Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1949
. :· . CARPEALJX·- neste Estado). o de nossa aniséria''. lorge Lacercla. is elo cafézinho nacional. aso. nsidera como blehO!I. minas, DIAS "que w .llay, hay". J: Ma'l\uel Bandeira, éarlO!I Dru.mmond ele Andrade. , Cecilfa Meireles e Jorge de Lima. GraeWano Ramos, Oc~vio ~e Fari11. ; ageru,, ef.ra: ~s deseJaria 11eseonhecer algUn!l (lUe ku. . lhos de Aurélio Buarque de Holanda. alguns livros nãaona1i,; rec:onstl,,. Andrade . , e de viagens, não pretencle mais deixar o país. ficancl• blorriflcas de Lucia Miguel Pereira. nou E "Ultime Credo", de Augusto dos Anjos. ,ama. ,_.,~-..o~~-..------- Cicatrizes l FERNANDO SABINO - Por aqu} ,. Entrou com a ·tmpressão de que caminhava prl– iro para uma sala de confissões. Era uma cabine tivamente limpa, um banquinho de três pern11.s, um Ide para dependurar as roupas. - Estenderam-lhe to~llia: - - Depois o senhor sal por esta porta. · · Já inteiramente despido, sentiu a impossibilidade sair assim, desprotegido, por uma porta que não sa– onde iria dar. Arriscou uma olhadela: era um lon- corredor, terminando por outra porta onde dois de– us de cimento sugeriam a entrada a um mundo de . repuxos, que um ruido espumante de esgui- aceintuava. · · Enrolou a toallia no corpo e saiu caminhando re– , como se estivesse assim em plena rua, exposto a es de curiosidade. Alguém saira do quarto de ba– , vinha caminhando pelo corredor em sentido con- o. Alguém estranhamente familiar, o corpo nú eado de sol, ainda respingando água, uma. toa- - displicentemente atirada sobre os ombros. Passou ele com naturalidade, sem o olhar, João Gabriel se u. - Pensava exatamente: "aquele com, certeza tem há– de tomar duchas e eu não tenho", quando seu r, encontrando as costas do homem que se afasta- o deixou paralisado de surpresa, interrompendo to– as !'efiexões: pouco acima da cintura, .quase sobre pinha~ o desconhecido .tinha três _pequeninas cica– s, vermelhas, três pontos próximos um do outro e eitamente alinhados. Aquele sinal atirou João Gii,- ' l a mundo de recordações tão dissociadas e violen– que ele teve de se encostar à parede do corredor o se estivesse sentindo-se mal. Sua mão direita se u no ar e viu-se a si mesmo_naquela posição de antes, à espreita junto à parede, segurando for– ente um garfo ... O mulato apareceu por detrás degraus de cimento, as ma:ngas do avental branco gaçadas, os braços molhados: - E' o senhor agora. - Aquelas palavras lhe soaram desagradavelmen- quase como soaria um convite obsceno, arrancando:.. r instantes de sua perturbação. - ffão, não agora. · _ Recuou pelo corredor. O homem das três cicatrizes eredara pela porta de uma das cabines. Ganhou a , fechou-se por dentro e vestiu-se apressadamente. ida a mulher estendeu-lhe o trôco, espantada: - Já acabou? - Depois, depois. Ganhou a escada, atingiu a rua como se níergu– e num oleoso mar de luz e calor. Apressava-se , na certeza de que saira antes do ôutro. "Até ·que enxugue o corpo e se vista, penteie-se ... " Cami– u mais, foi postar-se na esquina disfarçadamente, a \ê-lo sair. (A mesma esquina de _pouco antes, a da rnativa das ruas). *•<$-•• escritor BERBERTO SALES, a continuar o . próximo capitulo da novela __..,.._____~~.,_.-l...U~~ LiSpêcto'r Volta- Ao Brasil ; . . .. A Hi:::tória De Uma 'Adolescente Que Fói O Maiõr Cartaz Literário De 1943 - Pintada Por Chirico,. Na Itália, Começou Um Romance Em Napoles - Suas Impre~ões· Sobre A Suiça E - Suas · Experiências Pessôais - "A Cida_de Sitiada". Seu úl_limo Romance RIO (Via Aérea) Depois de três anos de per– manência na Suii;a, onde es. teve em companhia de ~eu marido, o diplomata brasil"i• ro Mauri Gurgel Valente, re– gres.sou a esta capital a ro– mancista Clarice. Lispector. E antes de divulgarmos qual– quer palavra sua, temos que contar uma história. Havia nesta capital uma adJlescente • chamada Clarice Lispector. Foi descoberta por Lúcio Cardoso, que a asso– ciou ao seu grupo. Ela t.StiI– dava direito, mas seu oficio era o jornalismo. As vezes, indo fazer uma reportagem sobre um incendio, Clarice Lispector esquecia-se da re– portagem e assistia ao sinis– tro como uma criança diante de um espetáculo maravilho– so. Escrevia· contos e chama– va a atenção dos circulos li– terários pela sua figura es– tranha, de uma beleza quase– nórdica. Um dia ela escreveu um romance, lançado pela Edito– ra "A Noite". O titulo era "Perto do coração selvagem". Ora, aconteceu que essa es– treia .a colocou no primeiro . plano do romance brasileiro. Em poucas semanas a 1Jbra se esgotou. Grandes críticos es– creveram entusiásticos artigos sobre essa nova revelação li– terária, que se afirmava num livro revolucionarlo pelo esti- _lo · e pelo conteúdo humano, em páginas altamente poéti'– cas e· desenvolvidas dentro de Uma técnica surpreenderte, cheia de monólogos. Os lei– tores, atraídos pela descober– ta, também a consagraram-; uma vez que um dos traços mais veementes .:ie Clarice Lispector era o seu poder de comunicaçã-0, a sua faculdade . de tornar qualquer p~a in– teressada no drama de seu ro– mance. Poucas foram, no . Brasil, as es(;.Peias tão sensa– cionais, que elevassem a tal prestigio, chegando mesmo a cercá-lo de uma aura mlste~ tiosa, um escritor de cujo no– me jamais se ouvira falar an.. tes. ria!, e principalmente com o alto custo de vida. Uma no– ticia para as zu.as fãs: na Suí– ça nasceu hã nove meses o menino Pedro, filho da ro. mancista. Ela contou que, tendo ido a um armazem, pa– ra comprar leite condensado, o caixeiro lhe cobrou 38 cru– zeiros . Ela disse: ·"Creio que o senhor estã enganado. o preço.•. " ao que o homem atalhou: "Não estou. engana– do, ·não senhora. O preço é esse mesmo". Clarice Llspector - foi pin– tada por Chirico, e dizem que o retrato é belíssimo, Per– guntamos pela tela. - Está em minha baga– gem. De sua- permanência na Suiça, guarda impressões ex• celentes; Impressionou-a mul– to o sentido de organização do povo suíço Contou que uma vez, querendo desfazer– se de um jornal, deixou-o num banco. No dia seguinte, recebeu o jornal pelo correio, uma vez que, sendo assinan– te do mesmo, o seu nome es– tava carimbado no cabeçalho do periódJ.co. . - E a literatura sulça "t - Hã um escritor admirã- vel: Ramuz. Seus romances, · mais ou menos po~ticos, evo– cam as aldeias suiça-s, as lu– tas dos homens simples com os elementos da natureza, e deveriam ser conhecidos no Bra.1il. - DEIXOU DE ESCREVER POEMAS Em 1943, Clarice L!spector sonhava quase todos os dias com ·a romancista Rosa.monde Lehmann . .Segundo suas pa– lavras, esses sonhos a aban– donaram. Lembramo-nos de um seu verso, famoso nos cafés lite– rários durante sua estréia. O verso era - "Quem mais eterna do que euJ?" Clarice abanou a cabeça: - Também deixei os poe– mas. "A CIDADE SITIADA" , Em Athenas ~ALCIDIO JURANDIR "(f:special para a FOLHA DO NORTE)" A chuva miuda, depois "Hamlet" - o homem airi• da sozinho contra o seu tempo e um feroz poder em ago– nia - aqui fóra a noite lavada, alguém que nos oferece "chianti" e nos fala de Changal, de viagens. Segue-se · . uma discussão sobre luta de classe, as . nossas vidas dentro dessa luta, duvidas, perguntas. Nov..amente per- , guntas, duvidas, a avidez de tudo saber ao mesmo tem– po, este quase deslumbramento que é descóbrir tão per– to o que parecia tão longe, irrevelado para sempre, ou inexiste~te. Por fim falamos de poetas, aquele _poema de Shel– ley sobre a morte de Keats, Tudo que o poeta amava e pensava, as cores, o aroma, a músic_a, tudo chôrava a · morte do poeta. E a noite atirava o mar sobre a cida– de. As palaVPas de Laurehce Olivier repetiam-se no mar. Recordo alguém lendo, à luz da lampada da rua. - a carta ·que enviarã a quem de longe lhe e~creve e se queixa e não esconde o seu amor. Noite, mar, chuva. extinta, os longos edifícios adormecidos, paz. No entanto, não é a paz. O radio exclama que dezes– seis jovens gregos foram condenados à .morte. O mai: se levanta - quatro moças tombarão junt a um mu– ro - ,os edificios acordam, mães soluçâm mas seu co– ração não tem súplicas, e a dor da juventude clama no mai· e na cidade. Dezesseis jovens. Participavam da. luta pela liberdade da Grécia. Laureado com o Prêmio de Romance da Fundação Graça Aranha, "Perto do coração selvagem", tornou-se um li– vro marcante, desses que exi– gem uma nova interpretar.ão _para história -de nossas le– tras. Dois anos ·depois, já casada e obediente às imposi– ções da vida consular, Clari– ce Lispector mandava de Ná– poles o seu segundo livro, "O Lustre", que tornou mais evi– dente e definitiva a sua po– sição intelectual, reafirmando os seus poderosos qotes artls– ticos e sua ambição de fazer do romance um caminho pa– ra o conhecimento da vida e µo m1.1ndo, revolucionan9-o a técnica da narrativa, dando às palavras um significado e uma força só suscetíveis de aferimento na linguagem poé– tica, seguindo as suas perso– nagens com a humildade e a intuição dos que conhecem profundamente o oficio de transformar o imagina.rio em uma nova dimensão da vida. - · Agora, eis novamente entre nós a romancista Claric~ Lls– pector. A reportagem ouviu-a. no escritório da Editora "A Noite", aonde ela fôra a fim de ver as provas de seu novo romance "A Cidade Sitiada.", a ser lançado brevemente em conexão com o Circulo Lite– rário Brasileiro. Diante das provas de seu próximo romance, ela nos de– clara que começou a escrever "A cidade sitiada" em Ná– poles. Contudo, teve de aban– doná-lo, e só foi retomá-lo em Zurique. Cortando o as- · sunto, para informar que o seu filho já pesa 11 quilos, ela depois completa a infor– mação: ..,.. Mas, quando retomei 11 r.edação do livro, tudo cor– reu bem. Escrevi-o todo ll máquina, retocando-o mala de Não quero manchar a simplicidade de seu herois– ino, a beleza de sua cólera e de seu desafio aos algozes, fazendo booas alusões à Grécia clássica. Não quero per– turbar os seus últimos dias, a pureza de seu sacrificio, a paixão de sua luta, A Grecla de hoje traz .no sangue o que foi a Grecia por todos os séculos. Os jovens con– denados, guerrilheiros e · estudantes, são a 11terna ju– ventude grega. E já de há.muito eles voltaram as cos– tas para os deuses porque suas faces estão banhadas na luz que não vem dos velhos mitos nem dos sonhos vãos. E para eles, é grato lembrar quem os amou sempre, é bom lembrar Shelley que não via ruinas na Hellade ca– duca mas sangue eterno, juventude que se alimenta na. mesma palpitação homérica. Dezesseis jovens que se– rão fuzilados numa escura madrugada num patio imun– do. Nem o mar, nem este oaminhar vagaroso que não deveria ter fim, nem estas mãos- confiantes ou esta discussão tranquila nem o pequeno e sempre problema de acertar a abrir a porta do édificio cQm a certeza de que logo adormecerá nem a ;;úbita estrela que irrompeu na noite ou esta distancia apagarão a cena monstruosa. Dezesseis jovens assassinados, atirados ao fosso como postas de carne quando em suas cabeças aiâe a consci– ência do -mundo, a febre do descobrimento da vida pela qual combatem e morrem. Dezesseis jovens, Jovens do mundo, condenados à morte, e não morrem apenas pela. llrecia, por vós também, para que continui esta ·conver– ;a, este sono, estas três horas de filme em que asslsti– inos a uma tragédia quando esta é a que se desehcan– )ieia ao pé da Acropole, onde não há manto de purpura para envolver os herois mas lama e bota de verdugos "- nazistas. FALA CLARICE LISPECTOR Houve antes uma luta sur– da entre o reporter e a ro– mancista. Nós queria.mos en– trevistá-la, e ela, sequiosa de noticias brasileiras, tentava a todo custo entrevistar-nos. · - E' verdade que Lúcio Cardoso abandonou a litera– tura e agora se dedicou ao cinema ? E os filmes . são bons ? Apareceu algum ta– lento novo nos últimos anos T Maliciosamente, alguém que estava ao nosso lado a infor– mou de que não tinham apa– recido talentos novos. Em compensação, varios talentos velhos tinham desaparecido. Clarice Lispector estava a– larmada com a crise eó!~ -vinte vezes. MOVIETONE DE UMA ROMANCISTA IndagamO!-lhe quais os seus llvroa preferidos. - Para dizer a :verdade, não tenho livros preferidos, e, mesmo que os tivesse, não me lembraria deles agora, pois estou completamente transtornada com a viagem. - Qual a sua leitura pre– ferida? - Prefiro ler ensaios. ~camos-lhe que o grande poeta Ungaretti, que allá.s tra– duziu varios capítulos de seu livro de estréia para o ita– liano, recentemente a evocou em entrevista famosa. - Eu li a entrevista - fol a -sua resposta. Clarice Lispector informa ainda que esteve na França e na Espanha, e desses luga– res mandou varios postais pa– ra amigos brasileiros, que aliás não os receberam. Finalizando, ela diz que vai passar uns três anos no Bra– sil. - 9ual a sua maior preo– cupaçao literãria mste Jmo• mento? , - Não é literária: quero arranjar um apartamento, O reporter atalha: - Então é literária, pois você não vai encontrar a.par• tamento algum. - Creio que terminarei en~ ~rando-o. Aliãs, já me disseram que sai mais barato O)mprar um do que alugá-lo. Entretanto, ainda sneney nos anuncia: ~sim,· a Grecia há de ser uma ruina. Mas todes os seus fragmentos ·se unirao, novamentv, :Voltarão a erguer-se, inexpug_náveis"•.. Ele nos fala da música alcionica em que se ergue- . rão unidos 'Os heroicos e vivos fragmentos. O povo so– prará com a sua imortalidade a "vã espuma do tempo". a vã espuma dos .despotas e dos assassinos. E., quahdo O!, libertadqres _descerem das montanhas como torren– tes de aurora, não haverá dúvidas de Hamlet, não ha– verá dilemas, não haverá necessidade de fantasmas pa– ra reclamar vingança. UMA _MULHER (Conclusão da 1.• pãg.) lho vinha' recilmlr. Mas só re– dimia a mãe. O pai eia ut., comparsa, a paternidade um acidente. Os homens que, em seus livros, pelo menos nos que li, se interessam pelas crianças, lhes dão afeição e amparo, raramente são os que as geraram, mas um pa– drasto, um tio, um amigo da familia. E também eles não se sentem felizes, também a eles muita coisa falta; ama– vam mais do que eram ama– dos, mas esse amor não os satisfazia. Ficavam, por con– seguinte, sem salvação possi– veI.· Não havia, no esquema da redenção de Sigrid Und– set, lugar senão para as m.ães. . ora, que faria dos homens, nesse mundo exclusivamente feminino ? O absurdo -a que chegara não poderia deixar de perturbá-la. Ness·as con- dições, logicamente, tlnhl\ que procurar outra said_a a– lém da maternidade. E nem a teria compreendido de mo– do tão mistico se não fosse sua alma propensa à fé, se e sêde de absoluto não a de– vesse conduzir a Deus. As suas criaturas, tão infelizes, tão desamparadas, pediam, reclamavam uma providencia que as guiasse e recolhesse. Antes da conversão, já era crente Sigrid Undset. Apenas a sua divindade se encarnâ– va na criança ao colo da mãe - da mãe que, pelo cul– to da Virgem Maria, 11, -!aria. chegar ao catolicismo. E por este se resolvia o prolDlema do destino humano. Do destino eterno. Mas, na terra, só sob as feições de uma mu– lher curvada para um berço viu a felicidade. Não a ten. alcançado?
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