Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1950

SUPLEMENTO r------------------=-----_;·_~_~ _____...,:~;_________________________:_______ ------------ ARTE 1 1 / Pará-Belém Domingo, 13 de Agosto de 1950 SONETO ALEGRE jAINDÁ S AUGUSTO FREDERICO SCHIMIDT . J HAMLET 1 OBRA-ME tempo para o canto alegre ,Viva, pois, a manhã e o azu 1 do céu, OTTO MARIA CARPEAUX 1Viva o verde do mar, deserto amargo, Q_ue parece vergel ou campo ,..em fJ,ôr! · ' ___ o Hamlet de JeQn-Louis Barrault provooou, na cr1tica e ainda mais em conversas, comparações de toda sorte com o Hamlet .d.e Sergio Car– doso, havendo quem lembras– fie ainda o príncipe filmado de Lawrence Oliver - dois ou ,três Hamlets muito diferent.es. (i2uem teve razão? Quem er– :rou? Em face da tradição, es– tabelecida 1:.0 teatro inglês, t,o– dos eles não foram, provavel– m-ente "ortodoxos". Mas o que significa "ortodoxo"? Ta1vez nosso público poden– do pela primeira vez compa- 1rar interpretações diferentes, fica~ . menos desoonce~aào 5e nao houv.esse outra ortodo– XMI estabelecida em ·tomo de, "Hamlet" considerando o pa– pel como o maior probfo.ma Se ainda posso cantar, força e que cante ~ O tempo bom, a paz e as alegrias, De ummundo que, no ~ntanto, mal ferido Vai-se perdendo à míngua de esperança. Fôrça é que eu cante o bem e com estes sinos Que Deus me deu, nos ares vá jogando ~Oilf3 de aleluias que j~ais virão. · · Se me resta ainda a vez, que estes soluços ,. Transformem-se num canto àlacre e puro Em louvor do que·eu sei que vai morrer. (Continua na últ. pag.) O Romantismo No· B r·a·s i l 1------..,...-- ·Cf.óVIS MONTEIR( J A' é tempo de se porem de de Feliciano JOO.qulm ae sou– . ládo certos preconceitos in- za Nunes, autor dos Discursos compativeis com a verda- P-0litieo-morais, a quem o· de historica e de se recophe- Marquês de Pomal ·não. per– cer que a emancipação _µ1telec- doou a grave falta de lhe de– tual do Brasil não se poderia dicar um livro sem prévio con– consuma.r senão depois 'da nos~ sentimento seu, e mais ainda a t sa ipdependencja politica, ingem,lidade de não saber o i quando a Nação, entre~ a si que lhe con~a ao goste_> pes– mesma, se oornasse obreira ão soal e a.os interesses polit1cos. 1 5eu proprio destino. Nem é de Qu~do a Acade~i~ Real iadmirar que, antes, não tenha • das C1encias, jà nos últimos a-_ 'havido sequer. nos domínios nos õo seculo xvm, quase n~s da literatura, onde geralmente ves~ras, portanto, de P; Joao melhor se espelllam O espirito V~ mstalar-~e com a côrJ.e no e a civilização dos povos, a- R10 ce; JaneJ.to, se }!Jron~1ficou •quele tão apregoado movimen- a publicar a obra histonca de i to autonomico que acharam f~ ~aspar da Madre de Deus. :por 'bem os criticas atribuir exigiu deste, segundo refere ·aos nossos árcades. Afonso Taunay, .~m Esct:itorcs Aos anseios de libertação po. Coloniais, que suprimisse o litica, provavt)lmente nutridos epfteto novato dado aos -por– .par todos • oo bons patriotas, · tugu~ses recém-che~;tdos ao não se juntaram objetivos, ela• Brasil, po~' descqrtês , e tam– ros ou velados, de reforma das be~ que ómiti~o~ fos~em os n~sas letras ou da nossa cul- .e\»t1;,tos de ~outiss1mo e eru– tura, reforma que traduzisse ~dito , atribmdos pela g-enerost– reação contra a metropole, ou dade d? autor ao pa~re Santa divergencia, em qualquer pon- (Contmúa·-Da 2a. pa:.) .to, da orientação por ela se~ guida através dos três seculos de classicismo. E' verdad~ que o espírito na- Tradµçoes O "Cocktail Porty'' De 7-. S. Eliot JORGE MAIA ; D EPOIS . d •é Edirriburgo, cedendo a Charles MorgatJ, -Brighton, New Yo~ 1,he• Ningtiem perdoa ao prime!– . gou a vez âe Londres as- -ro a ter desertado durante a sistir à última peça de E. S. guerra. e ·..ao segundo, o ser o Eliot, de grande sucesso nos maior romancista inglês .•. Estados Unidos, onde segun- para .os: estrangeiros. do' os economistas britanii:os, Assim, . intensa . curiosidade está realizando ! o sonho do cercou a estréia de "Coc)ttail Senhor Crípps: arrancar_ os Party·", onde Eliot, uma vez dolares dos americanos,.. E mais, apresentava o seu tea– .Londres, como não podia dei: tro em· verso; ,agora imitado xar de acontecer, recébeu-a pelo discutido Christopher de braços abertos, como. o Fry. Ammado pelos sucessos primeiro acontecimento· da es- anteriores - "·Murder in_ the tação teatral. , · ' Catbedral" e "The Family T. s. Eliot é, ! hoje, , em que Reunion", ele preferiu, desta pese a popularídade ,de Mau- vez, enveredar por um cami– :gham, Huxley oú Chatles Mor- nho diferente, tentando mos– gan, considetado pelos críticos trar o· seu virtuosismo, a possi– o maior escritor de língua in- bilidade de "fazer o que os glesa. o velho Shaw, óbvia- outros fázem". E o resultado mente, não está incluitlo na foi unia peça que não é a tra– Lista, pois já pertenc~ ap pas- gedia da "Morte na Catedral". sado.. Eliot ·é, porém\ _10 que nem o tema poético da segun– . desfruta de maior ptestigio. da: "Oockail Party" é uma. A sua poesia é consideJiada de fotografia da sociedade de nos~ uma grande pureza e seu ta- sos dias, seus problemas, dú– lentb incomparavelmente su- vidas, inquietação, tudo num perior ao dos seus colegas. estilo evocativo de Oscar Wil– Digá-se, de -.passagem, que a de, mas em verso. · cotação de Huxley, na Ingla- A intriga é simples: Ed– terra é baixa O me5mo su- -ward _Chamberlayne, hom~m Do ' de sociedade, casado hã var1os - anos, é abandonado pela es- Hamlet posa, Lavinia. Isso acontece no dia· em que ele está ofere- {!endo um · "cocktail .party", cional muito cedo se formou \entre nós, porventura tão cedo 1 quU1to na America do Norte,· :oomo entendia Joaquim Na– ;buco. Contudo, sem liberdade e ;Z!em imprensa, porque assim :convinha aos nossos dominado– ! res, era mais para o Seino do que para a colonia que esta- . EU~INIO GOMES , inicio· d~ . peça. Uma lias con– vid.adài!, -Celia, é o seu "caso~ sentimental, e quando os con vidados partem,· mestra-se fe• liz com: o sucedido, de que só ela é sabedora ])Ois. jà não e– xistirão obstaculos ·à sua feli– cidade com Edward. Este, po– rém, por um certo fatalismo, compreende a sua impossibili– dade de viver fora da vida conjugal a que está habitua– do, embora julgando a espo– sa cheia de defeitos. Dois me– ses depois, graças à interfe– rencia de um medico amigo, os dois fazem as pazes, termi– nando a peça num "cocktail party", onde chega a noticia que Celia, tendo partido pa– ra a Africa como enfermeira foi assassinada pelos •nativos. vam voltadas as vistas dos inte– aectuais brasileiros. E com es– tes quase não tinha contacto, di.reto ou indireto, o povo, a llllassa anonima e trabalhadora, que consumia o seu :vigor n<>s engenhos e nas fazendas, n o seio das matas e na obscurida– de das minas. Não é para esqUEcer, na a– preciação de nossa passada vi– da intelectual, que a historia .do Brasil, até a fundação do l lmperio, por mais que se exal• . it.em, e com justiça, 011 feitos e 1 o brio . dos brasileir06, rlio ! fleixa, por ~r muito n<>Slla, de eer tambem de Portugal... E' de notar ainda que os 1i1Jensores tias no,,sas letras não tt!e mostravam menos rigorosos .,'do_ que os julzes das nossas i– ·'Âé1as e atitudes pollticas. l 'ji/ .U'V&l:Y fJP.l'leeÍV.O 4> ~ Q UANDO se pretende saber qual é ou quais são as me– lllores traduç~ das peças de Shakespeare, em nossa lingua é que se toma rea!nl'en– te .sensivel a falta de um . le– vantamento bibliografico das traduções existentes, tanto em Portugal como no Brasil. Vejamos o que ocorre com a peça "Hamlet", da· (luaJ é getalmente maior o numero de traduções. Quantas existem em português? .. That is the ques– tion" .•. Conhecemos as traduções àe Bulhão Pato, D. Luis I, José Antonio de Freitas, dr. Domin– gos Ramos, João Fellx Perei– ra, Tristão da Cunha e Olivei– ra Ribeiro Neto. Assinalam os anais do nos– so teatro que a adaptação francesa de Ducls, vertida pa– ra o português, fo1 representa– da aqui, com maior êxito à é• poca, do que a tradução da pe. ça inglesa. Na Biblioteca NaclonaJ, en– contra-se outra adaptação, tambem em vernaculo, J)Om a l'eferencia bibllografica: V-260, 23, n. 3. O volume não tem capa nem folha de rosto, so– mente .sendo idéntificavel por aquele pormenor. Além disto, faltam-lhe algumas paginai!, o que o t(!1'rul. finalmente quasl .1mprestavel. Outra curiosidade dessa adaptaçlo é que, não obstante dividida arbitraria– mente em seis atos, a peça a– presenta-se desfalcada de va– rias passagens do original de shakespereano, concluindo a– bruptamente com as derradei– ras palavras de Hamlet: "The rest is silence'. . . " ali traduzi– dos por: "O rei;to é um eter– no silencio! Pode-se ter por af uma idéia do tom enfatico da. adaptação... A tradução de Bulhão Pato, talvez a mais antiga das tra– duções portuguesas, teve a sua primeira edJção em 1879. Não parece que tenha sido feita diretamente e caracteriza-se por um estilo ampulO!io e de– senvolto, com largas concessões à vu}l!'.:=rrldalde. Por exemplo, . JC<lm&nlla na~. pãgtna} .. O grande interesse e objeti– vo da peça é, certamente, o desejo de Eliot de fazer uma diagnose da sociedade, pro– curando demonstrar que ela se move dentro de leis rigidas p quase imutaveis, de onde não é possível fugfr. Assim, todas as tentativas e esforços das personagens para se )j. , ,(Conünúa na ia. pá.gJ .· LITERATURA H. 154 U mo Hi.stório- Do RorYlo.nce Francês • JACQUES MADAULE N AO havia empresa mais util; nem ninguem me– lhor preparado que o au– tor dessa "Historia· do roman– êe 1'.ran·cês desde 1918", -de que Mme. Claude-Edmond Magny acaba de nos dar o primeiro volume. Nada tam– bem de mais útil, porque es– crever a historia do romance é fazer a hil>toria da socieda– de t:ranoesa. Eis toda a ques– tão, e o leitor a suporá resol– vioa pela maneira como eJ.e proprio a encara. Há justa– mente u1n problema da rela– ção entre á: literatura e a his 0 toria. Esse proble~ é bastan– te novo. Foi posto com muita clareza pelo sr. Jean-Paul Sartre em "Qu'est-ce que la litterature?" e Ma:dame Clau– de:.Edmond :Magny se refere – frequentes vezes aos pontos de vista de Sartre, sem, aliâs, os perfilhar plenamente. A questão é, em. suma, esta: em que medida a .literatura é o reflexo autentico de sua épo– ca? Mas isso não é tão simples pois que uma época não é se– nãô a passagem entre o passa~ do e o futuro. Mas a literatura não se vo ta necessariamente para o passado? Quero dizer :::om isso que ela vive de cértas tradições e que por isso, lhe é, muito dilicil, senão impos– sivel ser realmente a anunciá– ao1·a do futuro, a despeito das ambições que às vezes sobre isso ali.menta, o . que é,,. sobre– tudo, verdade no · que respeita à literawra romanesca, que sõ pode descrever uma socieda– de existente, isto é, jà passa- da. . Peço desculpa por estas ~onsiderações, um tanto filo– soficas. E' que Madame Clau– de-Edmond Magny é um filo– sofo , como Sartre e encara ~mp filosofo, a historia da literatura. Nada nos deve im– portar ~e tal ponto de vista é legitimo, contanto que ele seja fecundo. Ora, sobre isso não há nenhuma dúvida. Mme. Claude-Edmpnd Magny já escreveu uma obra notavel, intituladã "L'âge du ooman Americain, e por onde já ti– vemos -ocasião de apreciar ·a profundidade e sutileza de suas analises. Encontramos a– qui novamente, aplicadas ao romance francês, as mesmas qualidades. - Talvez demasiada sutilezaf uma facilidade, que às veze:J deriva em jogo de espírito, para 1:9nstruir e reconstruir e partir de uma idéia que às vezes não passa de uma imagem. Mas são pecados me– nores, que não impedem ~ue. <Continua na 2.ª pág.) CRISTO PARO-U... LüCIA MIGUEL PEREIRA O CRISTO parou em Eboli, que acabo de ler em tra– dução francesa, é, na ca– pa, apresentado como roman- ce. Confesso que tenho as mi• nhas duvidas sobre a pr®rie– dade da classificação: parece– me antes a narrativa, nada ou muito pouco romanceada, da vida numa aldelA italianii. O autor, Carlos LeVl, formado embora em medicina, dedicou– se mais ao jornalismo e à pin– tura. A mudança de carteira já por si evidencia um esplri– to inquieto e pouco conformis– ta. Com tal feitio, não pode– ria deixar de ser, como foi, an– tifascista o seu jornali/,mo. Dsi à atividade declntada– mente polltica só há um pas– so, e um passo 1nev1tavel. · Me• nos tnevitavel não seria a re– pressão por parte do governo que, em 1935. afastou-o de Tu– rin, onde residia, mandando.. o para a Lucania. Lá esteve um ano, primeiro em Gras– sa.no, depois em Gaglia.no, dois lugare,los perdidos nas montanhas. E' do ultimo que se ocupa em seu livro. Ç) titulo, ouviu-o d-Os cam– poneses, que não se cansavam de repetir• "Não somos cris– tãos, Cristo parou em Eboll", isto é, no lugar mais propnio a que havi:µn chegado 0$ re~ curi;-.os para aquele mínimo de conforto sem o qual se degra,., (Continúa na 3a. pág.) O "Belo~' E O ' 'F · ''I . e10 fl.AVIO DE AQUINO O ~belo_" e o "feio» na obra de arte sempre suse1uira111 lnterDllllaveis controversla.s. Hoje, no entanto, por 1nflúencia do realismo do seculo XIX, o proprlo "feio" já é admitido na obra ~e art.e, mesmo pelos aeademleos, desde ·que se submeta a limitados "canônes" artísticos e à ob.soleta estética da imi.. taçio ãa natureza. Admite-se o "feio", a.inda que com certo 11-0rror, desde que o artista o retrate ta] qual ele se acha na natureza, sem nada acrescentar, nada diminuir, nada supri– mir em favor de uma maior coerencla formal, e, portanto es-– tilistica. ~ão meditam, eles, que um aspecto repugnante, ~ vez que na.o tenha. sofrido a transformação, a sublimação que só o poder criador do artista - poder criador não imitador - pod,e dat-, não vai além do "assunto"; portanto, não vai além do "feio" e do "repugnante". A natureza, uma vez ni!o superada e recriada em função de um mundo novo, mais belo e mais i!levado, mostra-se tal qual nossos sentimentos vegeta,. tivos de beleza o compreendem. E então, o ".feio" é o feio da natureza, pois vive na tela, não em função dr. forma criada pelo artista, mas em função do feio criado pelo homem comum. Uma vez que nada foi mudado, nada se transforma e tudo por– tanto, fica !al qual é na sua origem: sem mérito, sem ahna e sem resoluçao. A natureza nos dá as premissas com as quais o . art~!ª lleve resolver o problema indeterminado. Sabe-se - dise Hegel - que a beleza, como obra de arte, é mais devada aue a beleza da natureza; pois nasoe do espírito., • .(Çonpn~ na~. 1>ã"1nal . 1

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