Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1949

s· UP·l E t-:---------- ARl E Pará-Belém . . Vendo "nos jor11ais a noti– cia da morte de Sigrid ,Un– dset, lembro-me de seus U– ;vros, lidos há muito tempo, e idos quais me ficou, muito ni• ,tiaa, uma impressão contra– pltória .de alegria e tristeza, de luz e sombra, . Há neles ,toda a graça inesperada da primavera nórdica, o ar fres– ,co, lavado, onde ainda se sen– ~m uns longes de neve, toda a. calma da mocidade da na– :tureza, e, ·contrastando com ~la, toda a agitação, -toda a 'Vibração, toda a angústia da mocidade hümana . São por ~sso, se bem me recordo, ví– ivos e dolorosos. Pensando nela, percebo que ignoro quase tudo da sua vi– da. E uma pergunta me vem: Iterá tido filhos ? De · breves notas lidas aqui e ali a seu lrespeito, ficaram-me tão sõ~ tmmite ifi,formações lacônicas sobre o seu pendor para as 11>esquisas históricas, incutido provavelmente pelo pat, ar– queólogo, sobre a inquietação religiosa que a levuu a ,tor– lllar-se católica, - de luterana que era, sobre a sua atitude Í !firme nas duas guerras euro– péias . Sei ainda que morreu r aos sessenta e oito anos, ten- do publicado com vinte o pr1- impressão muiÍb 1orté: a d~ ter tido contacto com um;i das escritoras mais . femininas que já éxistiram . O seu de– poimento, tão pungente, tão sincero e direto, é um depoi-: menta de mulher. Não pelas caracteristicas geralmente atri'!' buidas ao nosso sexo, que ne– la não se encontram de modo. e.11pecial nem a doçura nem a finura nem o sentimental!s• mo que nos concedem como qualidades e não passem de defeitos mais ou menos dis• faf98,(IOS, Ao contrário, nãi;> bá nada de frágil nessa roman- . melro romance, que é exten– sa a sua obra - pertq de ·trlnta livros - e que recebeu o prêmio Nobel. Como vêem, · é pouco, muito pouco, J?or outro lado, · só a li - naturalmente, pois nunca me ,-J,entaria a difícil extravagân– cia de estudar norueguês - . em traduções francesas ou in– glesas, e livro traduzido é, 1 quase sempre, como fotogra- , fia: conserva. os traços essen– sciais, mas, por muito fiel que se~. não reproduz os detalhes •mais r eveladores, os que me– 'fuor permitem buscar; através •~a obra, os indicias do autor. ~iro como ao retrato faltam \.e> colorido, o gesto, a voz, à 1 .d:radução, falta o estilo, que é a marca mais pessoai, a re– »velar o feitio do escritor pelo !aitmo da frasl!, pela pontua- ~ -~ão, pela escolha de palavras ais brllbantes ou mais ba– as, mais ex;pre.sslvas ou mais ,jSUgestivas. Além disso, não =. creio que haj~m sido vertidos ra llnguas mais accessivels I os os seus romances. U , em inglês o seu grande trq,– - } ~ltl.co histórico, Krlstin La- ~_,naDlldatter, em francês dois ·iromances, Printemps..e Jenny, e um volume de contos, cha– se não me engano, heurewr. E' . tambépl ouco, muito pouco. · ( ·Por que• então, a,o sabê-la m.ort,a, subitamente me 1nte– sso por verificar· se teve fi– os ? E' que_, embora não tt- e com ela maiores apro- . .1 1 j· -------.:.------~" . . /UTERATU~A Domingo. 31 de Julho de 1949 N. 0 129 sua ·fé, da sua conversão a.atará porventura a maior -di· Uma Mulh catolicismo, Por isso é que :terença entre . homens e mu- er indaguei de mim mesma, ~em lheres, diferença que não di– . poder responder, se tivera fi- minui a liberdade por estas • ., lhos. Se não os teve, apesar conseguida nos últimos tem– . de toda a sua glória l!terá- pos . Na Escandinávia, onde ria; ficou truncado õ seu des- as moças gozam - · ou so- LUCIA MIGUEL PEREIRA (Copyright E.. S. 1., com exclusividade para~ a FOLHA DO NORTE, neste Estado) cista que obriga a pensar, nina, feminina por todas as que vai corajosamente ao ralzes ao ser~ é a sua com– fundo dos problemas. O que preensão da maternidade, que me parece int~lramente temi-talvez esteja até na base da tino, não se realizou comple- frem - há muito das prer- tamente. · · roga tivas nos outros países Creio que foi Anatole 11,té poucos al'los atrás só con- France quem disse não ser cedidas aos rapazes, Sigrid culpa dos homens se as mu- UI)dset nos mostrou a vida lheres · introduziam o abso- feminina girando em torno de luto no amor . pe fato, na 1,lJil eixo único: o amor . Urn maneira relativa ou absoluta , ám-0r absoluto, a revelai, nas pela qual encaram o senti- raiparigas livres, de realizarem menta que mais os une, es- todas as experiências, um an- seio oculto: a maternidade. Uma de suas heroínas só .;;e aquieta quando toma um so– brinho para criar; a crianç:i. •enche o vazio da sua existên, cia de mulher casada e sem filhos, ensina-a a apreciar e, • marido, Outra, que acaba se suicidando, só tem, embora fosse pintora de ~lento e mu- .... lher bonita, d.i&putada por vá– rios homens, um momento de plenitude, quando lhe nasceu um .filho, que logo morre. E ainda outra, que perde t&m– liém o filho, dá a própria vi• da para salvar um menino, e com esse sacrifício conhece afinal a felicidade. Sem a maternidade, a vida é um.a. agitação vã para as mulheres de Sig,rid Undset; e -os ho– mens que amam são apenas, sem que muitas vezes elas mesmas o percepem, meios de chegar ao filho. O absoluto que põem no amor é o ab– soluto da maternidade, isto é, ô.a abnegação, do esquecimen– to de si, do dever aceito co– mo o supremo bem . E' o,sen– tldo da vida, o único que lhe reconhece até a sua conver– são, essa mística da materni• dade. Digo a,té íl- conversão porque em Kristin Lavransdatter es– cri•to depois ·que se fez -cató– lica, o amor pelo filho é su– perado pela fé. Aliás, i!SS0 romamce histórico, em que evoca uma Noruega medie– val, por conseguinte católica, , é, segundo me lembro, · mais pacificado, menos tenso do que os que escreveu na mo– cidade. Guardo a impressão ~ belas páginas, ·mas não da– quela emoção penetrante que . há em Jenny. Mas não falei do livro para M)reciá-lo em sl mesmo, e nem podê.ria fa– zê-lo, já que não o possuo • mais, e sim para marcar as diferenças entre a escritora antes e· depois da conversão, E para mostrar por que jul• go haver sido a su·a fé pelo menos em parte determinada, ou melhor, facilitada, pela concepção da maternidade co– mo o fim supremo .da vida e o resga,te por excelencia dos pecados do amor. :idmaçõe.s e9Plrituals, embora .e -o ª inclulsse entre os meus Dust ra9iío de Santa Rosa para "Crime e Castigo", cu J"a edição tnte---1 vai set public.ada pela Li'VJ'aria José tores prediletos, conservára, ...- leitura de seus livros, uma Olympio, nas Obras Completa s de Dostoievski Cem efeito, sente-se que sempre encarou o amor f isi– oo como um pecado, que o fi• (Continúa na a.• pág,) - -•\ Pe~guntais-ine, _senhora, qual o maior poeta do sé- _ A rado. o maior poeta do século, minha senhora, é Walt· ~ulo, c~mo se eu tivesse pod.~res para dizer tanto. Con- i/r1RON IIT1A Disney, e em poucas palavras ninguém estaria apto pa- t udo, ja que em vossa carta me inthnais a responder de '-1 '-1 ra dizer o quanto esse homem tem feito em pról da: ,gualquer forma, eu não poderia deixar de pronunciar- ~ Poesia, na Austrália, na Africa, no Rio, em . todos os i~e. e se o faço tão pressurosamente me anima a cer- · t!Ontlnentes, paises ou cidades do universo. Basta que ~ a d~ que t.. mb.ém o conheceis e o admirais. R. E s ·p o s T.A h~ja um simples 'cineminba de suburbio, para que a • Creio mesmo que muito deveis a essa criatur.a dis- · . humanidade abra os olhos e assista a .essa generosa ~ti _que, ta1Vf!2! sem o saber, é O maior poeta do sécu- . . mensagem de um poeta que é a chave de todas as in- lrs ..L~ ~ '! ~ortals, em qualquer parte· do mundo, A' u s h fancias, e que desperta e desenvolve nas· criaturas esse ~bém o admiram, a esse grande poeta sempre co- ma e n o ra lirismo Imanente misturado ao próprio ar que se respl• ~ uni~~vel, !!ue apresenta aos· olhos da humanidade o , · , · ra . rli.u clima person~~o, em que todaa as cores com– recem, e todos os ritmos, e todas as situações . E em poE.mas há belas h18tórias, e músic:.,, e principal– ente s, dimensão _mágica que abre aá mll portas da ·.evasão, . conduzindo o espectador para esse admirável ~minio onde tudo acontece, onde o lmpossivel é possi– el, onde a paisagem é sinônimo de alegria . Como os grandes poetas, ele· planta no coração dos llomens e das mulheres a semente da Poesia, chaman– .,, o a atenção do mundo para a verdadeira significação âos objetos, quando inflnltamente contempladop, e pa~ 08 sim.bolos que são as ver dades das . fáb-.µas , e para a r ealidade que está acima das realidades particulares. ~ Diante de um.a obra qualquer desse grande poeta, as pessoas mais diferentes, desde as .crianças aos ve– n,,os, sentem-se tocadas pelo mistério, melhor fôra dizer L:tDOIVO acordadas de um envolvente sono rot1neiro . No espaço de um minuto, o mundo se transfigura - as árvores correm como se possulssem pés, as florestas criam asas e voam, a ordem dos mares se· subordina à conveniên– cia dos aventureiros, as flores contemplam o cair da t .ll'de, os antipáti<;os são vencidos pelos ,simpáticos, os tijolos se levantam e disciplinam para construir as ca– sas, os irracionais agem como se fO&Bem criaturas hu– manas, e o amor termina justificando todas essas con– TUlsões e metamorfoses . Essa ligeira concretização de absurdos já estará ln-· ti:lgando à mlilslvlata, que tem o dtrelk, de exclamar: "Mos isso é coisa de desenho animado!" E não terá er- Portanto, minha senhora, a vossa pergunta não :foi dificil, como pareceria à prlmeil'a vista . Era clara como água, clara e confiante como uma imag~m de ,Walt Dispey onde aliás é domingo eternamente, e al– tas janelas de persianas verdes se abrem para a infan- eia . E seja-me permitido esclarecer-vos que, em vossa repulsa à poesia moderna, não tendes nenhuma razão. Els o verso que tanto vos espantou, levando-vos a inda• gar-vos se nele hã poesia: O nnto lennta a saia das ánores. Transplantando para o território do desenho ani– mado, esse verso vos comoveria, e a todas as criaturas. Quem não terá sentido a .brisá da poesia perpassar pelo rosto, quando o maior poeta do mUl'l6o dota a.s árvora de saias e joga sobre elas a. aragem do lmJ)0881.vel ?

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