Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1949
U P ·L EM E N T .O ~------- ,. ________ LITERATURA ... NUM. 110 BELÉM~P AR.A Dominqo. 23 de janeiro de 1949 ________________________;________:_·---~-r~.....;·----------------•--------=-------------------- A ·slGNIFIC-AÇAO. [ITERARIA DO '~JOUR~Alt O Joa.mal, de· André Gíde, conclusão que se tira do f mais do que o di~io de Journal - a de que Gide é, ~ homem de letra-s, ~• um antes de tudo, um . critico, frer, eiro prefácio à obra li- Critico da socie.iáde, não lhe lerâ1i a do escritor 'francês. perdoando seu artificialismo, Jfm prefácio para a sua obra suas "maneiras", sua mo1:a.J. it uma interpretação de sua seus costumes, suas leis con– ~ida, porque este Joaraat trárias à realjdade (2);. crifi- 11ontém, ao mesmo tempo, e co da . literatura, não supor– Integralmente, o artista e· o tando seus falsos conoeito.s, llomem. A confissio, a !'des- suas idéias errôneas, suas E rga", como dizem os psica• contratações, seus medalhões, li.stas, é uma necessidade de todos os tempos; Cll'itico reprimível para :André Gi- de si mesmo, dotado de ex• .-ie. Os enigmas dos seus li• ti·aordinária capacidade de '"ffo.s .e a "anormalidade" de auto xame, procurando, ·t.al – ,ua vida (entendida essa pa- vez, justificar-se, mas levan– lavra nos - seus dois sen1idos), do, em todo caso, até à mi• 'itomente pelo Jovnal podem • núcia o cuidado de deixar. es– ifer e:11clarecidos, ou, pelo J!le• ·clarecida sua posição st~re– ~6S, mterpretados. E' por ISSO mamente individualista e "a• .111ue André Gld~ _se constituiu normal". (3) Esta palavra ilo m~hor critico de suas no caso de Gide, não deve '1ibras . ser entendida tanto em seu DE ANDRÉ GIDE .,, 1 WILSON MARTINS (C®yrirM E. S. 1., eom exclasivitla41e JIM'a a FOLHA DO NORTE, neste ~o) sua obra, apenas a julga- \ um espírito único por força mento. E como se trata de de .sua prõllria c<instituição, temoe fecilado rnais um ca.- colas" e tendo ol'iginado um m1nho para o julgamento, que grupo Di;;I}1ercso de "discipu– se nutre, indispensàvelmente, los" mais ou menos fiéis ao da comparação. André Gide que parece a Ma r~lldad~>. é col}lo aquele artista da ima- André Gide -obriga a que to"'. gem de Picasso, colocádo en-. das as palavras tenham um <tre dois espelhos pàralelos, duplo sentido quando se lhe .iue lhe reproduzem a figw'a refiram. Protestante - não -úma série i-n.finita de ve:us. tanto pela 81gnilicagão reli– Vêm os críticos com os seus giosa da palavra, mas prin~ . "julgamentos" <Massis (} e clpalmente por atitude espi– enganam-se, vendo di~rsas ritual. Inconformado - não imagens e tomando-se por apenas por repi:diar a "atual" realidades diferentes e autô- realidade. (5) Iudividualista nomas, quando. ao contrário, - mas individualista por for– trata-se, sempre, de um mes- ça d.e personalidade, e não mo artista, vtsto em momen- por acidente. Solitário. - tos e em ângulos diferentes. acima de tudo um solitário, Não amei bastante meu semelhante. não catei.o verme nem tirei a sarna. Só proferi algumas-palavras, melodiosas, tarde, ao voltar da festa. O Journal dá-nos "t:ma per- porque se afastou de todos os :feita idéia do quanto falharam homens, (6) muito embora o C>S "julgamentos" de André - enigma Homem e.eja o que Gíde. Ele mesmo - sendo mais o- interessa ... (7). :fundamentalmente critico - · jamais profere um julgamen- Gide assumiu diante da ' Aliás, a Pos1çao funda.men– tal de Gide é a de critico. !Lembremo-nos do cuid'.ado ,om que procura, no Jomnal, ie:xpllcar as intenções de cada 111ma de suas obras, o desgos• ' Ao que lhe causam as incom– ' !l)l'eensões e os desvios da cri– llica . Nesse particular, Gide ,iproxima-ae de Bernard Shaw ctão diferente e até antagô• 'mco dele em tantos outros sentido clinico, como no seu sentido gramatical, porq-Ge somente nesta ela é iJlteira• mente justa, ou, pelo menos, somente neste ela se apro:ri• ma suficientemente da rea– lidade. Essa critiea - uma inter– pretação. André Gide é 1ne– gàvelmente· um autor que so– mente tolera as interpreta• ções. Bem ou mal -orienta– das, felizes ou infelizes, não . ~ Dei sem dar e beijei sem beijo. (Cego é talvez quem esconde os oThos em baixo do catre). ·E na meia-luz tesouros fanam-se, os mai; excelente.s. - to, dos outros ou de si mes- vida a atitude do artista mo. Procura incansávelmente pi:ro, daquele que superpôs à Interpretar as diversas reali- realidade evidente uma reali– dades, que não são menos dade ideal, daquele que des– verdadeires que a Realida- prezou o que é pelo que deve– de, póis o qt:.e varia em cada ria ser. Daí a importancia do caso é apenas o observador e Joumal, pelas pc,ssibilidades o ponto. de observação em que que nos oferece de chegar a se coloca. O que é verdade uma interpretação PoSSivel de 1ambém em astronomia. André Gide embora guiado! :?<:tos> Pois o aut<i- de · Man a.nd superman_ também A dificuldade maior de An- pela s:ua mão e pelos esclare– dré Gide estã em que ele exi- cimentos q l!e ele J>róprio nos ge, ao mesmo tempo, do in- adianta . lle<:a,;sit.a "explicar" tµdo o r ' Jl.l\'.e esu-eve. por meio. d~s· ~os prelãcios, dos mdis· l>ensáveis prefácios, q u e ia,companham todas as _suas l)eças. Apenas cQ.m a di!e– •ença de ql!e Bernard Shaw . faz a interpretação aconipa- 1 Ilhar a peça, entrega-as am• ! l>as conjuntamente ao estudo do leitor, ao passo que Gide 1 ,iõmente pelo Joqmal pode eer conhecido inteiramente, eõmente no JoUfllal se con– ile&sQ e confessa st:.as ·inten– tões, (1). . A primeira · e maiB forte importa - apenas uma inter• D h pretação pode nutrir a .velei- o que restou, como compor um omem dade de se aproximar do au- e tudo q·ue ele implica de suave, tor das Incidences. Esta pa• lavra é, . por certo, um sim- de concordâncias vegetais, murmurios bolo. Indice do sentido de um d d ? espirito que •não quer ser de riso, entreg~, amor e pie a e . . conduzido por fórmulas, ppr · idéias feitas, por "processos", mas procura surpreender e>s reflexos -da verdade sem es– forço.e; dos figu1,adc»res, es– pontaneaiyente, tal como ela pode ser encontrada. Por outro lado, há uma im.– po~ibilldade total de se "jtà• gar" André Gide, porque não .se1· v.i.rá para ele, nem para a Nã~ amei bastante sequer à mim mesmo, contudd próximo. Não amei ninguém. Salvo aquele pássaro - vinha azul e doido - que se esfacelou na asa do avião., CARLOS DRUMMOND DE AND.RADE 1érprete, duas atitudes abso– lutamente contraditórias. Por– ~ue, não existindo um. mas '\'ál'i" André Gide, dentro de uma personalidade única, te– mós que encará-lo .simt:ltâ– neamente sob esses dois as– pectos - o que se transfor– ma. numa impossibilidade ma– terial para a critica. A posi• ção espiritual ' de Gide carac– teriza -se pelos adjetivos que indicam completa dJ.s.sidência de todos os· quadr-os . de valo- ' res: sólitário, inqivid.úalista, inconforma.do , protestante. Hostil a todos os agrupamen– tos li_terãrios- &. ,politicQS, <•) orgamcamente avesso às "es- . •-, . . • ,...,·ande livro, livro de um 1n tre", diz no prefácio de •-1n,g1eses no Brasil" esse ou– ~º mestre que é Otávio Tar– !IJuinio de Sousa. E diante de ~l afirmativa, !eita por tal 11mtoridade, ·bastaria ao pob1·e iOiabo como. nós CUTvar-se e ltdmirar também. Acontece, crém, tanto com este últi- s:~!!i~::;~t~;t:i~ o· EGIL 8E.R-T, o· --F R r::, ... Y_-- Rli ~ de divulgador, sendo, _ . ... ~ -· . .... . tomo diz ainda Tarquínio,· "-Ob :ati de sociólogo e histo- bém ê verdade ·que G.. J'. ':'JH.r~ã nesse livro uma t'iador social", gozam da sin- cria para as auas obras uma JlACHEL DE QUEIROZ . qu.alf~e ··que eu gostaria de ~lar qualida-<le de atrairem atmosfera de romance, ~do asi!inalai; · e que parece faz arem desfaleci,mento o interesse viwi, cor e ,:entido humano (Cepyrip• E . s. J., eem e,s:clusivicla4e i,ara a l'OLBA DO parte espeçitica das virtudes -19 leigo, que lhes bebe as pala~. âs figuras que evoca, melhor , · . do sociólogo: ê o equilibrio, i'ri'aS do começo ao fim, intei• do que qualquer autor de no- · NOBTE, neeee Estado) a serenidade, a julltiça objeti- l'amente capacitado da impor• vela histórica, recria ante va e sem pai~o .eom que G. !&;lncia e da beleza do que lê. nossos olhos um tempo, Uin Gilberto, perece que 08 esta- Iudós e as gases do . oriente F .. di&eute os aspectos bons Talvez seja por isso, por ambiente, uma sociedade, mos a. ver, nos seus armazens · e os seus pratos da ChJna ê · e m-a114 dessa quase ocupação, ~e sentimento de interesse e usando amplamente os seus lajead06, vendendo ferro, · lou- os seus cheiro.e; da India em dessa legítima colo~ão que i1curiosidade pelo "enrêdo" dos poderes de · artista e como ar- ça, vinho e bacalhau,· verme- troca ~ eambralas e das lãs nós_ sofremos ~os ingleses ..;.. eeus livros que Gilberto sa- tista nos interessando e apai• lhos e auarentos, ãvido.s de de xadrez da Ing·laterr-" e da e nao ~ exan.êro na palavra• idamente desperta no leitor Iss já t ..., :t té isso ~- '' ,comum, -que O ilustre pr_efa- :xonando. o acon eceu lucro, mas sem nunca . se louça inglesa e da água de al- ramos a J>1;or que ,_.,.a- desde "Casa Grande e Senza- a.fastarem de todo - de uma fazema. E aprendendo tam- mos a bem dizer a colonia de riador toma o •cuidado de nos la", . e "Sobrados e Mocam- certa linha missioneira• carac- bém a exigir um pouco mais ~ colonfa, que outra _coisa . advertir que deve ser afasta- bos", aco11teceu com o "En• teristica da sua raça· obstina; de liberdade, a frequentar os nao era Portugal dos _1ngle- àa " l!alquer tentação de li• genheiro Fran('á" e aconte• . dos em manter nesta terra c?légios .que 88 misses brita- BeS. depots dos . desastrad_?S ~~te ~~u~m~ d~ec::J'~: ce 84l'Ora particularmente ~ta não só a predoaninio rucas abriram nas grandes ci- tratados que assmou, senao . · a;a interpretação sociológica, com estes "Ingleses no Bra.• da mercadori;l inglesa: como dades, onde se ensinavam a- colonia, e bem explorada. E caráter de romance, de o'bra sil". Cá os temos, na evoca- - das instituiçôes inglesas, e lém da .costura e do bordado assim, é dificil ·fugir do res– de imaginação". creio que ção magistral, _pintados com principalmente obstinado em e do ler e e,;crever, geografia, sentimento, p t incipalmente 'õesse perigo estã livre todo ~o de pintor consumado, tão manter as suas prerr-0gativas história e aritmética e a-té Quando se lê o Capitulo m aquele que ler do· começo ao v1v_os como o eram- 1:}0 tem- de ariano e de britanico, os mesmo rudimentOII de· lingua de '\InglU8$ no Brasil" r e- ~m 06 "Ingleses", Porque a . po em qi;.e por aq!"- and9:• se\UI juízes, a sua língua, os inglesa. , . clteado de documentos o1'ici· documentação que terã :sob os • ram, esses aventureiros br1• seus pr-ivilégios, o seu protes- 11is tr~d-Os entre cônsules ()Jihos é tão abundante, as afir- 'tânicos doo . tempos coloniais, tantismo e o seu assado de Tudo ~o. toda essa gente ingleses e autoridades brasi• mações do rociólog'o são tão esses marujos, esses donos de carneiro. E ~os. também, a palpita e existe nas páginas. leir.as : a insolência desses re– am.paradas de fatos e doeu- loja e cáixeíros, com suas fra• velha socleda-de JJativa coai- . de Gilber.to Freyre; não são presentantes do leão britâni• mentos tão pouco passiveis de quezas e suas virtudes, sua temporanea • desses ingleses, esquemas de sábio, são cria• co em terra nossa, o desafô• d iscussão e interPretação di- capâcidade, · sua consciência Qbesa e pregutçosa, fazendo ções, são gente viva. E vivo ro daqueles privilégios que ver a - anúncios de jornal, protestante, sua noção já fir- tltdo pela lnáo de mucamas o mundo em que eles anda- se _arrogavanf - e nós lhes -0ficios de cônsules, memórias me de que carrega "o fardo e moleques, os gordos ·senho• raro, 11<1Uele Rio, aquele Re- concedíamos de mão beijada de viajantes da época, etc., do homem branco" nas ter- res de engenho se habituan- cite, aquela Bahia de hã cem, - aqueles juizes .conservado– ~ue p ão descobrirá ·uma . bre- r as mestiças .e idólatras da do ao "sberry" inglês, às fer- duzentos ou trezentog anos, res, aquelas prerrogativa&, a aba para nela situar fanta- . América, mcito antes que ragens inglesas e às ideias-dos tão reais e autênticos como quelea direitos de extra-terri• isias de ficcionista. Kippling criasse o "slogan" e ingleses., as 1·oliça.s ia.lãs · a- no tempo da sua vida de ear- torialidade. Faz a gente com• • Mas, ~e isso t yerdade, tam- .o ~ele\?ra.sSil~' Euroicad~,ji :2-0..t tan!ionanllo Q1 !eti.nA e oe ye- ne,_ pre~nder um pouco, na nos- l) ~- 5iio foi le quem cl.ela– tou algw:ff - • J'oun,ar que e,._ cre'ria: -.penas par& oe que a– ten<lem. as melu-palanaa? 2) - •commelli ne -pu s;e. Mil- . Hr lnlli-ridualiate puml lu C'Oll• "t'enticm!il cl'Wle sóctét6 bgurgeói- ae.?" ~ . . 2) - "Oser 6tre sol. 11 faul le soull9ner a-1 d11n11 ma tê~e". 4} - "'.Jl'e me demande:& dono de fa.ire putle d'uu Puti". $) - "Le DIOIMl.e ré«l me de– ~ touJoun. un pea fa11iu- .tif(llll • ' . 1)- - '"La PffADCe clH aulrff - HH blentô lns\lppodable..:·. 7) - "L 'llomme est Pl'VI in– tér.-.nt que lH llOfflmes: q'fft lul et aon PIIII eux 41ue Dieu • feü • 90D ima.ge" • u earne e no no..'iSO san.,."Ue ~ que é ser javanês, ·ser inflú ou ser cbinês, ser tratado como · nativo por esses bran• -COIS que aqul viviam e enri• .queciam mas não se sujeita~ vam às ll06S83 leis, e ainda ,;e arrogavam o ·direito de ,nos ditar normas, e nos tis– ·~luar a vida política sem ,ao menos um &imulacro de l'e.!l)eito por ~sta aparência de sooerania que hoje afinal conquistamos. Gilberto, entretanto, sendo ele próprio tão profundamen- te brasileiro, sentindo tão for– te a $11a qualidade de nativo em terra colonizada, não se deixa nem uma vez arreba– tar pela paixão naf;lvista. Nem uma vez se empana o seu ôlho . frio .de observador, nan lhe sai da mão a balança que pesa o bem e o mal de tudo - e afinal, tiradas todas as diferenças, termina apurando que fe,z mais bem do que tµal essa Inrga influência brit.M,i– ca na vida em forma~•-:110 Brasil. E com habilida(je ad.;. miráv-el vai ap0.gando • ,tárn-– bém o nosso ressenti°'~fip. / mostrapdo-nos o ente b1;i.n\á– no que há · sempre P:Or detr.ás do ·negocianté atrevido, do in– solente funcionário · consular, da i:n,gles.a fechada e seca re– tirada na sua -chácara de su– búrbio. E acabamos por sen– t ir até uma esJ)kie de ca– rinho por essa gent& 'cheia de fraquezas como nós dona de muitas virtudes também, cu– jos êrros pr®inham princi– palmente das vantagens ex– cepcionais que aqui lhes con– cediam os nosso~ amos· e cu– j as qualidades pessoal.,; e na-. clonais ·são tantas e tão apro– veitãveis. E, a acreditar em G\lberto Freyre, que tão úteiJS nos foram.
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