Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1950

UPLEME ARTE o- Pará-Belém ifolstoi E O . ' Espírito -EDMUNDO MONIZ - M AIS de meio sêculo de exis• têneia ! Uma exislêDcla os– tentosa de fausto, de prazt• res, de triunfo e de gl(>ria ! Ele vive pela plena satisfai;:io dos a;entidos e quase todos os seus desejos $ão capricbosamente ob– l;jet.ivados. Seu nome é conhecido 1110 mundo inteiro. Todos se cur- 1vam perante aquele home:n que ,figura entre os poetas m ais •10- ,táveis do sé ulo. Nada lhe falta: ;a nobr eza, a fama, o dluheiro, a saúcle. Tem um ffsico de aço, e ·é tal a sua vitalidade e resistea– l eia que jamais !oi afetado por ,uma grave moléstia. Pode-se ga– .ibar do amor da mulher e dos oito :filhos, da deJicai:ão dos amigos, • do respeito :los sel"VOS', e da ex- 1 p,·essiva simpatia daqueles que fleram sua obra ou que sómente o conhecem pelo fulgor de sea ;renome. E is, porém, que uma gr:mde ;revolução se p rocessa no intlmo do Conde Leon Tolstoi. De repen– te, começa a sentir que a felici– dade não está no dfoheiro, nas honraxias e, mesmo, no sossêgo egoístico do lar onde reina ,11n luxuoso. conforto. O prazer não e o prazer. A glória não é a glória. Leon Tolstoi em uma nova m is– ,são a cumprir. Não pode viver tranquilo e !eliz enquanto houver ,m ilhares de criaturas que sofrem fome e tiritam de frio. Como se conCor ma passivamente com tal e5tado de coisas que justifica a existência de explorados e ex- . ~)oradores ? Reconhece, então, a torpeza de sua vida passada . E confessa : "Matei homens na guerra ; bati-me em duelo; di5$!• p ei no jogo o dinheiro extOJ'quido do~ camponeses e casttenei-os cru.;,lmente; andei .com mulheres de vicia 'âcil e trai maridos. Men– t ira, roubo, embt iaguez e brutali– dade de toda espécie - eis a mi• Ilha vida passada•. Mas este Tolstoi estava prestes a se extm guir. Suas tendências eram tu– multu:U'ias e vertiginosamente batidas por uma nova rajada que vinha desmanteJã-Ia. Surgia ago– ra um novo Tolstoi, um Tolstoi Inimigo do tzar e do. tzarlsmo, da Igr eja e dos sacerdotes, dos homens endinheirados e dos pro– prietá rios territoriais, um Tols• toi que se colocava abertamente ao lado do povo escravizado e ■ofredor. Foi também, em melo da vida, que Vi cfoi, Hugo rompeu com o conservadorismo e se pôs ao lado dos que se batiam pela revoJu: ção social. Mas a evolução espi– ritual tle Tolstoi se processou di– ferentemente da evolução esp1- ~itual de Victor Hugo. Hugo descendia de uma familia per tencente ã classe média; ToJs- • tol da mais alta nobr eza ruasa. Tolstoi nasceu rico e J)(K{eroso: ~o '.~~~eu, po e e M ~es itado. A ar te de Tolstoi foi , lnkl lmcn– te em sua vida, um passatemp;, di:.ertldo; 'a arte de Victor Hu;;o um meio de vida que devena • razê-lo • e garantir-lhe o futul'O, Enquanto Tolstoi podia osten_lar uma existência fulgurante de no– mem r ico e caprichoso, Hugo i;e via na contingência de escre·;er odes a Luis XVIII, a fim de ob• ter uma pensão misei:ável. Hugo foi lançado definitivamen– te no campo revolucion rio em consequência de um \rauma1,is– mo político que agitou toda a França. com o golpe de Napo– lel:io Ili ao assassinar a Repúl:>li· ca, proclamando-se imperador. Tolstoi passou-ae para o campo da revolução por um p:i::oce~ .º interior, exclusivamente filosoI1- co-moral. Não foi uma atitude forçada las clrcunstâJ1cias p;ir– tidãrias do momento. Foi o fr uto de uma longa meditação. Hugo, vindo de "baixo". esfor– ç-ou-se, às vezes humildeme~te, para alcançar honrarias e privi– légios vergando a espinha ante os hoÍnens do governo. Não t ar– dou, todavia, ,:m sentir-se incom– pativel com eles. Dai os longos anos de e:xUio e de pe-rseguiç Jo que teve de sofrer. Tolstoi. ape– s ar de pertencer à nobreza, te1·– minou por · verificar que a atJn os• fera de •cima• terrivelmente o a.sfi:d ava, e que a arte, a int cll– gência, bem como qualquer ou– tra virtude pessoal não podem florescer, plenamente, entre os que vivem no fausto e na ocio• s idade. 1: bem ver dade que Hugo e Tolstoi não ultrapassaram os es– treitos Umites do ideal.ismo filo– sófico e político. Tanto a- libert::i– ção de Hugo como a de Tol to1 nlío se podem considei·ar como coTl).pletas. Eles nunca deLxaram de trazer nos pulsos os 6inaJs das algemas . 1: indl.sc11tlvel que Hugo e Tols– toi te11b::im permanecido r eacio– nários em muitos pontos, apesai, de 1;Úas obras, coma a de tocíos ps escritores de gênio, rclletirem admiràvelmente alfllns aspectos básicos das luta,i so iais de seu tempo. Temos em Tolstoi um e:ldbfcio– nlsta q ue procur a espetacular– mente representar o papel de um gcande pr ofeta moderno, à se• melhança dos b[bllcos, e, pot ou• tro lado, um Tolstoi {lue lança o a;eu protesto contra as hipocrislds e mentiras sociais. Temos um Tolstoi que recomenda "a não re– sistência ao mal", de um Tol$lot que condena todas as formas de exploração ,! de injustiças, denun– ciando as violências do goveriio, bem como a comédia que reprc• sentam os Intérpretes das institui– ções do Estado. Temos, entlm, um ToJstol que procura rest:iu• ra.r a pureza primitiva do cristia- , LIT[RATURAl . .. . ... Domingo, S de Março de 19S0 N. 0 149 Da Época ROMANCISTAS INGLÊSES »i smo, substitulndo a religião ofi• cial por unia fol'ma multo ma;.s perigosa de 1·eligião, e um Tol~– tol que afronta e ataca irnpieli<>– samente os representantes da Igreja. "E:01 face destas co.,trndiçõcs (Continúa na a. a pág.) 1 rei A P ARECEM os modernos romancistas ingleses, na sua maioria, provar o conceito, caro a. Virginia o– olf, do androginismo moral co– mo fator essencial da c1•iação artística. Possuem, quase to- FEDERICO GARCIA LORCA (Tradução De RODRIGO SILVA)' Qu ndo chegue a lua cheia, Irei Santiago de Cuba. Irei a Santiago Em coche de água negra. Irei a Santiago Quando a palma quiser ser lguena,, Irei a Santiago. E quando queira ser Meduta o plátano Irei a Santiago. Irei a Santiago Com .- ruiva. cobe~a de Fonseca. Irei a Santiago. E com a rosa de Romeu e Julieta, Irei a Santiago ó Cuba! ó ritmo de ·sementes sêcas, Irei a Santiago. O .cintura quente e gôta de 1nadeira! Irei a Santiago. Arpl' de troncos vivos. Caimán. Flôr de tabac• Irei a Santiago, Se111pre tenho dito que eu irei a Santiago E'm coch.e de água negra. frei a Santiago. Brisa e álcool nas rodas. Irei a Santiago. Meu coral na trevu, Irei a Santiago, O mor afogado na areia, Irei a Santiago. Calor branco, fruta morta, Irei a Santiago. ó campestre fr_escor de canaviais! ó CuJ,9! õ cwva de suspfro e barro-! frei a Santiago. 1.UCIA MIGUEI. PEREIRA dos, uma suavidade, um que– branto, um ritmo vagaroso, uma prolixidade, um !entido das minúcias ·e dos entre-fons, uma sutileza, um poder de sugerlr, uma emoção difusa e permanente, qualidades que estão em completo desacordo com o laconi, mo, a friesa, a :tleugma, o "lm.mour" - com tudo o que se nos afigura ca– racteristica e másculamente britânico. ...,.... Másculamente britân1eos - na concepção engloba, malgrado as suas diferenças. ingleses,- escocêses, irlandeses e galeses - seriam Swjft, wsantropo implacável, Ster– De, excêntrico na forma e no pensamento, Thackeray, que primeiro revelou a importân– cia do esnobismo, Dickens que. embora romântico, zombava de si próprio quando se en– ternecia, Hardy, com seu. llI– ilente sentido da dignidade h umana, Stevenson, a mistu– rar estoicismo e aventura . Joyce, o escocês, também serã genuinamente britânico, não da Inglaterra puritana e con– vencional, mas da "merry old England" que nunca se dei– xou de todo abafar. que nos deu o cavaleiro Falstaff e o e pantoso Cbesterton . E ain– da, apesar de católico-. o re– cente Graham Greene, com sua estranha aliança de aná– lises psicológicas e enredos po– liciais. Haveria ainda outros a mencionar, tantos outros - Meredith, por exemplo, Bu– tler, Welle - que a lista cres– ceria demasiadamente . Mas Lawrence e Huxley, o instintivlsmo e o intelectualis– mo desbragados, Baring e Morgan, todos finuras e re– quintes, até o grande Fors.ter, · cuja força se vela de doçura, ou Evelyn Waugh, com sua Alacre agilidade, todos tão di– versos entre si, têm alguma colsa. de comum, e de nova, uma ambiência macia. e flui– da que não existia em seus p:edecessor~s. Não deixarão por isso de ser profundamen– te ingleses, de um anglicismo entretanto diferente. jâ não tão orgulhosamente másculo. Sem afil.-mar levianamente, Indago se não haverá, no ro– mance contemporãneo da In– glaterra, uma lnnuêneia aue explicaria por ventura, em J)arte, tal mudança: a das mu– lheres . Influência a manifes- tar-se mais na técnica, no mo– do de abordar os temas, do que na substância, mais no sen– tido de abrandar os contornos do que de introduzir modi!i– cações essenciais. A influên– cia que, em todos os planos, as mulheres exercem quase sempre na vida . . . Há mais de cem anos, desde que se começaram a escrever romances como hoje os enten– demos, entraram os livros fe – mininos a pesar na literatu– ra inglesa, mais do que em qualquer outra. Enti·e os me– lhores romancistas de cada período houve sempre, desde então, uma ou outr a mu– lher, em regra muito dii;th1ta. dos homens que a cerca,•:un, porque escrevia como mulher, com jeito de sentir e dizer bem do seu sexo. Bast a lem– brar os nomes de Jane Aus– ten que, segundo Macaulay, ~ó a Shakespeare deveria ser comparada, das irmãs Bronte, da Elisabeth Gaskell, de Ma– ry Ann Evans. que se ocultou sob o pseudônimo masculino de George Eliot. Ninguém excedeu a primeira nas ano– tações pslcológicas, como nin– guém sobrepujou em senso poético as solitárias de Ha– wortb . Quanto à delic1o!:'a e um pouco esquecida Mrs. Gaskell, convém lembrar que ousou, antes de qual'}uer ou– tro romancista, tratar direta– mente das quesf:ões sociais. E já ê lu.,ar comum o louvor de George Eliot, cuja gra11deza épica foi raramente atingida, pela ficção. Assim, l)Or Quase todo o ~é– .culo XIX - Jane Austen pu – blicou " ~ide and Prejudice", escrito multo antes, em 11111; George Eliot morreu em 1880, em plena produção - as mu.– lhere, se sucederam na pri– meira fila, fazendo ouvir a sua voz, induzindo talvez seus companheiros masculinos a a– finarem pelo seu diapasão. Não que se Impusessem, agressl– va.s, nem que fossem sempre superiores a todos os demais; n1as porque eram di!erentes, e o que é diferente ganha maior realce. No nosso século em meio, já. vai numerosa a procissão: Virginia Woolf, sutil e segu– ra, cuja maneira lembra a das rendeiras, tão minucios~- e firme nos parece; Clemenee (Cont!nú~ na 3.ª pág.) EM TORNO DE ·oE MAN·U EL UM POEMA BANDEIRA T HE right word in ibe rtght place: c m a troca uma pa1:lvra da citadíssima frase inglesa, poderíamos ter, em resurno, um capitulo dos mais importantes da axte literá– ria e da arte poética em particular. Aquilo a que se chama o prosaico, na poes_ia, é, assim, bast:inte relativo; não estará na palavra em 111, mas na sua adequação ao todo i;ioé\ico. Não esqueçamos, - para não sair da língua portuguesa, - a. serena beleza daqueles versos d Gonzaga, onde se sucedem têrmos de ordinário tidos por apoéticos: '',Ueude como a'l,uela vaca. preta Q 11ovilbinho se• elos- mai se n, E o lamlJe, eJlC[uanto ehupa a. lisa teta Atende mais. é eara, Como a ruiTa cadela S11porta que lhe morda o filho o corpo, E salte em cima dela" • E - exemplo bem. mais expresi,ivo - ~ '9ersos de "Ave- 1,b,r iu." , de CesáPÍO Verde:_ , H, vm trt1• de praça areugam éJ is dentistas" -~ ·• •• •• •• • ••••••••· ••• •tt.et• ♦ I••,•••••• •••• •• ••totHHOHt.... • ..ne·sca.Iças! Nas tlcsearcas ele canáo, Desd manhã à noite, a bordo elas fracatas; E apinham-se nvm 'b irre. aonde miam ratfft E o ~cixe ·podre gera os feeos tle iRfecçâo! ... f)u. aqueles llo seu poema Nq&f - AUREUO BUARQUE DE HOLANDA - (€epyrisht .tl. S . 1., eom exclusivida.de para a FOLHA DO NORTE, neste Esta.do). "Jack, ma.rujo 'ing-lês, tu tens razão Qa-de, aneo-: ado em portos como os n._ As Jar:.njas com cascas e car~es Comts com bestial sofreguidão . .• hto para não falar no arrôjo de um August o d't>S Anjos: "E nua, a.pós baixar ao eáos budista, Yea ter aqui no braços de vm cana.Ilia · P.rque o madapolâo pa.ra a mortalha C.llta 1$2to ao lejista ! ". Já hoje ninguém que se preza irá ao dicloru\rto em bus– _ .. das palavras "poéticas", Lucinda,, aurivoro, ebrifestivo, au– ri-rosado.•. Todas elas passaram à categoria dos mais tristes lugares:.comuns. Certo, os dicionários estão cheio de mui as, pouco explo– radas, que poderão de qualquer maneira servir aos gastos poé– tico.&; e não é raro, em qualquer tempo, aquele que vai ali procur á-Ias para as incorporar às suas produções. Um doo Jlosses melhores poetas modernos é, como poucos, dado a essa aventura, e já chegou a escrever, a propósito, que a arte do escritor - e, eE:pecialmente, a do poeta, acrescento, - será nãe a de juntar as palavras, mas a de separá-la.s. '- ~ rari jato l, ~coiheP; e como sabe ele tazer a esco- lha! Sabe separá-Ias, sim; mas sabe, também, juntá-1a1 . W. não fôra a seguran a de mão com que as junta, de todo inú– til seria tê-las separado cem mâl) segw·a.. Ele po.rém, não se– para - e junta depois - apenas aquelas que têm, para sua boa fortuna, a sonoridade rara, o cantante das aliterações • da harmonia das vogais ricamente contrastadas. Sabe tam– bém isolar e reunir as de seu natural escuras e desfavoreci– das, que na economia do poema ressaltam, pão raro, com. um relevo ardente, que tantos diligenciam_ em vã.o por arrancar as mais estranhamente pitorescas ou musicais. Manuel Bandeira é outro desses grandes poetas a.tuai11 que sabem com positiva mestria, proceder a essa tare!a de seleção e ajuntamento. Num de seus melhores poemas ele trabalhou com palavras humildes, convencionalmente das n1ais prosaicas, ou neutras, conferindo-lhes. no entanto. in– comum beleza e força de conjunto: ..8 major morre11. Reformad•. Vetera- do Paracuai. He&;oi da ponte ele lteroró. Não quis di cu.rsos, mio quis n.enras •ili&ares. Apenas, a seu pedido, O cerneteiro do bAtaJbão tle linha D a, à boca do túmulo, O t~ue de silêncio". Impussível descobrir, em todo este poema, um voc6bulo .sequer de valor especificamente poético, em si mesmo. Tudo palavras e construções deapojadamente .simples, nuamen&. {Continúa na 2.ª pâ .)

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