Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1950

Domingo, 24 de Dezembro de 1950 .. r1 ano -:-- - - · - .. --- Floriano Jayme Caríloso Rodrigues, 26 anos. Nasceu em Bel6m 110 ano de 1924. Solteiro, mas pretende casar o mais breve passivei. Não ó func ionário público e vive de rendimentos. Católico apostó– lico romano, ouvindo missa todos os domingos, menos nos feriados nacionais. Romancistas brasllei– ros de sua predileção: Gracilia– no Ramos e Zó Lins do Rêgo. Romancistas estrangeiros que mais lê: James Joyce, Dostoie– wsky, Tolstoi, Càmus e Aldous Huxtey. Gosta de música, sendo os seus compositores preferidos Bach, Mozart e Chopin. Não via– ja de avião porque tem Imenso respeito e zelo pelo seu coração. Prefere os brotinhos. Poetas bra– sileiros de que mais gosta: Murllo .Mendes e ·Bandeira, entre os mals--velho, e Ledo Ivo; Ruy Gui– lherme Barata e Edson Regi!I'. entre os mais novos . Entre os estrangeiros tem particular simpatia por T. s. Etiot, Rilke e Paul Eluard . É fervoroso adépto da Paz, universal, sendo politicamente um socialista. Vai oubllcar um il– lfro em Paris sob o nome: "Casa sem cortina" *** PALAVRAS A LICIA.. Que céu posso deixar vago sobre o campo semeado pelos teus gesto!J" O verde-azul é o meu novo ensaio onde germino antes de cair morto , Quem colherá a erva auscultando-me num reino de nuvens quebradas pelo vento que tortura o horizonte amado só por nµm O trigal Licla rompe a orvalhada 150ante blasfemando na miragem A violeta que filtrou os anjos ressurge mais que nunca em mefodfa cantando a perenidade do inconsutll As criaturas apenas sobressaltam a navegação enquanto me desfaço das roupas de antigamente A tua fonte Licla me mostra o reino das pal;lVras que me fazem conhecer o indizível Deixa agora Licia que eu morra em acalanto ~ me deite sobre a precisão das porcelanas POEMA 1 tu.em saberá descobrir a tua ronda l utrlndo o dragão da glória que gerou a cor envenenada ) Através das histórias desta noite , somente numa encontro o meu nomlf Só por ti descanso as mãos no tempo retardando o instante da fuga em ellênc8' que mostrar! a essência do sono transformando o que nunca abandonarei Beijo-te mas contemplo a bailarina ) correndo 1SObre o mármore quase morto pela lembrança do mundo .inteiro ../ A tua mutação vence o vao das aves que se confundem na tua origem onde encontrarei o meu último deseje, e a feição que não preciso proclamar No solo em que houver plantações '' ·podes.recolher os claros da manhã. e a paisagem em continua formação que te espreitam saboreando a memórls_· DEZ ANO~ Hl de repente a lembrança quando abro a antiga janela , A calma que ainda me resta ., dorme no cotidiano · :& a insistência do principio A imagem sobrecarregada mostra o fndetlnl4et · ante a paisagem azul-branco Os caminhos cheios de insônia .todas as falhas dos sentidos 'converteram-se ' ' Não há na morte desânimo a sensação geralmente cria uma Jlnguagena o exerclclo o uso dominam e arcaismo Todos os mortos provocam o sensível todos os mortos semi-.nús bombardeiam à noite as direções todos 9s estalos -são .respondidos por misericórdia - Hoje é dia da canção inacesslvel o menor ruido pode perlurbar o sUênclo o tempo morto pode abater-me Ontem como morto de filtlma ciasse eu abria a janela dentro .do horário dos moa MORTE A paz que me vem tirar desta elegia não é fonte de rochedos como o elevador nos transportando' Amanhã contemplando os limites da Morte 1 as palavras transformarão O meu canto ;Já compreendo o azul do mistério como quem se abandona e se esconde na poesia qua ,embala o reino que desejamos Porisso só quero da rosa o invólucro sem a .ternura que não me pode libertar O sono atormentando os sentidos desconhece a face de Deús e do fantasma que muitas vezes abana.opamos A voz rolando sem eco acende q sol em desesper.. , na ãnst.. do canto que vem de Ionlfe ao enigma de virgem a porta por onde seguirei me descobrindo · Falta calanto no homem que dorme .a margem do campo sem colheita faminto esperando as aves em vôo BOl>re a multidão, que já nasce maligna ....... ·FOLHA DO NORTE 3a ; p6g'., 1-{aroldo Pauto de Lima Maranhã!I, 23 anos. Paraense de Bel6m•. Solteiro, acred ita no matrimônio, esperando em breve exerc&•I<>, C;itólico, em termos. Jornalista de■de os 13 anos, acadimico de Direito, presentemente engati– nhatido na advocacia. Fundou o Suplemento Llterúio da FOLHA DO NORTE, dele estando afasta– do há mais de um ano. Entre os romancistas' nacionais destaca Machado de Assis e Graciliano Ramos, preferindo não opinar so– bre 011 estrangeiros, que pouco conhece. (Poderia enfileirar no– mes, achando, porém, que Isso 1e,rla pedante e deshonesto). Gosta da música: Stan Kenton, Pr0kofleff, Debussy e Bach. Carlos Drummond de Andrade 6 o tlnico poeta universal da litera– tura brasileira de todos 011 tem- pos. Não tem livro publicado, nem pretende fazê-lo, pois se considera um literato frustado e apo– sentado. Alimenta antipatia declarada peta lntolerllncla doa comu• nistas, do clero, dos mltllarea e doa faclstas. Consldera-ae um ho• mem amargo e Introspectivo. Confessa que deixou de fumar hã m&a '. melo, o que vive apregoando a todo mundo. Tem mais inimigos µe amigos. Gosta de viajar de avião e ó amador de llualonlsmo ei prestidigitação nas horas vagas. llt brotófllo, discófilo e bibliófilo. Não 6 adepto da Paz apregoada por Moscou, nem da paz armada do capitalismo. De::eJa a paz no duro, sem intenções ocultas e mlstl, ficaçõea. *** ASPERA CANÇAO Existo para tua beleza, Se ela não fosse para mim a imagem (lllfca há muito eu existiria noutra Idade suicidado de mil modoa naufragado noutra vida, Não vês a paisagem dos meus nervos ..:.. pobres nervos destroçados e cadáveres? Não vês que hoje sou sombra perdida do que fui? Por Deus termina de uma vez . com essa morte parcelada em que me acab<>, Recebe-me por fim em tua pupila salvando-me da queda. Ou trucida-me os braços, olhos, taco e esta penosa dôr por que te busco. ~1947) ENL:tVO Furtiva imagem arfante de aurora qual ralo de lirio ou nervo de lua, Mário Faustino dos San– tos e Silva. 20 anos . Nasceu no Piauí . Católico apostóli• co romano. Jornalista e aca• dêmico de Direio. Encontra– se presentemente em sua terra natal, em gozo de fé– rias, razão por que deixamos aqui de registar suas prefe– rências artísticas S e u s amigos o consideram um be– líssimo companheiro, ape– sar de ser a favor do con– tra. Ao lado de Haroldo Maranhão e Benedito Nunes dirigiu a revista ENCON– TRO, publicação de vida efêmera. ELEGIA Ela existia misteriosa e oculta a .esperança era seu encontro suà morte foi sua desco– lberta 1 sua vida o que a fazia misteriosa e oculta. Devias tê-la aprfsentado como a encontraste: , ~ão inesperada surpreendido contacto desconhecido [perfume um som estranho esquecido à beira do caminho tu a tomarias em mãos balbuciantes e chorarias era cruz mas tinha nos braços uma corôã de louros. Esqueceste <ou não sabias> que ser artista é não contar e contando-as arrancaste suas pétalas uma a uma. tens o número mas perdeste a beleza estás só de mãos vazias todo cheio de nada agarras pelas vestes a alma horrorizada. E enquanto o crepúsculo em desespero tenta a. recompor a rosa assassinada. a luz do poema desaba desmaiada. ._POEMAS -DO li Pressinto: virás. ~ .Em rosa pura e ltrlo . o anjo está presente quisera em rosa pura· Meus sangues pejad~ são rios violentos. Meus dedos são impetoa. Cruel o meu olho, Gelado e demente. Pressinto: vlrás, Desejos escusos / rebentam memórias, Rolados destinos me furam os ouvidos e em noites potentes suc~bem cristais, Pressinto: virás. São sonhos gerados no visgo de atritos Pressinto. São cortes deleveil Impuros de frutos. São .rastros · no tem111 de ventos titans . São turvos impulsos, ..Pressinto: virás. (1947) DERRADEIRA ENDEIXA PARA EDELWEIS CAINDO Bilelwels fragll e louca ;tesp~ncando-se quase para a inapelãvel lãgrima: ·. :- pensa nas que se foram para o nunca mais virá 1 • Se quiseres, inclinarei meu ombro para te ajudar a voltar: Mas o meu mêdo, Edelweis, é que essa fuga te corrompii a memória e que seja tarde demais para regressar aos anjos e às rosas, Olho-te e penso nas que se foram para o nunca mais virá. Vejo-te arfante pela fúria não Vivida Inédita e FUSpensa ante a vertigem sem retomo. Edelweis, por Deus, pensa nas que se foram para o r.unca mais virâ ! Nas bocas que afinal se cansaram de outras bocaa nas ternuras sem al'),lor, nos abraços sem raízes. Não te quero ver chorando a lãgrima de fogo multiplicando os écos da perdida auror a entre aquelas que se foram para o nunca mais vira, (1947) BREVE AP:tLó; N~o falemos dos risos e lágrimas de ontem. Da lua que me inundou e te inundou quando não éramos. Dos caminhos que pisamos sós das canções que não cantamos juntos, Comecemos como se mortos de súbito nascessemas para a violenta emoção das descobertas, Dissipemos as palavras da infância e· as truncadas visões dos anos mortos. Nossa memória: a azul amanhecendo. (1948). ou lírio transformar-me, Por mais que sempre eu cantê · o anjo não me atende " ouve talvez porém a voz do anjo é silêncio Por que sempre buscá-lo se o anjo tocado perde as asas e chora O anjo não tem sombra ·o anjo nunca é visto apenas pressentido. II Suave rumor de passos em viagem •1Vens como o vento acalentando as folhas Adormecendo a rosa à tua passagem Donde esta paz o sono o sonho a sombra? Apenas leves dedos sobre os olhos · sómente a mão do anjo sobre o ombro, · PRIMEIRO MOTIVO DA llOSA Da rosa sómente a péta.ia inconsutll lnamissivel lembrança. Onde o perfume a côr incompassiva ?i 1 A beleza é apenas a passagem divill3 Jmpiedosa e fugaz SEGUNDO MOTIVO DA ROSA ,. :n. rosa adormecida sonha e sonha: por que surgiu a rosea rosa sonhando, sonhando?; ~elo para que o poema nascesse como suas pétalas sen- ' - - - intocável e húmida de orvalho ~eIO para que ncasse a sonolenta tmagem de qualquer coisa livre livre livre voluntúriamente presa a um caule .apenas para uma noite de aono.

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