Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1950
1 l • • I - SUPLEMENTO - ·---------------. 1Artes t 1 ! Letras PARA-BEU:M Domingo, 3 1 de Dezembr-o de 1950 NUM. 164 -·-- Sete Contistas Poroenses Lembronco De LJm Morto ~ . CONTO DE MARIO COUTO F R E·I R I N .H A Belém do Pará, a 24 de setembro de Inimigo de conflitos, sejam internacio– nais ou simples desordens de es• quina. Não tolera a politica nem mesn,o como observador de ar– quibancada. Em compensa;:ão, gosta de ulsque, cerveja e, às ve– zea, maracujá. Adora também as mulheres e é de opinião que se deve Imediatamente movimentar uma campanha 11u sentido de reabilitar as balzaqueanas, pois, os famosos brotinhos éatão se tor– nando cada vez mais bestas e in• toleráveis de convencimento. Mul– to viajado, conhece lgarapé– Açú. no Pará, e Araguacema, no interior de Goiás. Uma vez foi a Macapã mas os administrado– res daquele Territ6rlo, na ânsia de lhe mostrarem todos os me– ra cima de minha maleta, onde ficará afastado do olhar, curio– so do militar. Pretendo adivi– nhar nele uma tristeza de ,quem se vê separado de alguma cousa que começava a amar. Pouco depois, porém, seus olhos estão cerrados e dorme calmamente, Inúmeras pessoas Jnvadem ova– gão à procura de lugar. Atiro– me para -a ponta exterior do banco, estendo as pernas, a fim de evitar que alguém sente a meu lado. Um apito melancóli– co e o trem parte. CONTO DE SULTANA LEVY ROSEMBLA TT 'lho am entos «caba,. m por não deixá-lo ver cousa alguma. Gos– ta de mQsica, sendo de sua preferência o baião "Paraiba masculi– na", muito divul[iado em Belém através do alto-falante do P . T. B. que. pelo Jeito, não possui outro disco. Além de ~ontos, escreveu também teatro . Isto enquanto conhecia apenas os nomes de Paulo -....agalhâes e Magàlhães Júnior, pois suas obraa o deixav~m conven– ·cido de ser capaz de faze~ cousa melhor. Quando, na realidade, descobriu o verdadeiro teatro abandonou Imediatamente ct genero e • '"' que Jã abandonou tarde. ·Doa oontiataa nacional& ent- de nri::• _,,~ •·, ◄., .. 'lt: MJI ►~ .·• "'lfflll Aelof)' e Edllwi'do t ,oa. Dos estraftgelróL. F11ullmar, Rltke, algumas hist6rlas de M ughnam. Mas 09 romances de Agatha Christie o emocionam da mesma maneira. LI muito pouco poesia mas confessa que Já sou– l>e de c6r alguns versos de Camões. Publicou seu primeiro conto no suplemento Infantil de um Jornal português e afirma que a esse acontecimento deve seu fracasso literário Nestea últimos quatro anos foi ao cinerra uma vez, apenas assistir à "Joan,1 d'Arc" e, por 'muito que lhe mereça lngrid Bergman, Jurou não voltar nestes pr6- ,iimos quatro anos. Hoje 6 Jornalista. Não se Importa se amanhã fôr chofer ou alfaiate. Se conseguir ser mil ionário, melhor. *** \ Estes barrancos, estas árvores acusando e odiando. Paramos agora. Lá está, na parede da estação, o infalível re– Jôgio . Se alguma cousa nele di,– fere dos outros que venho ven– do é sõmente a colocação dos ponteiros: dez horas e há quatro que estou viajando. O soldado que vai sentado no banco ao lado está. positivamen– te, enamorado da .capa de meu livro. Lê o titulo e o nome do autor com insistência. Vejo que não leva ao menos um jornal para se distrair. Descubro o prazer que lhe proporcionaria oferecendo-lhe emprestado o r o– mance para que lesse algumu págJnas durante o percurso. Mas, instintivamente, apapbo o livro e jogo-e, com desprezo, pa- Por volta de meio-dia, houve uma parada brusca e inespera– da. As pessoas que viajavam em pé foram atiradas estupidamen– te para a frente, enquanto o sol– dado acordava sobressaltado. Ca– beças se espicharam pelas ja– nelas, homens falavam alto e houve u.ra grito de mulher. Dei– xei-me ficar quieto :ntre a con– fusão . Nada demais, pensei. 'l'o– das estas surpresas deveJl) ser . .,.,..1ve1a qt!ata · estrada ,.,e que Importa maJa um ou menos um l,lllo1Teclmento ao passageiro. En· urell'n\l>, ...,. •.-hef• ~ -..~.-- rar no meu vagão e fa:ter utr. sinal ao soldado que se levantou e o seguiu. Minutos depois al– guém declarou que não prosse– guiríamos tão cêdo e várias ver– sões es·avam correndo sobre a parada brusca. Pela janela, já agora curioso, vi que todos os soldados ou policias que viaja– vam haviam sido chamados pelo chefe do trem e que, no vão da estrada Impediam aos passagei– ros que saltassem. - A máquina está decarrUa– da, disse-me alguém sem que lbe pedisse qualquer informação. ;. minha frente, sempre mas– tigando, o homem garante que Mos bronzes aqueceram e só da– qui a uma meia hora poderia– mos continuar•. Mas, acrescen– tou, jã estava habituado a essas cousas. . - Uma ponte desabou là adian– te, garantiu uma senhora, abrin– do a mala enorme, retirando pa– nos e mais panos não sei para tomar que providências. Levantei-me e saltei para a estrada. Antes que o aoldado (Contlnlía na aa. pi glna) Era g~tu. aquele cobrador de onibus. - Faz favor, faz favor ..• Não sacudia, como os outros fazem, o dinheiro na concha das mãos, quase atirando-o ao rosto do passageiro. Pedia licença quando o espaço era pequeno, desculpava-se quan– do tropeçava em aleum J>é atra– vessado no caminho. Era gen– til, mesmo. S6 11m soldado olhou-o de es– guelha, um olhar irônico e ca– nalha, quando, depois de pro– curar entre as moedas da bolsa e dos bolsos, ele pediu desolado: " Ah meu bem, .não se zangue, sim 1 veja sj! tem nota menor, porque não tenho troco . . . • Mas u cobrador não se ofen– deu, ou não notou o olhar. Voltou para o seu posto, junto ao moto– Iilitt., encostl)do ao varal de fer– a-o, de frente para os pas,;.zg!'i– roa; olhando a esl}lo, e cantaro– lando entre 4,ntes. Vez por 9~tra ume4ec!a o• libios c:ól:n .• • Jlo,, , .. ~~ ..... - <! u,n s...splrb futi4o, que "°"' latava as narinas. Novamente o • faz favor•, •com licença•, "desculpe", e voltava a cantarolar. quieto e alheado. Nãc. se podia negar que fosse \IID rapaz de boa educação. Ra– paz, ou garoto, que o tipo "en– fe:tado •, a pele baça do rosto, as olheiras, não deixaram identifi• car com clareza. Era bem edu– cado, sim, mas tanta edueação já encomodava a certos passa– geiros, que começavam a se agi– -tal aos bancos, grunlndo qual– qu 1· coisa contra ele, De reperente o onibus parou, e, sem mais aquela, o motorista s alta do seu lugar para a rua. Antecipando pol'ém qualquer per– gw,ta, o gentil cobrador explicou de um modo ger~, mellflua– mcnte: -"Gaz6... " Que graça I Todo mundo riu, co1ho se o rapaz tivesse feito coi– sa muito cômica. Só o :Melo, que vlnba, conelgo mesmo, achando que todos os cobradores de oni– bus deviam ser gentis como aque– le, não viu &enão imbecilidade no rlso dos passageiros~ Que mal Sultana Levy Rossem- bla:U. Paraense de Belém, Casada . E s t á presente- mente em s. Juan de Porto Rico. Tem um li- vro: "Mancha de Sol" . havia nisso? Gazô ou gazollna, dava no mesmo... . ,??rvoltado, num .protesto sem palavra, d.!'sceu do onibus e mar– cbOII .a pé .'l sua rrnartição. -~ <! ·•- .n . •·" pellllida: 84 os ~~ r ....doa e afl~. podia comp~ $e llabi- tuar a essa ·• evoluçllo social. Continuava a ser brando, delicado, reto, e que rissem à vontade à sua custa, se isso era motivo para riso. Multas vezes, depois de palt.strar numa roda, onde pareciam lhe demonstrar simpatia, era o primeiro a se afastar, a propósito, só por ex– perjência; voltava-se de repente, e surpreendia a risota. Sabia que tinha apelidos, que criticavam o seu modo de falar, o seu andar de passinhos leves, mas não se importava: era o seu jeito, mudaria se pudesse. Agora, dei– xar de trazer sempre suas coisas em ordem, de ser o primeiro a entrar na repartição e o último a sair, porque os outros achavam que illso era excesso de zelo, pois, sim, que achassem! Gostava de cumprir com os seus deverei!, pronto. O seu serviço era limpo, a sua carteira fazia gosto, mats arrumada do que a de qualquer m oça, os santinhos de sua devo– ção sob o vidro, e sempre uma flor rosada n? jarrlnho. Até por eêcas, aqueles bois pastando lá em baixo constituem apenas 1uma repetição da paisagem. Vf aqueles mesmos bois alguns qui– lômetros atrãs, ainda não há ,nuito olhei estas mesmas árvo– 'J"es que parecem estar viajando também, transportando-se com extraordlnàrfa rapidez de um ;lugar para outro, Não modifica também o ruido do trem pas- 111ando nas pequenas pontes de f.erro, sob as quais não correm ;rios nem riachos, existem sim troncos de árvores abatidas e es– f)eSSOa arbustos. A!J próprias teatações em que trem pára são, em tudo, semelhante às anterio– res. Até o chefe do tráfego pa– rece alimentar a mesma expres– eão de cansaço e dá sempre a bnpressão de nele transparecer lJma exqJ_pslta contrariedade ao eoprar o apito da partida. As casas são parecidas em suas po– l>res construções e as crianças 11úas que brincam próximo à vendedora de café não encon– tram diversões dl.ferentes às das criançac que jã vi antes. lJ M D.IA DE LUCIANO Sinto-me vencido e Inútil dian– te desta invariabilidade. Aban– àono o livro que vinha tentando Iler. limpo o rosto suado e poel– Jrento. Interrogo o homem que ;Wiaja à minha frente e que, em ~as as 'paradas, compra gulo– ~imas, pastilhas e dôces, pas– ~is e frutas para comer durante si viagem, sobre a provável hora t11e chegada e é desesperador o jJneu estado de esp!rito quando \tne responde, sem maiores preo– ~upações, que lá pelas sete horas a noite deverlamos entrar em ossa estação. E continua co– endo, mastigando, sempre ha– ituado já com estas viagens sem im e que fazem parte de sua ida, os olhos parados na paisa- em que não vê. • A imaginação recusa-se a tra– alhar. Não sei porque motivo lnto uma estranha emoção ao tirar pela janela a ponta do cl– arro. Parece-me uma desleal– ade, uma traição, trazer o ci– arro da cidade que amo para, epois de servido, abandoná-lo qul em lugar tão distante. Te– o a impressão de que aquela nta acesa, sosinha ao lado dos inalterãveis trilhos, ficará me . Luciano parou ante o espelho _ servil, no quarto cheio de silên• cio. Igual àquilo t inha sido a sua vida, suave e inútil, leve como a imagem no espelho. Até co– nhecer Gabriel nunca tivera um amigo, uma pessoa para falar de si mesmo, de seus desenganos e esperanças, seus sonhos e ago– nias. Os dias inteiros os passa– ra lendo; de noite, os persona– gens com quem" estivera passa– vam sobre a cama com passos moles, e Rosa Dartle se levanta– va de entre os livros, a cicatriz borrfvel no lábio, no coração o desejo e o amor inamissfveis. Guerreiros desfilavam em omino– sa procissão - assim ele os vira em uma gravura antiga -' levan– do o corpo de um companheiro morto; negros guerreiros, os olhos desmesuradamente abertos, e os cabelos do morto procuran– do o chão. Era uma vida transcorrida em paz, sem dúvida, mas uma paz inglória. Luciano uma vez escre– vera uns versos onde falava de Jó, infeliz por ter fartura e ain– da gerar quarenta filhos, depois de o Senhor o ferir com a des– graça que é como um togo do céu, brilhante e sedutor. Os pri– meiros versos eram cheios de be– leza. M Se transformou em joe– lhos• - escrevera "sua alma SIMÃO C. JUTAR Simão C. Bitar. 20 anos. Solteiro . Será advogado, embora desejanclo uma profissãe mais líriea: afinador de pian"s, criador de passari– nhos. Prosadores de sua predileção: Cervantes, AI– dous lluxley e Katherine 1\1! ~ field . Poetas: T. S. Eliot e Rilke, apesar de os conhecer pouquíssimo. En– tre os escritores brasileiros admira Jorge Amado, Au– gusto Frederico Schmidt e Cet<ília Meireles. G'osta mui– to mais de Noel Rosa que de Olavo Bilac. Não adota nenhuma das reJigiões, pos– sivelmente por ter tido a curiosidade de estudá-las. Entre os que escrevem no Pará, depois de si mesmo consiclera muito Mário Fausti– no. Acha a música e o sono as ctiisas mais belas que exis– tem. Já tem.sonhos ridículos, po:.sivelmente por estar fi– cando velho: Uma casa, por exemplo, muitos livros e uma criança para rasgar todinhos. cobriu-se de um manto de cin- za .•• • Os últimos, porém, quando J0 foi outra vez feliz, eram cheios de tédlo e mediócridade. Esse *** poeml\ Luciano muitas vezes o con~lderara, pensando em &ua vida, - Ah.:mdonou a imagem sobre o esp,.:,lhc e i.lcou passeando pelo Quarto, olhando velhos pllJ)eis que amadureciam desde anos em uma gaveta. Abriu um diário e ficou lendo as frai;es escritas por ele havia tanto tempo, e - sem sa– ber bem porque - comparou-as às flores de uma sepultura: ~ T~– nho a angústia dos que pedem co– res e não têm olhos.,. *Li Vi– tória", juntos em uma ilha, Lena ensina a Heyst que a vida é me– dfocre e o amor é humilde; lem– bra Rute deitando-se ao lado de Booz•, Jogou o caderno na gaveta - esqueleto de flores e talos mur– chos -, e abriu a janela do quar– to. Surgiu a árvore amiga, sem– pre verde e calmR. Quando ele estava alegre, as crespas rama– gens dançavam ligeiras; se esta– va triste, dois galhos estavam abertos como dois braçoli, cobre– tos de desalento. Luciano falou-lhe com os olhos. Nesse dia estava alegre. Ao anoi– tecer,, falaria com Gabriel, mos– trar-lhe-ia o poema que andara fazendo e refazendo por tanto tempo, O papel agl)ra estava macerado e as letras quase apa– gadas, e até pequenos círculos enrugados de lágrimas se pode– riam adivinhar. Via Gabriel sorrir, e a adml- (Continua. na 3ª, pa.g. *** isso o aperreavam . Mas não 11, gava; cantarolando como se não fosse com ele, continuava a es– ·crever. com a sua letra redon• (.a lhada. ~ e,, on·· n . ,1...,., q~..a.. uu quer1Qfi ""º"ª g, • .J111ti vmhaln com ele, quando que– riam ian botle, Yinham COJn ele, f1Uando fuit! calQJ:.., ~. o ~ dele que U11avalil; F~ U, nha sen:.yre dois, se tlJlo, •• Ora, mas no fundo, Melo tinha desgosto de ser assltn tão per– feito. Sabia que era difert,nte, co– nhecia a causa, e tentava trans– formar-se. Libe7tara-se do co– légio e passara a ser funcionário público, o que já fõra uma gran– de vitória. Aliás, milagre de Nos• sa Senhora. Não havia igreja em qqe não entrasse, quando plei• teava essa colocação. Tornara-se para ele um mar– tirio, aquele ambiente do colé• gio, onde era o único homem, Não que se sentisse mal, mas, dia a dia, a pe1segulção das pe– quenas malcriadas asfixlava-o mais. Tiravam as suas coisas, só por maldade, pregavam-lhe pe– ças, arremedavam-no, apelida– vam-no, e aquell\ teimosia de só o chamarem "Freirinha", mesmo diante das Hirmãs". Por ele, não, que não ta se ofender por Isso. Até ria também e atendia com satisfação. Mas as "Irmãs• é 'que se opunham, e era castigo to– ldos os dias para as meninas; de– pois dos castigos, lá vinham as Yingançãs com maiores cruelda- 4Jes. · Habituara-se tanto ao apelido, que ao deixar o colégio o seu próprio nome soava-lhe estranha• mente. A alcunha como que o vesUa, como que o Integrava, e foi assim, que um dia, a titulo de graça, revelou-.i a um colega, Desde então, era só Freirinha pra cà, Freirinha para lá. Isso sbn, era bem mais cômodo e familiar do que Melo... Só Mariinha tratava-o por Melo. Mas Marünha dizia gostoso, como se estivesse chupando um bom– bom, enrolando o nome em dois 11. Melo. Diziam na repartição, que ela o amava. Mariinha tinha um todo mater– nal; robusta, carnuda; não se pintava; possuía um cheiro na– tural de água e sabão; um per– manente buço de suor, que ela desf11zi::I a cada instante, com as costas das mãos fortes; tão fà– cilmente ria, como chorava; mostrava r.om alegria desmedi– da a to::lo mundo, um trabalho que por milagre ficara limpo, bem feito ou derramava lágri– mas compridas e, errando, era obrigada a fazê-lo, novamente; slmploria, tinha gestos e aUtu– des muito primários, derramava– se sobre a carteira para ouvir conversa, com uma das mãos .apoiando o queixo e com a OU• tra salvando as lndlsc1·eções do CQ.ntinua na 2a. pglna
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