 tómtiva qualquer cii- cãozinho atrls dela, prealatlvo-,. çlsão, depola de matutar, · caça. blanM~ J!I, procurlnllo imlt6•1a, • cabeça e mordendo a ponta do êm tudó, foi ue &cfl&ulrlu aque. • T~, entretanto, urna 90Z (e andar voJAtll, • . aque- ftmda e quente, unia voz que las mãoa •re entrelaçadas, diria haver tomado por em- os dedos engrenados mas os po- , timo ou roubado de alguém legares moven!lo-se, como ise ro- usar por luxo, não fosse dassem entre s! as contas de um ~a. a Marilnha, tão Isenta de rosário. artifícios . · Ficatia no colégio eternamente, Dlzla-se que gostava de Melo, • servindo no que fo·sse preciso, se 11f'era verdade. Por causa dele, Irmã Mercedes não houvesse que era tão correto, passou a morrido, e não houvesse dai, de cuidar dos cabelos, e a não mais repente, se levantado em volta t estir roupa amarrotada. Só não de si, aquela hostilidade inve- onsegula deixai: de roer o lapis, josa. · lvez pelo prazer de ver o Melo Ele gostava de falar sobre o ppontá-lo dos dois lados, para colégio, e Marlinlla gostava .de ~ar-lhe melhor aspecto. · · 0 ouvir. os olhos dela se en– j;ensibilizava-a a magreza extre• chiam de lágrimas, e suas mãos tnª do colega, e trazia-lhe poris• desejavam consolar com uma fi o dôces, frutas, petiscos. Ouvia• caricia aquele órlão. Mas não com prazer, quando ele lhe con- pareceria bem. ava as trav_essuras do gatinho · Melo se sentia amado, e, mata lla pensão, ou mesmo os sonhos do que isso, protegido por ela. q,ue tivera durante a noite, inter- - Muitas vezes passava-lhe pela pretando-os como bons ou maus cabeça construir um lar ao lado pressaglos, ou simplesmente _e~ de Marilnha, e imaginava cenas mo palpites para a loteria. Jogar comésticas, ambos cuidando do na loteria, era o único vfcio de jardim, ambos alimentando as Melo, aliás comedido. Todas as aves do quintal, ela estendendo ~emanas comprava um bilhete e a toalha na mesa, ele carregan– ~sperava o resultado com certa do os pratos; ela tricotando, ele ansiedade, de que Marlinha com- desenrolando o novelo de lã..• {>artilhava. O que ele faria com Mas só depois, quando as coisas "!? dinheiro, caso a fortuna lhe sor- melhorassem, quando ganhasse tlsse, e que estava certo, era que na loteria. Também, nada ainda 'í,agaria promessas com uma par- dissera a ela, que não ia empa– te, e, 6obre a outra, depois pen- tar tuba alheia ... sarla... Ele também tinha confiança na colega. Gostava dela, como gos• tarla - de sua mãe, não dizia, forque Marilnha era muito moça p- mas como gostaria de uma irmã, se a tivesse. Porém nun– ca conhecera nem mãe nem t mã. Quando abriu os olhos para vida, encontrou o mundo como eu lar. Marilnha sabia disso, contava tudo a ela. Contara-lhe como naquela manhã, em que, perseguido pelos J)ollcials, só ,porque ;Jogava bola na rua, en– trara pela primeira porta que viu '11berta. Nesse tempo era mole• que, moleque perdido, mesmo. bs companheiros sumiram-se. Ele escondeu-se, unido ao muro do desvão da escada, trêmulo, esgazeado, só ouvindo um ru– mor sem equillbrio, De repente hm vulto de negro desceu para fechar o portão. Ele, vendo-se çescoberto, tentou fugir, porém mãos carinhosas prenderam as suas e o recolheram. Então, ficou p ór all mesmo, apesar de se tra– pr de um orfanato para meni- ! s; servia na limpeza, compa. cendo às aulas também, e, pol' aça, arranjaram-lhe um uni- i rme, um vestldlnho azul-ma• ho, pregueado. Adorava a lr• Mercede.i, Ãílàava como UID' Se casasse algum dia, seria com Mariinha. Só ela era melga para ele, só ela sabia tudo da sua vida. Contara-lhe tudo... lstl é, o que pudera• contar, sem se sentir muito humilhado. Uma coisa não poderia, nem desejava 'contar a Marlinha. Queria tanto perder.isso. Llvrara-!le do colégio, Vencera muita timidez. Corríg{. .ra-se de defeitos que o tornavam Pldiculo. como aquele das mãos, obrigando-se a mantê-las nos bolsos, por suprema força de vontade. Só "daquilo" não se po– dia libertar. Como justificá-lo a uma esposa? Era tão devoto, pos– suía uma fé tão sincera e pro– funda, mas nãó se concentrava ao rezar. Era preciso que estivesse s6. Que se certificasse de que nin– guém o espiava. Lutar consigo mesmo, começar e recomeçar, insistir, fazer um esforço sobre– natural para vencer, e, afinal, era vencido. Não podia dormir sem orar. E não conseguia orar, con– centrar-se na prece, sem aquele tabú. Quase chorando, de ansie• dade e desespero, constrangido mas exaltado, vestia o hábito ne– gro, punha o manto na cabeça, e, então, se prostr~va, possuido da centelh.a divin'a. . FOLHA DO NORTE Domingo, 31 êle Dezembro éle 1950 Debruço!'•se sobre a janela olhando a rua e se algum pen~ ,amento lhe ocorria era este: cuspir na cabeça do prlqteiro ho– inem que passasse. Riu da idéia, Como se realmente já houvesse cuspido. O homem olharia para rima, sem entender, com uma cara idiota e talvez proferisse um palavrão enquanto passasse , lenço dobrado em triângulo, onde o escarro iria se confundir com a essência de rosas. - Um homem é engraçado, pensou, se a 2ente não o faz ri• diculo. A tarde derretia-se no centro da praça, aparentemente imóvel, · na verdade exausta. com um can. saço que se refletia na marcha dos carros, conformados como bois pacientes, vazios. Ninguém se apressava. Era como se na• quela hora todos estivessem ia• zendo uma grande viagem, para a morte, por exemplo, e retar. dassem a marcha das pernas, de• morando·nos gestos mais cotldia• nos (ao acender um cigarro, os braços levantavam cerimoniosa• mente, um largo instante fica– vam parados, depois a .fumaça, mole, que as rr,ãos do homem d.is · slpavam ao sacudir no ar o pa– lito ainda acêso, uana chama preguiçosa), como se eles fossem os últimos, ou ali exercjdos pela última vez. A mulher na janela olhava a rua também, e não recebia do tora nenhuma impressão que a libertasse desse sentimento . De tédio . De manhã, pelo menos se la à janela, aumentava o inter<!~– se dos homens pela placa sus– pensa na parede e via mestno alguns deles pararem demorada– mente, lendo uma, duas, três vezes, sendo que acontecia faze– rem-lhe perguntas se a surpre- endiam, olhando-os. · Agora, entretanto um vazio caia em tudo, penetrava nas coisas, nos seres (ela mesma se sentia como que Oca) e tudo o que se conseguia mover • era corno ise fos·se pequenos monstros ·aneste• slados. Uma tarde horrivel. O calor ensopandó a carne e unln– do-a à roupa, dando-lhe uma es• qulslta se.nsação de cócegas. Quando abrira a janela, então, foi como se o mormaço estivesse ali amontoando durante horaa e horas. à sua espera. Como se a envolve~se!!."' .. 'iC,e:!:'..t'~~t>~t\t~ em panos de algodão. Horrivol. At6 1Jufocou-se. "Arre"! l'ol quando o telefone toeCIII • não ae °!I~ Podia aerlh) -~ ~. Ili um. m~ O aparelho insistia, tllfntava bis • ricamente.' Deixou a janela e sa– cou-o violentamente enq\!anto en• direltava os seios. -Pronto! · - lt eia Companhia de Segu. ros? Deu uma bocejo. Depois fez vento com a mllo: - :I!!. Mas seu Jonas não est4. Algum recado? Ouviu o homem resmungando do outro lado, como sempre, de– pois o estalo que a invadiu pelo ouvido, do fone largado com rai– va, sobre a caixa. "Ora se eu tenho culpai Não está, pronto. Dane-se 1• Largou também o aparelho com o mesmo zelo e ia voltando para a janela quando ele soóu novamente. Deu um soco na mão. . - Faça um favor, que horaa ele chega? Já velo da viagem? -Ele· quem? - Seu Jonas, ora essa. o- Jo- nas, que horas ele chega? Olhou o re16glo na parede e continuou olhando-o, se bem que há três dias estivesse parado, A espera de corda. - Muito cédo, ainda, Chame mais tarde. - ' Olhe (ela riu. Mas como, pela orelha?) diga para ele que é da sapataria. Ele sabe. O ra- 11az está c~ado de ir af. SerA possível? Que dê ao menos uma parte, ora essa, uma parte ao menos, quem tem filho barbado é camarão. O aparelho desllgou-se nova– mente. O mesmo recado de on– tem. Não dlria. S6 se seu Jonas 1n- ' dagasse . Jã sabia o que ele ia dizer. O rapaz que viesse, trou– xesse a pasta, ficasse lendo...sP.lJS recibos enquanto esperava, de pernas cruzadas . No dia seguin– te viesse também. Sernpr~. Que seu Jonas estaria ausente, Via– jando, entrando e saindo pela porta dos. fundos. E os camarões que boiassem. O calor pesava, na sala ainda mais. A mulher puxou uma ca. delra e sentou-se. Com os dedos foi dobrando milito vagarosamen– te a bainha da sala, alisando mesmo com a unha as quebras de pano, até que as coxas boia– ram aos seus olhos, de carnes flácidas, suadas. Quando as apal– pou, sentiu subitamente um tre– mor, um frio correndo na espi– nha como uma minhoca . Um tremor instantâneo que ela tet. mava agora em alisar as pernas e não o repetia , • Engraçado". pensou. E era a segunda vez que fsto lhe acontecia. "A primeira, onde foi, meu Deus?", forçou a m em6ria, ·ma.a do vinha. lula CONTO: EVANDRO DE OLIVEIRA BASTOS ; ·1 vandro de Oliveira Bastos. 19 anos . Nascec em Bn• jarú. Católico, apesar dP tudo. Em.,matéria de literatura ..,,....},,·• ..'.~. não deve nada a ninguém, ' ,, \;J em particular. Admira os · /~;J amigos que lhe empresta!ll 'j livros e detesta os que nao 1 lhe devolvem . Politicamen– te abstêm-se de pensar que exista na realidade uma forma de gover no que o satisfaça plenamen te. Re• mista, confesso . Concorda que o Brasil agiria muito bem invadindo o Uruguai quando este lhe roubou o título de campeão mundial de futebol . Além do f ute• boi, há a música. E antes destes, a literatura. Proust, J oyce e Mallarmé, por fora, e Machado de Assis e Murilo Rubião, por dentro. As namoradas geralmente lhe dão no. . mes trocados. Solteiro. E adepto do divórcio. Nada mais. jã tanto tempo, decerto. Aos pou– cos entanto, foi revendo. Estava escuro. "Onde era, meu Deus? n. No cinema, lembrava-se agora. As mlios do homem vieram es– ~orregando, escorregando, e ela observando pelo canto do olho, intrigada, ansiosa, com uma von– tade louca de cuspir na cara do homem. Mas não lhe via a cara. Apenas uma parte dos braços, as mos se mexendo, como aranhas, no escuro. De repente o frio, o choque bulindo-a no mais recon• dito dos nervos. As mãos do ho– mem espremiam a coxa como se espreme uma fr,Jta, no escuro. E iam subindo, subindo, como duas aranhas. Levantou-se e foi à Janela. •Trabalho chato". Aquele calor e aquele silêncio todos os dias, pela tarde. Seu Jonas ,vi:rava es– condi/lo pel.a jjl>rta dos fundos, sem. ruido. Ela la à sala e fa– lava •CQ.m os rapazes : •é verdadê ele eaa viajando. Se o escrtt~ rio eatt· aberto é porque nlo ~ mesmo ficar fechado. Voltem rui :pr6xima' semana•. Como nos fll,<. ?nes em série. Frustrados. Os rapazes saiam, um atrás do ou,. iro, as pastas em .baixo dos bra• ços, calados, ou contando anedo• tas se se conheciam. Seu Jonas quase i;umta atráa 'da mesa, entre os papeis . Os ca– belos escassos, assim mesmo ele os coçava, às vezes impaciente, desesperadamente. Tinha pena do homem. Ademais, conhecera-o dlferen• te. Seu Jonas entrava na sala, marcial, passava os credores em revista e vinha sentar-se naque– la cadeira, corria os dedos, entre a gravata e o pescoço, tranquilo, respirando normalmente. Um dia chegára cêdo, antes dela e colocára sobre a sua mesa um pequeno embrulho. A mulher chegou, viu e assustou-se. Apal• pou com os dedos, uma coisa · dura, e não supôs o que fosse. ,Abriu o gabinete encontrou o seu Jonas sentado, desembrulhando revistas. Levou-lhe o embrulho, Devia ter esquecido. Seu Jonas envolveu;a num olhar de ternu• ra, rindo pelo olhos, as mãos in• quietas como pássaros. â -Não I Não esqueci coisa atgu. ma Ange, o embrulho é seu. -Meu, seu Jonas, como!? -Quer dizer, não é bem para a senhora. Eu comprei para a sua filha (riu satisfeito vendo o brilho nos olhos da mulher) ~ e acrescentou: $ão as festas •••· as minhas festas. Seu Jonas mesmo abriu o em• brulho e revirava a boneca, fa. zla-a dormir, dizer "mamãen. Enquanto a mulher olhava em• briagada, prevendo a profusão de gestos da filha surpreendendo a boneca, de cabelos louros e ves– tido azul com soldadinhos na sala. Estava encantada. Ainda se lembrou, não tentou, entanto; a melhor coisa que p0derla fa– zer naquela hora seria chegar-se a seu Jonas, dobrar-lhe o rosto para cima e espoacar-lhe um bei– jo na boca, bem na boca. Que se surpreendesse I Ela também não se surpreendera com o pre– sente para a filha? Diria: -Minhas festas seu Jonas! - E o beijaria. Nada mais. Um beijo longo, entanto. Riu das bobagens. Mas seu JO• nas era assim mesmo. Vivia qule• to. Até o telefone tocar. "Foi numa tarde assim como essa", estava pensando. O apare– lho soou e seu estrldo prolongou. se nas tardes seguintes. Sem pa• rar. Todos os dias com a me&– ma insistência. No princípio seu J' on.as ria (você é um anjo que. rida), embrulhava a gravata nas mãos enquanto ouvia e era como ·11111 'nid ientlsse calor. :seu .rouu ' 1 . suava de felicidade. Mas por que, querida, para que tanta econo• mia? Pode Ir, quando quiser. Basta 'dizer que é da casa do Jo– nas. da Companhia de Seguros). A mulher ria do outro lado. Ele ria já do jeito dela rir. E riam juntos·, como duas crianças. Depois o telefone era uma an– gústia'. Estava tudo quieto, o mormaço nas coisas, urna vaga sonolência e de repente aquela sirene, o telefone chamando o seu Jonas. O homem piscava os olhos, encostava-se na mesa, fa• zia uina tentativa antes dos ges– tos com que segurava o fone. E ouvia . A lingua, às vezes, parada entre os lábios, apenas ouvindo, sem nenhuma energia. -Ma , -filha. não fol semana passa.da que eu lhe comprei um igual? •À mulher parecia dizer do ou– tro lapil: -Foi .Tonas, mas é horr[vel. A vizinha tem um igualziabo ao me11. •Não é feio eatarm1111 agora aa~ d,e uniforme? Maa ae voce nlo pode, m- bem, d~,..i,;,. ~ doe, sim? As . pestanas de seu Jonas bJ• tlam ,,como duas asas. -Não! Não é que não possa! Mas... A mulher punha uma cara de chôro no aparelho .Tinha lábia. Seu Jonas concordava por fim, adtvlphando uma noite feliz: -Estã bem, filha, mande. Diga que é para a casa do Jonas da Companhia ..• Noútras tardes outros telefo• nes; seu Jonas suava. Já estava ridículo. A mulher pensava . En– trando pela poria dos fundos . Pensando em seu Jonas a mu– lher estava alf agora, naquele mormaço. Tinha pena do ho• mero. Seu Jonas não era assim. Era bom. Esfava pensando também no di· nheiro que devia receber. Fim do mês! Na certa o homem pa– garia, mas com que sacrifício, meu Deus!? Enternecia-se. Mas preclsava do dinheiro. E logo agora que prometera um presen– te à :sua filha. (Já sabe, se não estudar, perde). Precisava do or– denado. Seu Jonas estenderia o braço, com mágoa. Aquele dinheiro era um golpe . Oitocentos cruzeiros, todo mês. Doia. Como doia I Tal– vez ele ainda dissesse "Boas Fes– tas, Ange, Boas Festas". Talvez, quem sabe l? Mordeu o beiço: -Já sei. Não recebo este mês. Fo{ com o homem. Ele estava coçando a cabeça, os olhos pa– rados, como se não visse nada. Entretanto, viu-a entrar; estre• meceu. •oitocentos cruzeiros". Mas a mulher estava falando, Levantou o rosto: - Senhora, d. Ange? - Está ocupado, iseu Jontis? - Um pouqi.tinho, mas já falo com a isenlrÓra. Um pouquinho. Só uin instante. - Não, seu Jonas, só queria lhe dizer o seguinte: eu fiz este mês umas economias (pluraliza– va) e queria que o senhor trans– ferisse o meu pagamento para outro mês. Ficando em isuas mãos estarã em caixa-forte. Está bem? Seu Jonas olhava-a e nlio en– tendia. "Se estava beml?" Como não? Teve vontade de gritar no rosto, beijando-lhe as mãos1 - Ange, você é um anjo. - Mas ficou parado na cadeira. ;melo aliviado. Quando a mulher saiu, estava ·aliviada também. Seu J'onas não o fez, mas se pudesse bem que a beijaria nas mãos, contaria uma história de natal que ela jã vl• nha ouvindo hã muitos anos . A lúitória da crlanga 6rfl. que rer ) lOINlün.. D& la. N-J. ) DEZ POETAS (Conclusão da mL Pagina). veltar, mostrando-se quase que lnte1ramente desprovida do ma• ~nejo da técnica do verso . De re– pente, tem-se a Impressão d e que o poeta ia acertar; chega-se a. torcer, mas, faltam-lhe as for• ças necessãrlas- para agarrar a poesia com unhas e dentes e tor– ná-la submissa. Em " Salmo", ele apenas reuniu material para UI11 poema; e não fez o poema . Acho que sugeriu que ia fazer . Ao seu lado. o sr. Caubl Crw:. que se identifica mal pelo retra• to, fez o • Soneto da palavra es• quecida". Vai nessa afirmativa, a minha admiração pela sua poe. sla, na qual ainda persiste um11 certa indecisão que transparec~ na escolha cautelosa das pala• vras, como se o poeta ficasse to• mado pela timidez no momentt> em que vai escolher. Mas as pa~ . lavras fluem com liquidez e oc ll, paro o lugar conveniente, de acol'o do com a densidade poética ds que são dotadas. É justamente essa densidade poética das pala• vras que o sr. Alonso Rocha pr judica, só para servir ao precon.. celto da perfeição parnaslana da forma. Se ele experimentas&<; abrir as comportas dos seus Lirt– dos sonetos (porque até os sone-, tos estão prisioneiros) não sofre• ria prejuizo algum em sua lnte• grldade poética . Numa das fotografias aparecei o sr. Max Martin& acendenao um. cigarro. Els ai um motivo que ele não deixaria de aproveitar. A sua poesia tem o colldianc, como matéria prima. Dela ex◄ trai a substância para os seu11 versos. É uma poesia perigosa. da qual a beleza pode escapar de um momento para outro, flcan• do, em seu lugar, apenas o pito• resc,:i e o aned6tlco. Mas o qut acho admirável e em virtude do que não tenho dúvidas quanto à possibilidade do poeta consegu~ exterminar essa ameaça de uma. vez por todas, é o profundo sen• timento de viver que lateja nes. ses poemas . Quem sabe até se não foi essa necessidade furios!' de viver que transparece em seus versos. que o levou a procurar, a segunda vida que a poesia dá? A vocação para a vida teria for,. çado o aparecimento da vocn~ãt> poética. No ar. Paulo PHnio hr •t nsa flC!!d.i'I !"'ética 111.• corpOrou a vida em al 1,:41•ma: quer dizer que ae fez v1 A: leitura de seus poemas não leva a outra conclusão. :I!! um dadc, primordial de sua poética comt> e é também a pureza dos moti• vos. Nenhum reslduo em seua versos do trabalho -severo -qua todo bom poeta realiza para en– contrar na palavra o equlvalenta simbólico da Imagem que foi con• ceblda. Ele conseguiu apagar qualquer traço de fadiga; a re• ceptlvidade de seus poemas é tã<a suave e se faz tão naturalmenta como as cores em nossas pupilas. Gostaria de transcrever aqui to• dos os eeus poemas. A •canção" de Maurlcio Rodr~ gues mostra u possibilidades do poeta: tem o sentido musical d49 verso. Lentamente, ele se pre, para para a conqUista de um., linguagem poética, que lhe perJ tence. Em poesia, ,como no cá} mérclo, é mais isãbio não faz~ empréstimos. Necessito fazer um parenteslll. A ordem que obedeci para redai ção destas notas, fol o movlmerq; to preguiçoso do olhar, num dl& de domingo . Fui, porisso, comen– tando, ao sabor das impressões mais próximas qu~ se reaviva~ no momento em que escrevtat Não hã outra orde se não a que pode ter um 'homem isonc,., lento - o ritmo irregular doa seus cochilos. Não 11 119r último o sr: Rui Guilherme Barata. An~ te.s de passar pelos· dominios do.t outros poetas tomei conhecimen– to dele, mas como este eenhot; fez dentro da A11tologia urna o~ tra antologia para si, resolvi de~i'I xã-lo para o fim. Era mais e modo. Os seus trinta anos de po ,mas asseguram-lhe experiência~ poéticas decisivas. Da poesta.1 dele não se pode falar em ter~ mos; gosta-se ou não. Já tem seu rumo, firmou a sua direçã e p0demos mencionar hoje, com' daqui a muitos anos, um poet Rui Guilherme e uma poesia, de Rui Guilherme. Esse poetai! que é antes de tudo lúcido, movi? menta-se num mundo que é se pela graça da palavra subjugad • serva das imagens. O seu u verso poético 'é o mesmo cotidi no, mas transfigurado pelo pod .verbal de que é dotado e que s tua em pleno território da p slà, a história de um esplrito · quieto, angustitldo, diante do m · · térlo que representa uma exlstê ela em face das impressões m comuna e habituai.. O unlver que ele criou sltua-s~ nessa llnh imaginária onde o cotidJano pr ctpía a moatrar a aua transe Jltn9Ia, .i( _ ' . ) . ' ..

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