Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1950

I / . 'f'Ol F '1)0 NOR'l1. ,• · ' olha do fflof t SARTRE · · • "f (Conclusão da 1a. .)ágina) • • DIRETOR ainda que ligeiro, sobre o vo-t,erjormente livre de comenta– lumc, terá de situar-se dentro rio; ou ent!lo fazendo novas a: do clima sartreano e não den- firmações itcbrc o assunto !a tro do ambiente criado por Bau- discutido, em que as cores sao del:lire. O que ji,. é desagrada- menos carregadaz. Assim, ape– vel. sar de considerar o poeta como PAULO MARANHÃO. ;Pel:i.s expressõe~ émpreg°adas "um aboulique, incapable de s '- , RTII CQ!.ADORADOKES · togo na primeira pagina, fica- astreipdre à ur. travail régulier" mos conhecendo a esiera em constata muito m,.is adiante q'ue que desenvolverá seus pontos "la noblesse et la grandeur . lm– de vista. Tratará de um " per- maine de Baudelaire viennent verso" que adotou a moral mai~ en grande parhe de son horreur rigorosa; de um refinado fre- du Jaisser-aller". Contudo, con– quentador das prostitutas mais dena o modo por ·que reage ao baratas; de um solitario que tem mesmo "laisser-aller •·. E a 60• medo da solidão; de um apolo- [ução do problema jamais é a- OIS Bl!:Lll:M: - !llUD.14' Koc.iu., 'BenedJto Nunes. Bruno de tteoeze.. CaubJ Crua. CécU Melra. Cléo Bernardo. Oanie.l Coelb11 de 80115&, F PauJci Men• dea. Gartbaldl Brull, tlaroldt1 Haranhlo. Lev! 811,II dt Moura Marlt1 Couto, Mano l<'ausUno. Ma~ Marttn.a. Nataliclo Norberw. Nnnee t'erelra, Orlando Sltat, Otavtci Mendunça Paula Pllnlo &bre11, r. • lle !ioa.u li~oura.. Klbama1 de Moura. Rtu Oullher• me Barata. lkw Coutinho e Sultana LeVJ Roa&em– blatl gista do esforço que é abulico e presentada. , oo RIO: - AJvaro L1n1, Aurusto f'Tedenco Sob– mJd&, Aurello Buarque de Holanda, CarlOII Drum1 mond de Andrade. Casslana ltlcardo, CecWa Mel• reles, CJ1'1> doa &nJoa. ll'ema1tdo 8ablno, Fernanda Ferretn dt Luanda. OUberto Fre)'Te. Jose Llm d11 Rero, lorr• de Lima, L6do lvo. Lncta Mlruel Pe– reira. Maria da 3audade Corte11ão, Marqoet1 Rebelo, Manuel Bandeira. Maria Jnlleta Ornmmoud. Ma.ri• to Mendes. OUo Maria Carpeau1 Paulo R6nal • R'àohel de Qaetros. "' DE 8 PAULO: - Oomlnf0I Carvalho º"· SIi– va, Ed,rar Cavalheiro, Rorer Bastlde e Sérgio M_llllet. incapaz de sµjeilar-se a um tra- O livro termina como termt– balho regular; C:e quem convi- nam os livros de ciencia, não da a viagens e hesita seis meses como um livro de arte. Seu antes de fazer a unlca viagem principio filosofico, "le choLx li · de toda sua vida: de quem apa- bre que l'homme fait de sol l'enta desprezar as pessoas que mê me s'identific absolutment se encarregam de sua tutela, avec ce qu'on appele sa desti– mas que jamais procurou 11- née" tanto poderia estar no fi• bertar-se delas. E ' um livr o q•1e nal de um estudo sobre Baude– trata, enfim, de Charles B aude- laire, como sobre Napoleão Bo– laire, filho de Madame , Aup;ck; naparte. não é o livro do poeta. :3aude– laire, Investiguemos o que nos diz Sartre. Existe alguma novidade no que assiruila como caracte– ristico do homem Baudelaire. De modo algum; s ão coisas de todo o mundo sabidas há muito tempo. Há uma melhor · or– denação nos fatos biograficos, pelo estudo cientifico dos de– feitos inerentes à pessoa do poe– ta, Mas o ireconheclmento de que é verdade o que o autor a• firma de inicio, tira a possibi– lidade -da surpresa ao volume. E' interessante ob~rvar-se que o mesmo Bauclelaü-e fo! motivo de .uma disputa, entre um escritor americano. que tra– duziu "Les fleurs du Mal" parti o inglês e o critico T . S. Elliot, que além da tradução, leu o pre– facio escrito pelo referido tra– dutor. O principal paragrafo desse prefacio ele transcreveu e1n "Badelaire in our time'', on– de acentua: "if pieces, you ta– ket his paragraph to pieces you will find much that is wrong: _ OE BELO HORIZONTE: - A.lphonam de Gul• maraeu. FUho e Rueno de Rivera . DE CURITIBA:' - Dalton Trevt!aD e WIison frlartlna . DE PORTO ALEGREI - Wilson Chara1. De certa maneira, já adivi– nhámos que ele diria: "Baude– laire c'est l'homme qui a choisi de se voir comme s'll etait un autre; sa vie n'est que l'histoire de cet échec". Não chegandc a surpreender o reconhecimentp escapuliu da pena do analista, com possibilidade maior de agra– dar: "li cherchai'· !e reflet .d'u1n cer tain Charles Baudelaire, fis de Ia générale Aupick, poéte endentté, amant de la négresse Duval: son regard a reencontré la condition hurr.aine". Though if you swallow it whole, you will ligest something tha t is right". DE FORTALEZA: - Antonio Girão BarrOlo, Alulllo Medeiros, Brara Montenerro, João Cllmaco Beze.rra e Jot6 Stenlo Lopee. Exatamente o contrario é que se dã com o llvro de J. P. Sartre. Se o consideramos em conjunto, achamos que estã er– rado; temos porem de concor– dar com cada uma das afirma– ções que vai fazendo sobre o poeta. ,--- A Esperança É Pouca Queremos observar tambem como discordam, em certo pon– to, J. P, Sartre e' T. S. Eiliot pois o que para o inglês é • o fa. to importante" na vida de Eau– delail"e é que "he was essentia– ly a Christian, born out of bis due time, and a classc1st, born out of his time". Acrescentando ainda: "Ad being the king of Christian that he was, bom whens, born when he was, he dad to discover Christianity for 11imself, ln. this pursuit he Y:as, alone in the solitude which is the only lmown to saints. To him nolion of . Original Sin carne 6pontaneously, and the need for prayer. " O que nos parece mul– to mals justo do que a historia de que "A lei de Baudelaire é o Antigo Testamento". No caso, a consideração do inglês é mais humana, mais Jogica, mais verdadch·a. PAULO MENDES CAMPO$ O m arinheir Se1kirlc. ia história "teal Daniel l)e.– caJcou seu romance, hoJe s a•vasse tambchn consigo de borracna, um apa– smi~sor e receptor e tidades mecánlcas. Ad– tudo que salvasse e: dificilmente iri.1 u ilha deserta, pou• ~ 'oelos geógrafos, uma ·os estrategistas não em as possibilidades mi• .-oberto, um avião lhe l., primei ros recursos ali– uteosí!ios, penicilina, de– helicóptero iria busoa r proibindo-lhe a ~xpe- •a solidão. ,Imaginemos inson há alguns anos, das ilh~s selvagens dJ ' ur preendido de repente m bas e pelos soldados, em contacto com o pro– ,.,,_,..,,_,morrendo, quem sal>'?. ol' uma !rajada de metralhadora, , !vez preso e fuzilado como es· ·e,.. -1,:. h::s delxaram de ser um tn~trumento de separação. Aten– tos 03 generais observam-nas . 11.p~ntadas pelos canhões, ronda– das pelos subnrilrinos, sobrevoa– :las pelos bo1~rdelros, jà não ,rereyem- a'igurança aos tímidos, 3 0 .1 s olitãTÍos, aos abandonados. Já não existe segurança l?m ., , alguma. As armas moder• os aviões a jato, as fortale– vo , e, sobretudo, a . :r atômica e a de hidrogê- 1ieram modificar os direi• litenares à solidão e o direi• e 't!ecidirmos o nosso destino. N'ão nos entendemos ainda de ma- 1ei a razoável com os nossos se– :nelhantes, mas_ jã não · podemos Ignorá-los. O asceta hlnd~ que ;obe a montanha para meditar, a ~aonelita que se fecha no con– vento, o homem amargo que na própria civilização quer abster• ,e de contactos humanos, nenhum :!eles pode mais ter a certeza de · que Irã viver apenas para si. mes• mo c-u apenas para Deus. Nao hã mo11.tanha bastante alta e· escar– pada em nossos dias, não hã con• vento que o interesse militar não possa transformar em cidadela, não hã misantropia que isente um !ndivlduo de acontecimentos es– tranhos à sua vontade. Na guer– ra de 14, o escritor D. H. Law• ,ence podia recusar-se a dar um :lro sequer, e descansar em uma ildela da Inglaterra. Os "cons- us objectors• podiam, até ná pouC'o tempo, proferir os rigo– res do campo de concentração a tomar conhecimentos das atroei• dades da gue,·ra . Velhos e mulhe• res podiam ficar na retaguarda esperando. As cr!dnças, talvez a boa norma peda·gógica aconse• lhasse que não se informassem demais dos acontecimentos da lutá, Não hã mais retaguarda. Todo recanto da terra é uma frente eventual, as casas. as igrejas, os mu~eus podem vir a ser trln– rhelras, todo homem, Independen– te a~ suas convicções, é um alvo. To s nós que vamos atravessan- 6 o melo século, estamos aC'U3• tfos· como coelhos, e , como os coelhos, nenhum de nós pode es• tar ce,.to de que não morrerá arrebarado por um tiro. A ciência de matar alterou cer– tas normas usuais da conduta hU• mana. tr~11sfnrmou um pouco as rela~,~,., ~11 tr,. ~~ rh sses. desfe z o ri,!:!l"\r rhc f ron tc!lras nacionais. Temos todos ago alguma eo1sa em comum, corremos os mesmos Por outro lado, existem con– r!scos de nossos antípodas. A pos- clusõ·es literatizaveis: "sa Joi est , sibilldade de sermos destruídos. l'Ancien Testament. Entre !ui conseguiu de certo modo uma in• et hommes, reis d'intercesseur: terferência universal que a .von• Baudelaire parait avoir ignoré tade d e construir não obteve. Ca- le Christ". Ou então: "Toute sa pitalistà!! e proletários, düerentes vie ces homir.es graves et im– raças, nações pobres e poderosas, posants que Kafka eut nommé civis e militares, dirigentes e dl- des " MissieuTs" eurent Ie droit rlgiáos, letrados e Ignorantes, es• de !ui parler, sur un tom de ;;~s antinomias "todas jã não si~• sévérité paternnele", nificam grande coisa diante da Sartre orie1lta-se no sentido responsabilidade com m que nas• de demonstrar que Baudelaire ce do perigo comum. ~ um mentiroso. Porém, a par- Mas a esperança é pouc,t . Es• tir das premif.as que tomou, ja– ramos unidos, mas à re ,lia de mais poderia chegar a conclu– no~sa partic!oacfio. Não or• sões dessa ordem, pois o que •anizamos. não temos orlentaçne 3 apare:ltemente é " mentira•, po– ;omuns. As próprias lnstitui~ões :le ser a transposição de uma lnlernac_ionals, tribunas cm '? verdade para plano diverso do se manifestam_ interesses vlo e logico. De fato, o poeta lidan- · Afinal de contas, os sonflitos assinalados por Sartre não exis– tiram apenas no Baudelaire a– torment:ido. · Existiram e conti– nuam existindo cada vez que vem ao mw1do um poeta. tos e aspiraçoes se 7 tãrlas, con• do com a conti-adição, infringe seguem apenas_ defini!' _para ª , o regulamento condicional ·do História os mollvos estupidos que 'homem; mas infringe enquan– divldem os países e a in~ompe- tQ faz poesia. Reciprocamente– tl'ncla humana qu':. os desg'! st a. ,. urii_a consideração meramen- Nossas vidas estao nas maos d • te quotidiana, não pode ser au– alguns técnic~s e de alguns go- xiliq.da por dados que valem no vernantes. a vida e tudo que cada pia.no da Uogicidade poetica, um resf!elta ou 2 !"ª · oue espe- mas que significam muitas ve– rava deixar aos filhos.- Nem mais 11;es o contrario de seus equiva– D.. tamos certos de deixar os [!/ lentes no plano da realidade. · As considerações que faz so– bre a vida do autor da "La mu– se m alade" sub-repticiamente baseados em trechos escritos pe– lo proprio poeta, irrita tanto o leitor, quanto as afirmações do tradutor americano irritaram T. 5 , Elliot. "It is true", es– creveu ele, "that Baudelaire says "j'ai cullivé mon hysterie". But lt Is one thing for him to say it of himseU, another for Mr.Symons to say lt about him~. Mr. Symons ou M. J. P, Sar– tre, acrescentaJnos. lh~~nca se ofendett tanto ~1!· . E' ev_idente que um ataque mocracia, e ao sentimento de ra- stst ematico a autor de, uma ?· ternidade penosam!lllte con lsta- b!n_ como a d~ ~aude~aire, s~ria do e compreendidln'; agor, que ridtculo. A intellgencia de_ ~&r– tnda a espécie ljumana ,Mfre a tre se rev~la na consta!açao_ de tirania de uns poucos homens, uma. quahdade e no imediato •sem ocder exprimir. ,.n1 um gran- moviment? _do cerco praticado, de p]P.biscito uni..,.ersal, o 'Seu de- com o o_bJetivo de conspurcar ou seio de viver. desmentu· o que apresentou an- DOIS P.OEMAS • • • (Contlnúa na Sa. página) nos levam a realizar, à nolii,a revelia, os seus mais delirantes caprichos. ·, Certa manhã eu me levantar a irritado, triste, fatigado de inercia, e impelido,, par!!cia-me ,a fa• zer algo de grande, uma ação- brilhan!e; e abri a janela - ai de mim! , (Observem, pi>r favor: o es pirito de mistifica– ção que, em algumas pessoas, não resulta de tra– balho ou de calculo, mas de uma inspiração for• tuita, participa, · muito, quando menos pelo aT• dor do desejo, desse humor.1 - histerico segundo os médicos, satanicos segundo os que pensam um pouco melhor que os méd;!cos - que nos arrasta sem resisterftia pa'ra itl'umei:as ações perigosas ou inconvenientes). A primeira pessoa qtie avistei na rua foi um vidraceiro, cujo grito dflacerante, dissonante, su• biu até mim através d;i pesada e suja atmos!e!"a parisiense. Ser-me-ia iimpossivel dizer parquê, - senti-me possuido, em relação a esse homem, de um odlo . subito e despotico. - Olãl olãl Gritei-lhe que su~sse. Entretato, refletia, nllo sem algum prazer, q1.1e, ficando o quarto no 1,ex– to andar e sendo a scada muito estreita, ele te– ria de sentir algum düiculdade em realizar a as– cenção, e não po ria defender de numerosos encontrões a 6\la f U mercadoria. Apareceu afinal: examinei-lhe, curioso, todas as vidraças, e disse lhe: - Como? Nfio tt m vidros de cor? vidros ro• seos? vermelhos, a'.Lues, vidros magicos, vidros de paraíso? Descar1idol ousa andar em bairros pobres e não tem, siquer, vidros que façam ver o lado belo da vi 1 E empurrei-o 1!nergicamente para a escada, 011de ele tropeço 1, " resmungar. Aproximei-me do balcão, agarrei um pequeno jarro de flores. e quando O homem rt'apareceu na soleira , deix,!I cair perpendicularmente a mt– nba maquina d guerra sobre o rebôrdo posterior da sua ,ca'!'ga; como o choque p denubasse de costas ele acabou de quêbrar sob o dorso toda a sua' pobre fortu11a ambulatoria, que produziu o ruido estridente pe um palacio de cristal fendi• do pelo raio. E. ébrio de minha loucura, (lritei-lhe fUl'iosa– mente: - O lado belo da vida I o lado belo da vida 1 Esses gracejos nervosos não deixam de ter o seu perigo, e podem muitas vezes custar caro. Que importa, porem, a danação eterna a quem encontrou num segundo o infinito do prazer! O LOUCO E A' VENUS Que dia admiravel! O vasto parque desfalece sob o olhar abrasante do Sol, como a juventude sob o imperio do Amor. O êxtase universal das coisas não se revela pelo mínimo bulício; as proprias aguas estão co– mo adormecidas. Bem diversa das festas huma– nas - aqui reina uma orgia silenciosa. Dir-se-ia que uma luz cada vez mais intensa faz brotar dos objetos cintilações cada vez mais vividas; que as flores excitadas ardem no desejo de rivalizar com o azul do céu pela energia das suas cores; e que o calor, tornando visiveis os perfumes, os faz subir para o Sol como foguetes. No entanto, nesse regosijo universal, divisei um ser aflito. Aos pés de uma Venus colossal, um desses loucos artificiais, um deses bulões voluntario3 encarregados de fazer rir os soberanos quando o Remorso ou o Tedio os atormenta, envolvido num traje ridiculamente vistoso, toucado de chi– fres e de guizos, ajoelhado ante o pedestal, er– gue para a Deusa os olhos cheios de Iagrimas. E os olhos dizem: - "Eu sou o ultimo e o mais solitarlo dos homens, privado de amor e de a– mizade, muito i,úerior, neste ponto, ao mais im• perfeito dos animais. Todavia, eu tambem fui feito para compreender e sentir a Beleza imor– tal! Ah! Deusa I tende piedade da minha triste– za e dn m inh:i loucura I" E n Venus, impla~,.,el, r am!. l.c,. <' ~ âl para longe, va– inore. f"~min~, 23 'dê Julho é!e 1950- A/LINGUAGEM. • • (Conclusão da 1a, página) 1otadas todas as rugas de uma iace, todas as dóbras de uma vestimenta, sem indagarem se– ~uer se o objetivo do artista e o proprio contendo da obra as– sim o ~permitem. Tem , a m aio– ria, por meta principal ·do ar– tista,_ catalogar os aspectos su– perficiais da natureza, jamais criar ou servir-se dela c01no excitante da sua fantasia inven– tiva. Falam, é verdade, no po– der criador do artista, mas li• mitam-no a · descrever servil– mente o que há muito a natu• reza já criou. E, desta maneira, julgam· .:ma obra de arte através do seu conteudo, sem jamais suspeita– rem de que ela, tanto ou muito mais do que qualquer atividade llumana; vive somente pela for– ma. "A forma - disse Hebbel - é o conteudo supremo". A Jorma é a linguagem da arte, i.ela é que nasce toda a poesia :le uma pintura, •toda a verda– de de um contendo. O verda– :leiro artista extrai da natu'reza apenas os elementos formais ne– cessarlos à sua express_ão, rele– gando como inuteis e perturbado– res todos os elementos :ite– rarias ou i!u,1trativos, lambem aq11eles que, embora · possam gerar os mais sublimes senti• ment<1s humanos nada tenham a ver com o fim a que tem em inira. Estes elementos, tirados da natureza e do mundo que o cerca, o artista os transforma em equivalentes plasticos, em pu• ra poesia plastica, conforme o seu temperamento e o gosto e a maneira de ser da sua época. Estes elementos formais, des– critos de maneira didatica, na pintura, são: a linha, a côr, os planos, os efeitos do claro-es– curo e o tom, os quais, combJ. nados entre si e transformados pelo temperamento do artista e pelo objetivo da· obra, criam o estilo da obra de arte, seja ela moderna ou antiga, figur11· tiva ou abstrata, seja uma na– tureza morta de Cezanne, uma composição de Picasso ou uma das Madonas de Rafael. E' a escolha destes elementoll plast ic;os de acordo com a emo– ção pura e despida de todo ó sentimentalismo a ser transmi– tida, é a concordanoia dos d-e– talhes f!ntre si e destes com o todo, é a per feita unidade en– tre a forma visível e o conteu– do poetico invisivel que geram o estilo da obra. A cada emo– ção deve corresponder uma for– ma, a qual, por sua vez molda o ritmo de toda a compo 0 sição. A deformação, seja ela ~s artistas de agora ou dos de an. t igamente, deve ser condicio• nada às necessidades imper,o• sas do estilo e, se conforme aa fim proposto, elogi:ida e ::i.dmi– tida com tal. A beleza e :i eternidade da "Madona da Cadeira" de R'a– '3el, não vêm da sua bekza fl. sicfl ou da verosin1ilhança ex• verwr dos personagens que a compõem, tão pouco dos deta– lhes que a ilustram. Toda a grandeza dessa obrn-prim:i re• pousa na perfeila coerencia for – mal do seu estilo, o qu:il s ubll• · nha a calma· poesia do seL con– teudo, Para que esse fim seja obtido, Rafael pintou ai tudo o que inspira a calma e ll e1m.. plicidade, compôs sua obra em largas curvas perfeitamente de– limitadas e equivalentes. As do• bras do panejamento são sim– p!ei; e precisas, o oval icieal do rosto da Madona , quase uma abstração na qual toclos .os de– ta;lhes foram,, eliminadOCi como superfluos, repete-se e integra– se em toda a composição. Pa– ra que nada perturbe a doce F invisível poesia, nada ali é vio– lento, não há um só paneja– mento torturado, uma só linha descomposta ou arbitraria que quebre o encanto suave da obra. A composição circular é feita sem contorsões romanticas, a deformação sutil é---~eculacla se– gundo um ritmo mais confor me com as necessidades estili.sti• ticas da obra. A primeira côr colocada, ao primeiro risco t r a– çado, segue-se irrem!ssivelmen– te todo o resto da tela. Todos os detalhes participam não co– mo elementos ilustrativos - para contar o amor da Vir– gem pelo Menino ou louvar o amor materno - mas, somen– te, para satisfazer às necessi• dades do estilo. São João :Satis• ta, à esquerda, fecha a compo– sição circular , enche um claro entre o Menino e o canto do quadro, o oval do seu rosto . completa-se no turbante da Ma– dona, suas mãos formam a complementar e o prolonga– mento necessario às mãos da Virgem e terminam o ritmo on– dulante e sensível que vem d<l cabeça da Madona. O respaldo da cadeira, criado em formas redondas e definidas como toda a composição, acentua uma zo– na 1norta, sem curvas, que silo as costas da gentil Senhora . Poderíamos prosseguir inde• finidamente analisando todos os elementos formais desta obr a– prima e chegaríamos à conclu– são que não há nela um só de• talhe ilustrativo ou anedotico isto é, não hã uma só concessã; à literatura exterior e piégas tão ao g9s.to dos academicos. SOBRE FA'ULKNER.. ~ (Conclusão da 1.•/ pág. ) reações do olfato e do paladar, de certo por serem os sentidos que mais revelam os impulsos de animalidade no homem. Já Hamlet bradava :" Que é homem se o bem supremo, se o melhor negocio de .sua •vida é unica– mente dormir e comer? Um a– nimal, nada mais", William Faulkner, porem, visa a mos– trar Q,. homem natural e não va– cila em apresentá-lo em toda a sua rudeza instintiva, tal como ele vive e age em certa região mais atrasada de seu país, à marg.em do Mississipi. tanto tempo, desde que se p~ dia recordar. Pelo cheiro sa– bia tambem que a pessoa que o carregava era um homem. Mas não fazia ouvir nenhum som". Neste ponto, dá-se com aquilo que exerce frequenteme11- te papel preponderante na fic– ção de Faulkner: o cheiro. No caótico mundo de "The Sounrt and the Fury", Benly - o idio– ta - se apercebe da morte do pal pelo cheiro: "the smell of bis father's death. .. • Em " San– tuary" o odor das madressilvas. numa sal~ imprime à realida– de ambiente transposi,ções de Numa das suas experienQ!as ordem sensual que fazem lem– com o paladar, vê-se Christ- brar o melhor Proust. Mas é · mas, ainda criança, a.trapalha• propriamente o mau cheiro que do com os efeitos da ingestão parece preocupar Faulkner, em clandestina de uma porção de suas explorações. Observa Hir• pasta de dentes, logo repelida shleifer que isso é caracteristi• pelo estomago: "!movei, intei- camente usado pelo romancista ramente absorto, pareoia cur- no sentido bíblico, como um in• vado sobre si mesmo como um dice exterior de corrupção mo• quimico no seu laboratorlo, es- ral. O bodum do pregador Hi• perando. Não teve de esperar ghtpwer, em "Luz de Agosto", muito tempo, De repente a pas- corresponde francamente a es– ta. que ele já havia engulido, se significado · simboll<'o. Ante– como que se pôs de pé no seu riormente Faulkner escrevera o estomago, tentando sair de n_?- . conto "A• Rose for Emily " que, vo para o ar 11,vre. Ela Jã nao apesar do titulo, é uma ilustra– era doce. Na obscuridade cir- ção nauseante daquele símbolo cundante cheirando a mulhér aplicado à historia de uma sol– rosea, onde se achava de cóco- telrona excentrica, em cuja ca– ras, com um fatalismo atoruto · sa só predominavam emanações o que. estava para a~ontecer e putridas, a principio, de rato" que nao demorou muito. Como mortos depois do cadaver de uma rendição total e passiva dis- seu a,{iante qJe ela conservava se a si mesmo: "~ra,. aqui estou" numa sala fechada por longo Outra pasagem sigmcativa des- tempo, Não haverã aí uma ru• se p~ocesso qui:, ~lo vi?to, tura de probabilidade? Ou que amplia de ma'!-eu·a imprevista singular perversão do oUato Ie– o plauo da realidade humana, é vava Emily Grierwon a se apra– a do mesmo .menino quando é zer com exalações daquela na– levado do asilo às escondidas, tureza? O que era fetido para o na escuridão da noite, ao ser a- geral seria perfume para as purado que corria sangue negro suas narinas? "That is ' the ques– em '!;uas veias: " Quando D me- tion... " Há uma pasagem , no nino despertou, sentiu qu~ es- D. Quixote, que, não obstante tava sendo . carregado. Estava a Intenção humoristica, pode :.er escuro como breu, e fazia frio. invocado para a comprovação Ia carregado nos braços de ai- de que, tal como os gostos, os guem que descia as escadas em oUatos não são todos iguais. Ar– silencio, com infinito cuidado. rebatado, no seu idealismo a• Apertado entre ele e os braços moroso, por um perfume que que o carregavam, sentia um julga emanar da Dulcineia de embrulho. Viu logo que era n seus sonhos, pergunta D. Quixo• sua roupa. Não gritou, não dei- te: "No sentiste un olor sabeo, xou escapar nenhum som. Pelo una fragancia aromatica? - L<t cheiro, pelo ar, sabia que esta- que sé decfr, - responde San• va na escada de serviço que cho -, es que senti um olorcll• conduzia l porta lateral, havia lo Jllgo hombrun.o". _

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