Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1949

,· MAH[U[S-REB[LO FAL ·moRE5 DA FOL __O, -~ Não Da Literatura No Brasil -- Alencar E Macedo: Doas , Ze ras·- o · Q.oe: Esta .F ltando .Ao Esc it . r aei--an -:~ A Fieeã r s·teir E . bit 193 E Os Novos Escritor §-f O G~upo Do. Para -A Palavra Do·. Grande RoDlancista: E Con t is t. â -- MARQUES .REBELO, POR OCASIÃO DE SUA PASSAGEM POR BELÉM EM COMPANHIA DO ESCRITOR F. PAULO MENDES E . .DESTE SUPLEMENTO ' DO ORIENTADOR Por ocasião de sua passagem por Belém, re– eenteme,;ite, Marques Rebelo foi ouvido por um eompanheiro ~osso, em entrevista exclusiva para os leitores deste SUPLEMENTO, que é a que se segue: - QUE PENSA DA LITERATURA NO BRASIL ? - ?l!ão há literatura no Brasil, com as caracterlsticas c,.ue determinam uma literatura. Porque não há ainda uma caltura brasileira, não temos ainda. nem mesmo uma política brasileira, o que seria a manifestação fu.ndamental da exis– t!)ooi~ de uma cultura nossa. E literatura, é. a suprema ex- 1,1,essao de uma cultura. Ao nosso panorama literário faltam t.& mais comezJnhos princípios de direção e continuidade. A líteratura brasileira viveu, até bem pouco tempo, de algumas e poucas vozes isoladas, em ligação muito· precisa com a terra, frutos de um pensamento de elite embebido em cultu– ras estranhas. Essa,s vozes, felizmente, literárias ou politi~as lançaram os primeiros passos para as ·possi-bilídades de urná cultura própria. Na literatura tivemos três grandes valores no pa.ssado, que IJlUitO . pouca influência exerceram entre si: Ma– nuel Antonio de Almeida, ·Raul Pompeia e Machado de As– sis. Manuel de Almeida, um precursor inconsciente ·do mb– vimento naturalistico que a Europa dêu ao mundo, adivi– nhou, portanto, o caminho da boa literatufà, ·num momento em que duas zebras infeccionavam. as nossas incipientes le– tras: Alencar e Macedo. O primero, com um indianismo de opereta, saturado do pior chateaubrianismo, e Macedo. um cronista mundano de infima qualidade, mas que era a co– queluche das senhoritas e senhoras analfabetas ·do Império. Raul Pompeia já representa uma orientação evidente, seu na– turalismo é produto de sensata aJ)licação de princlipios estéticos que se universalizavam pelo entusiasmo de um grupo de van– guarda na Europa. Machado de Assis vôou mais alto, -e nem agora nem tão cedo, outra figura poderá chegar-lhe' aos pés·. O m-ecanismo que determina a sua importancia é quase 111- glês. Sua característica principal, o humor, era e é qualidade. um pouco brasileira. Esses vultos, nenhuma importa,ncia ti– veram no seu tempo -- de gosto estétiéo tão primário, em que um Garcia Redondo chegava a ser considerado escritor - e somente a partir de 30, enquanto a massa, ou melhor, a média de leitores brasileiros, contando entre ·eles ·a maio- ria dos nossos escritores, mais considerados, continuavam fieis aos Alencares e Macedos, aqueles três vultos passaram a ser compreendidos e estimados, após uma grande revisão de valoi,es, determinada pela campanha "modernista" e pela conquista de uma consciência identificada com a terra. -QUE ESTA' FALTANDO AO ESCRITOR BRASILEI- B}? . - Falta meio 11ara produzir, meio estimulante. Somos um pds sem biblioteca, sem . museus, sem revistas sérias, em que os problemas culturais quase são suspeitos casos de po; licia. O meio ainda não concebeu a existência do artista. Só quando uma largueza economiéa baixar sobre todo o pais, poderemos ter disponibilidades capazes de criar um ambien– te favoravel ao desenvolvimento de todos os element9s que · constituem uma cultm·a em marcha, segura das realidad·es da sua terra e sensível aos movimentos universais. O que é ad– miravel é o esforço singular de alguns arti,stas nossos em procurarem, em tão · adverso deserto. deixar uma sacrificada contribuição de energia criadora e de esperança no pensa– mento brasileiro. quando o Brasil acompanhava, como pais sub-colonial. as ín J fluencias polHlcas dominantes em grandes nações europeias .. ; E a nossa politica quebrou o fio de progressão e a literatura 1 se perdeu, esperando por um momento melhor, quando pu- ~ desse retomar a sua linha evolutiva. Não se viu durante 10 anos, nenhum progresso, e a nossa literatura foi mantida- pe-i los mesmos escritores que tinham dado de 30 à 36 tão belo: impulso a ela. Nenhum movimento novo sacudiu o pensa- · mento. art!stico: Os escritores valiosos que s•1rgiram voltara~ a ser, como outrora, vultos isolados, como Ciro dos Anjos', J. Guimarães Rosa, Mutilo Rubião e Lêdo Ivo. Uma lite– ràtura seria, mas cautelosa. Com o advento de n-0nnalidades L.,oliticas, haverá, naturalmente, a possibilidade de wn mo– Amento que reate o fio de 30. E nós· já estamos vendo as ma- nifestações dessa ação com a formação de grupos de jovens em todas as la.titudes . do Brasil, congregando-se em revistas e procurando lançar através delas seus manifestos estéticos. Se até agora o que fizeram não tem uma importancia maior., não há que desesperançar. E a essa nova g'eraçã-0, ou gera.~. ções, caberá abrir o caminho para uma nova revisão de valo... res, na qual a geração de 3Q ficará muito sacrificada, como · é da história de toda a evolução estética. _ -QUE PENSA DO SIGNIFICADO DA FICÇÃO BRA- - PARTICULARMENTE, QUE PENSA voei;: DA CIIA-t : SILEffiA EM 1930 E SUA RELAÇA.O COM O MOVIMEN- MADA GERAÇÃO N(}.VISSIMA? TO LITERARIO ATUAL? - Não a combato nem a aplaudo, compreend-0-a como , - Em 1930 os acontecimentos politic·os e um acelera- manifestação inelutável da vida, e na medida das minha~ 1 mento no ritmo economico do pais permitiram quase que forças procuro estimulá-la. Também não os julgo. Penso, imediatamente o aparecimento de -um grupo de artistas, em que a eles é que cabe opinar sobre mim e sobre a mipha ge- : quantidade e qualidade como jamais possuímos. Dava a im- ração. Com rela_ção ao . Parã. creio que está faltando um · pressão que o Brasil começava naquela ocasião. O artista grupo coeso em torno de uma_revista de estrita colabor.ação passou a olhar o chão que pisava, tirando dele os elementos local, que reflita uma orientação e que permita um contactei de uma· estéti~ que embora brasileira estariam _ligados aos mais direto com_ os grupos já fo_rm:ido~ _em quase todos º-1l principios eternos e universais da criação artística.. Tais va- ' Estados do Brasil. O Suplemento L1terano da FOLHA D_O. lores eram produto de um movimento quase subterrâneo inl- NORTE ~ excepci<;>n~l~ent~ bom, mas n~o tem a funç_ao uado em 22 com o movimento de arte moderna e que corria dessa revi~ta, que e mdispe,nsavel. Tem outra, e da maior µralelo, como não podia deixar de ser, com uma revolução importanc1a: trazer ao Para ~ pensamento dos valores_ m_als •<',{Ue se esboçava dentro do arcaico sistema politico, e que cul.- ponder!l-vels da llt!l~atura nac1on.a1 e as correntes de 1dé1a.s rrtinou com os sucessos .de 30. Nunca. o Brasil produziu tanto e movimentos estéticos estrangeiros, numa teirra em que_ ':l e .tã-0 bom, como em 30 a 36. Fundamentou-se nesses seis serviço de livrarias . e revis~:i-s culturais é bastante pre~á1'10. ~nos uma. compreensão do Brasil e um amor verdadeiro pelo ou melhor, quase nulo. Allas, se o grupo paraense nao se que é nosso, e que se refletiu pr1ncipàlmente n1:!s obras de forma e já, o Pará co_ntinuará ~m nenhóm valor, para _s~~ ficção . Infelizmente esse ritmo veio ser perturbado em 1937 mostrado fora, preso as suas glonas absolutamente locais ., · A ESTRELA SOBE Não conseguiu dormir Ouviu bater todas as ho: ras, em .todos os desencon– trados relógios· da vizi– nhança, na pequena e sêca sineta do quartel. Como era difícil viver r Como lJ.Ue eYa pressentia que cai- "(FR . a G"·M E. N ·T.O) Oliveira era cruel ! Como ria logo depois ! Mas co- .t'll mo ? Comó ? E o fim do o mundo era cruel! Como mês? Onde conseguiria di- . mais s~ lembraria dela. Ningu~m ! . . . Sentiu qual– quer coisa de terrível e in– justo - ninguém!... A vida dos homens passa co– mo uma sombra. Quem se lembrava do pai que era tão bom ? ·Quem se lem– brava da comadre? Nadá. restaria, um · dia, da sua passagem. Nada!... Olhou notívago, devagar, fuman– do, apreciando a madruga– da. Galos lançavam os seus cantos vibrantes. E ela contemplava o céu ..,.. faróis abertos, depois um passa um automóvel,. de o céu, o ·céu que não res~ ponde. Na rua silenciosa aquela paz, aquela miste– riosa e indevassável paz. Sentiu-se verdadeiramente mesquinha, insignificante, pobre· verme miserável e aflito, inutilmente . aflito 11,nte a grandeza eterna d~– quela paz . E os olhos, in- sensivelmente, se molha• ram, e as lágrimas rolaram pelo ::.-osto como um orva– lho tranquilo e purificante que viesse do céu. Sentiu-– se mais leve, mais desa-– fogada, mais lúcida, sentiu– se inocente como se tives– se nascido naquele instan– te. Uma luz se acendeu na; janela de um apartamen– .to longe. O coração vibrou: tocado por um sentimento generoso de solidariedade: tuao era sujo, insignifr- nheiro? Mas .precisava _co~·aJ~sa e hones~a ! Pela cante, atroz. . . E Oliveira romper _com Dulce. Olivei- prrme1ra vez sentiu verg~– tinha razão. O que lhe ra . •. A cabeça doia. Qua- -nha. c~ntemplou o perfil . doia mais era que Oliveira tro horas I Levantou-se adormecido - com~ a en– tinha razão . Ele que - era com ela como .queria. Não g~na_va !... E ~la ta_o boa, tão ruim ·como ela, tão pe- cautelosa pará não acor- tao mgenua, tao credula... cador como ela, é que ti- nha razão ! Como. caira ! dar a mãe. Dona, Manue- E se· sou~esse, um dia ? _! Como era frágil- a sua von- la, com as mãos cruzadas Nem queria pensar· Sacu'." tade, como era fraco o seu , sobre o peito, tinha a po.:. · diu a cabeça, como quem corpo ... P"recisava subir e sição dos mortos. Mas ron- espanta uma poeira que por isso se entregava à- cava pesadamente. O seu nos envergonha. Foi para tl'a, como ,coisa: morta é · peito farto subia e descia a janela. Uma: frialdade s001 ânimo. Dulce jogava num arfar igual, ritmado. agradável de madrugâda ~emia perder o pé, cortar • Daquele peito recebera · recebeu-a, úmida e sedati– tinha forças para reagir. o primeiro · calor, o _primei- va. O -céu estava de um a sua subida. E sentia que ro alimento, a primeira azul muito escuro, estrela– P!ecisava ter coragem, r~a- proteção. Por ela, aquele do. Nunca lhe pareceu tão gir, libertar-se de Dulce, peito padecera, batera-se, , imenso, tão infinito. Que mesmo que ·fosse uma vi... aniquilai-a-se, dia ~ dia. haveria lá para além das tóri~ . fictícia, uma vitória Sentiu vergonha - a mãe estrelas ? -Um arrepio per– fic~1~1a como todas :ti' s 11 ?,; sofrera, muito mais do que correu-lhe o corpo. O co– ~itór1as, mesmo que fosse ela, e através de todas as -ração b~teu-lhe com mais para cair logo deJ)ois. por- ·vicasitudes se mantivera intensidade - tinha mê- do da morte, do fatal ani– quilamento, da cova fria . E as estrelas brilhavam. E a via-láctea, ·era um cami– nho branco no céu. Pelo branco caminho é que as almas trilhavam. Pelo branco caminho, um dia, sua alma trilharia. . • O medo voltou. Mas voltou sem sobressaltá-la. Nem era ma.l.i medo, mlls unía comoção mansa, serena, duma serellidade de c11-nto religiosot de alma que en- . contr;1 . o infinito. Morrer ? Sim, morreria. Ficaria du– ra, muda, fria, imóvel, pa– ra sempre _fria e imóyel. Os seus pés, as suas mãos, os seus olhos, o s_e~ corpÇ>, um dia, desapareceriam ...consumidos .pela terra ine– xorável. Um dia, niÍlguém Que seria ? Talvez alguém: que sofresse. Talvez al• guém que estivesse ·enfer-; mo e que se sentisse piol!- e que pedisse auxilio. "J;al--:· vez alguém que a morte estivesse rondando. Talvez: alguém que. . . E num sô-: pro de vento, mais frio e, mais forte, que vinha . do mar com um cheiro de salsugem, chegou um choro. esfaimado de criança pe4 quena. .E seu co!aç_ão . s~ comprimiu num deseJo im- previsto de qualquer coisa: -– como aquele choroi ,que a fosse prolongando sobre a · 1;erra, . que lhe trouxesse ai llu~o da imortalidade. ·

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