Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1950

\Ar t es j ' ·Let ras PARÁ-BEU:M Domingo, 17 de Setembro de 1950 :-----·--_-_-_-_-_-_-_-_::_-_-_-.::_-_-_-_-_-_-.::_ -_-.::_-_-_-_-_-_-_-_-_-_-_-_-_-_-_-_-_-.::_-.::.::..:...(";._. - ·· ------ - - - -·---· ---· ... --------·-- --'--- ·--_ -_ -_ -_ -_-_-_ -_ -_ -_ -_ -_ -_-_ -_ -_ -_-_ -_-_ ~- -_ -_ -_ -_-_ -_ -_ -_-...;-_ -~~- -_ -_-_ -_ -_ ~- '-- ______ . Fuga Dos Ce11tauros PALAVRAS o SFMBLANTE . ~ . ' .1Trodução De A . Herculano De Carvalho) LüCI A M IGUEL Pf REIRA DO SALVADOR Fogem. ébrios de crime 8e rebeliãa; ~10 - A sugestão há de ter vindo da casa branca, caiadaí a brilhar ao sol enlre um céu de Para o monte escarpado onde escondem O Mêda os precipita e, farejando a mort~ Pressentem pelo ar um cheiro de leão. seu forte azul intenso e a ramària ver1e. Enquanto os olllos a contemplam. ;meio distraídos, Lhamados • .,r,1 ;Jlúvida pelas cores vivas, a pala– ,c.ra "casa" se de~1aca no espir1 l.o, como um leti·eiro luminoso, 1i.xa – ,ie, estabelece-se. Mas a imggem Atravessam, pisando a Hidra e o Estelião, que se forma interiormente oão t, a que a vista alcança. E' OU• t ra, totalmente diversa, sem as As torrentes, os vales e abismos, de tal sorte 1 Que já vêem no céu, desenhado, o recorte Do Ossa, do Olimpo ou do negro Peliãa- claras paredes desta, sem o Eeu talhado de duas aguas, lembràn– do os dos chalets, sem as jar• De vez em quando, algum da bárbara manada, l}e súbito se empina, a cabeça volt ada, <lineiras floridas que lhe orn3m .as janelas : um pouco tristOtlho r om o seu tom cinzento, seus enquadramentos, de canta r la ~rns dando uma repousante im~ ;pressão de solidez e largueza ·de E num salto ~egressa co gado fraternal~ 1er sido construi~o para abrigar !.'llcess1vas geraçoes de prolífica gente. Casa das que sabiam cons– trnir os mestres de obra lusos, ,sem ousadias nem anebl,ques, severas, bonest.as e acachapadas eomo matronas; não cuidavam ~e luxo, nem de beleza, nem de fmos acabamentos; o que queriam ~ra material resistente e espa– ~ o à vont.ade, para os porões on– de se anl~bava a criadagem, on– de as crianças brincavam e a roupa sec~va nos dias de chuva, para as a,tas salas. onde cabí:un imensas mobllil's, para os quar• tos que poderiam abrigar mai• Ao ver que á lua cheia, a arder no céu suspensa, At rás deles projeta, espantalho fatal, . O giga!)tesco horror da sombra hercúlea, imensa. J OS E' M A R I A D E H E R E D I A A VE-RDADE can:ias\ à medida que nascessem ·soBRE NATALICIO NORBERTO ma,'!. filhos . O &:radll de ferro e 0 portao, com sua sinela que não deixava e n t r a r · despercebido nenhum 1ntruso, completam a imagem 1deal, essencial que a palavra "casa n' tomada' no sen- tido abstrato, suscita no espíri– to desprevenido. No esplr'to 4 A fim da leitura de Whit– man, no seu "Leaves of Grãss", lembramo-nos de Rai– ner Maria Rilke, citado por Carpeaux, quando disse que a glória não passa do conj unto de mal-entendidos em torno de um nome. Desses mal-en– t endidos, descobre-se a. face desconhecida de quem não de– ,sejou, em vida, senão escrever um livro, pintar um quadro, soltar conceitos sobre Deus e os homens . Whitman deixou à posteridade "Leaves of Grass", volume de p oemas tão discu ti– d os que ainda recentemente. o critico Gay Wilson Allen, em seq "\Valt Whitman Hand– tiook ", levanta argumentos e formula questões. Walt Wh\tman, esse "wind– man ", esse "faun" como o chamou Archibald Mac Me– chan, "that average man", na f eliz definição de Emory Hollo– way, é sobretudo um artista; isto jã deL'COU de ser motivo de dis.ct :ssão. E' também um gran– de poeta da América. Um dês– ses grandes e estranhos poe– tas cujas obras agradam mais aos que pensam do que aos · que sonham, porque a grande– za de sua "mensagem" está em definir a sua arte como re– sultado da realidade, - o oti– mismo e a crença, a fé no pro- gresso de sua pátria. Esta é a claro, de quem na,;ceu e se· c;lou significação dos seus poemas, qua nd º ainda o Rio possuía inú- a Ob ra messiânica que o absor- meras moradias dessé feitio. No da gente mais moça, o clichê c.e- veu fortemente. rá o_ de um •bungaJow". de um Materialista, êxtrospectivo prédio néo-coloníal, ou californla- poeta social, também socialista. n~. ou sei lá de que nome os Walt Whitm an foi sobretudo crismam, mas que se inspiram f t " t t em revista!" americanas têm uma um pro e a; aparen emen e O gra~a pitoresca, porém 'o seu tan– maior~democrata", no dizer de to cmematogrãflco . E para quem Thoreau./ h~uver fixado a sua representa- Mas será também, como éle çao dos objetos na éra do ci– mesmo insinuou, seus discipu- mento armado, talvez em brev~ los repetem e Bernard Smith perca toda signiíica('ão o termo · reafirmou mais discretamente "casa". tão importante outrora, em seu prefácio, "o poeta a- 9ue se:á substituído, na re-.it ão mericano por excelência como i~;;~nsciente, pelo de apartamen- não existe outro "? Em vez de E não '.provlr5o, em bo·a par– :ser lido como uma coleção de te. das diferenças entre as ima– poemas, bons ou maus poemas, gens acordadas, instintivamente " Leaves of Grass" deverria P~las palavras. as lncompreen'. - soes entre os homens? ser estudado com um compen- se • :irvoren é, na caneca deg- dio, qual livro sagrado da de- te. a goiabeira . ou a j;ibotlc:ibeJ– mocracia americana? Sõbre es- ra em que subiu, menino, à sata ta pequena questão fecha-:se de frutos, cujo travo. porque •os meio mundo. e não se pode a~anhava mesmo vcrdclen l!os. responder apressadamente . ª rnd ~ sente na b□C'a. e_ na daque- A América que conhecemos J,._ f:io sómente · firus ou 0 oi" atravéso s "cantos" . waltinea- plantado entre grades. da ar- borização urbana, que conhec-e nos é sobretudo uma abstra- apenas de vlst;i , e não pelo :ato ção. "Uma promessa para o fu- - Mmo se entenderão? turo", dizem os seus defenso- "Jardim" é, p;ira uns. «''<ten– res. Mas não acreditamos. Es- sos gramados, manch~s de rolha– se futuro está tão distante ago- gens, busca de efeitos ornam<,n– ra como nos pirmeiros tempos. tais, coisa para ser apreC'i_;ida da A melhor contribuição de varan~a. na hora d~ aperitivo, e . . · que msso tem seu hm; para ou• Wh1t~an, seu verdadeiro mun- t ros, canteiros arredondados. an– don ao apenas observado ou 1igas roseiras, bouquets de nolvn. (Continua na 3.ª pãg.) brincos de princesa, manaC'ãs. (li- rassói,l\. tudo junto demais, tudo coníundido,' sem relevo, coisa pa– ra ser vista de perto e cuja ra– zão de ser era produzir flores para as jarrinhas lnge_nuamente <1rrumadas pela donzela da casa . Abismos separam os que, ao pensarem em .. cadeira" · vêni a austrlaca, de balanço, tão feia e acolhedora, onde adormeperam ao colo materno, e os que vêm uma dessas modernas combinações de lona e ferro cromado, estranhas e incomodas. Quem fala em biscoitos e se lembra dos caao,lroa. do, polvilho, secos e fofos, tão bem adapta– dos ao matinal café com leite, (Continua na 3.ª pág.) Jl ... Da11ça E A Mú sica NA ARTF. DF SERGE LIFAR EURICO NOGUEIRA fRANÇA A estética de Eserge Lif ar, "maitre de ballet" e, h á vin– te anos, primeiro dansarino es– t r ela de Ballet da Opera de P aris - con junto cujos espeta– culos n os m ostrarão dentr o em pouco, de " G iselle" a " P he– dre" todo um século de evolu – ção da arte da dança france– sa - - a sua concepcão elo l>ai– lado, o roteiro criador que se- ue, se baseiam em uma ati– tude para com a m usica diversa da que cara cteriza outros co– reógrafos contemporâneos. De um ponto de vista h istorlco, ele faz mesmo a danca prece– der a mi'.tsica . P arafraseia - "No começo, era o ver bo" . di– zendo-n os: "No começo, era o movimento ". As primeiras e– mocõei, dv nomem primitivo con;o se exteriorlsaram, a n ão ser pelo dim.mismo cor póreo, pell!S reações dos nervos e dos músculos ante os estímulos do meio? Lifar lembra-nos Lulll, criador da épera francesa. que foi. primeiro. composltor de ballets-. E ar1tumenta. ainda: as suites de dança~ populares da Europa deram origem · o pl'Otótipo da formo musical õe So11nta. com nm movimento l,.ntc correspondendc a uma danca l,.mta. do tipo da Sara. banda. entrP dois movimentos rh~ ;r' ns r, :i rc-a hrmr,n rítmico ,la d8nça gera. portanto. a mú. sica Sim aouPle antecede es– ta. Por isso ,e justifica que ele -pc ~sn. emtnr a n em sempre pro– ""rl" =is,im. rn'J"lnõr antPs a danca. PnromPndandn. del)()ls, a p a rtitura re~pectiva . São principalment,E os elementos (Continua n~ 2" pá<(.\ V ICTOR WITKOWSKI Refere Santo Irmeu: Não conhecemos o rosto de Cristo (l) _ Santo Agostinho confirma . nos seus escritos, essas pala– Vras: "Não lhe conhecemos o seml>Iante". ("Qua fuerit ille facie nos penitus ignoramus".) (2) - · Santo Irmeu, que viveu n o século IL conheceu padres a– postólicos tais como Policarpo e João. o· Presbítero. Narra o santo que Policarpo lhe contou . o seu encontro com João, o Evangelista, de quem foi discí– pulo. João era, porém, o pre– dileto de Jesus. E' inverossí– mil que não falasse a P olicarpo do aspecto do Salvador . Se indagarmos dos traços fisionômicos de Verbo feito carne. deparam-se nas duas tradições que. por amor da simplicidade. des'ognaremos co– mo a br,la e a feia. A tr:idicão feia, isto é a versão da fealda– de e insignificância do Salva• dor, a mais antiga, é transmi– tida pelo apóstolo P aulo, pelo Justino, Irineu, Clemente de Alexandria, Orlgenes e Tertu– liano. Remonta provavelmente às profecias do profeta !saias que disse : "O Seu rosto é mais feio do que o da outra gente, menos belo do que dos outros filhos dos homens". (3) Na segunda epistola aos Co• rinthios. escreveu o apóstolo Paulo: "Ele foi p obre, por amor de vós". (4) Na segunda epistola aos nativos de Filioos, diz o mesmo apóstolo: "Ele renunciou voluntàriamente e tomou forma humilde ... hu– milhou-se e foi submisso até à. morte ... até à morte na cruz". {5) Contradizendo a si mesmo, Santo Irineu de Lyon escreve que o Salvador era 'fraco e humilde" ("infirmus et inglo– riosus"). São Justino refere: . "A !<lia fisionomia carecia de Continua na 2a . p ag. FONÉTICA E POESIA ..,. OU O "RETRATO NATURAL" DE CECILIA . MEIRELES JOÃO GASPAR SIMõES Não estaremos nós, portugueses a ler mal a poesia brasileira? Será tão pouco importante boje em dia a fonética da língua em que os poetas do Brasil se ex· primem que nos seja licito ler os seus versos como iemos os nossos - com a nossa íonética surda, as nossas silabas fecha• das, o empastamento próprio da nossa dicção, cuja tendência é, talvez, uma das razões da nossa fidelidade à tradi<;ão métrica classica: medida rigorosa, acento definido, cesura marcada, rima soante? A. publicação recente em Fran– ça do livro de André Splre. , " Plaisir Poéeique é plaislr mus• culairen, onde se pretende de• monstr ar a interdependencla es– trita entre o significado poético do verso e os movimentos mus– culares que ele determina no a– parelho lonador. permite-nos re• fletir sobre o problema. uma vez que, pudesses vir a desfazer cer• tos mal en1 ,mdidos que se levan• tam entre a critica portuguesa e a "oesla brasileira. Evidentemente que a tese de A'ldré Spire. aliás anresentada, iá antes dele. pelo Padre 'Mar• cPl Jousse. tese cara a quant•'• P>'oerialisfas se iiedlcam a estu• dr,s fonéticos, não é, . quanto • mim . tese de- resultados s 0 g11ro• senão na medida o,m que pode vir a contirmar os ju1zos de gos• t«, ou de intuição. Num séculc> de apoteose da técnica, séculc, em que se pretende tudo demons– trar por formula s matemãllcas. admite-se, como não podia dei· xar de ser, que os experimen ta• dores dos laboratorios fonéticos Julguem proJJUnciar a ultlm a pa• lavra em matéria de poesia - a arte literária mais precàriamen• te adstrita à Jlngulstica. A nós cabe, porém. a nós homens de gosto. não homens de clencia, a nós cabe travar o andamento be• rolco da técnica, mostrando ao!I cientlsfas ov. despenha deiros de ridlculo onde tantos cama-radas seus se precipitaram já com a pretensão de Introduzir o méto– do elas cienclas em departamen• t(ls da at!vldade huinana por na• turPza rel~o•os ao rlgQr e à pre– clsi'iri C'len11fícas . Rlcllculo nos na-rece, com efel• !o. que se pretenda demonstrar a superioridade de um verso s&-– hr e outro apenas pelo fato de • 0 rem Infinitamente mais equi• libraclos e h2.:rmonlosos os movi• mentos d~ lin1tua na pornuncla• C'ão do orlmelro que na do >e– irundo . A poes!~ não pode ser, ,ipm é. mero oraze-r muscular. ~o entan1n. sP admit;rmos que (Cnntinm, n~ 3 a 'DâJ?.) ---- ------ ---~ _________,.--Poemas D·e Antonio Machado------_, Lá . pelas terras altas, por onde traça o Douro sua curva de balestra em t,õrno a Sória, entre plúmbeos ·outel• [ros e manchas de azinheiras carcomidas, meu coraçá«:> está vagando em sonhos. Não vês, Leonor., Q$- álamos do riç com sua ramagem hirta? Olha o Moncalo, azul e branc9; dá-me a mão e passeemos. )f)flf. (Tradução De Leônidas E Vicente Porto> 1flonhei que tu me levavas por uma branca vereda, em meio à campina verde, até o azul das montanhas, , até os mõntes azuis, uma serena manhã. Senti tua mão junto à. minha, a tua mão de companheira, ouvi tua voz de menina, qual se fôra um novo sino, qualse fôxa um _sino virgem de uma alva de primavera. Eram tua voz e tua mão, . em sonhos, tão verdadeiras! •• • · Vive, esperança. Quem sabe o que fica sob a terra!? *-lrlr Por sôbre a negra tunica, sua mão era uma rosa brani~a ... A praça e as laran)eiras acesas com suas frutas redondas e risonhas. Tumulto de pequenos colegiai~ gue ao sairem em desordem da escola, Inundam o ar da praça ensombreada com a algazarra de suas vozes novas. Alegria in_fantil pelos recanto, das cidades mortas! .. . E há algo nosso de outrora, que ab.1da vemos vaguear por estas velhas ruas! *** Por ·estas campinas de minha terri:., bordadas de olivais empoeirados, vou caminbar,t)o só, triste. cansado pensativo e velho. O' figuras do adro, mais humildes cada dia e distantes: maltrapilhos mendigos sôbre degraus de mármore; miseráveis ungido• de eternidades santas •elhas mãos Que surgem i!e mantos ve– llhos ·e de rasgadas capas! Passou a vosso lado uma ilusão velada de luminosa e frígida manhã nas horas mais serenas?

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