Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1949

Domingo, 10 ele julho 'de 1949 . ..-.: :•~ FOLHA DO NORTf 3•, pág;'. • ~---------:---·----------------------------------------------------------------------- O conto e um gênero lite– r,irio que não conta com muitos representantes, não só ma literatura bra.sileira,__comu ~mbém na universal. o CONTO NA LITERATURA :ormaç.\o literária? - per– guntamos: - "Essa pergunta é de di– fícil e perigosa resposta, por– que o sujeito, sem querer, pode tomar um ar pedantes– co, dando como guia um gran– de astro e, nas suas pãginas, não mostrando nem um cen– tésimo de seu brilho. Se vo– cê faz questão que eu cite alguns dos escritores que in– fluiram na minha formação literária procurarei atendê– lo. A razão pela qual os inte- lectuais dão preferencia ao cos e cronistas exageraram um romance, à poesia, à . biogra- pouco os méritos do livro e tia, talvez resida na düicul- se ,esqueceram . de apontar– õade que o conto oferece pa- lhe as deficiências, o que ex– ra a realização de uma ver- plica, em parte, o sucesso ob– J}adeira obra prima no gê- tido. Depoimento Do Escritor Marques Re• belo - Nada E' Mais Dificil Do Que A Si-ntese - Há Imbecilidade E Ignorân– cia - Maupassant Foi O Inventor D:c tas, mas sim escritores 'que percebem que determinada matéria é um conto e não um romance". HA' 11\IBECILIDADE •_nero. Mesmo na literatura es- Entretanto, não se node ne- trangeira, podemos contar a gar que, no momento, o in– õedo os bons contistas. Além teresse pelo livro de contos é de Poe, Gorki, Tchécov, Mau- bem maior do qu,e há vinte passant, Andreiv e poucos . anos atrás, e o caso do estre– outros, que grandes nomes ante que, em pouco mais de · Poderia-mos citar ? Os con- um mês, viu sua coletânea tistas excepcionais são mais entrar para a segunda edição raros ainda. As dificuldades é bastante confortador. apresentadas pela síntese, Entre os melhores contistas aliadas à injustüicavel pre- do Brasil surge imedíatamen– venção dos editores contra os te Marque~ Reb,_clo, com a livros do genero têm feito vantagem de ter sido. se não com que os ficcionistas se de- nos enganamos. o criador do diquem, em sua maioria, ao moderno conto nacional, mé– ;romance, - bom produto pa- rito suficiente para situá-lo à ra o mercado de livros, prin- vanguarda dos nossos ficcio- cipalmente no BrasiL nistas de hoje. Na. literatura brasileira po- Publicando "O!lcarina", em füamos citar poucos contistas . 1!}31, Marques Rebelo iniciou de real m€rito, entre os vivos uma nova fa.se no gênero, e os mortos, além de Ma- entre nós, - abandonando a chado de Assis, Afonso Ari- anti~a e tra.dicional estrutu– no&. Alcântara, Machado, ra do conto ~ncerrado sempre i\'Valdomiro Silveira, Monteiro com "chavão -de ouro", e ar– Lobato, Aníbal Machado, mado em cenários, gritando ,"'Luís Jardim. E' verdade que de pan-tomina barata de· cir- 1_ há novos de valor que se vêm co de cavalhinhos. Marques firmando dia a 1ia no gêne- Rebelo patrocinou, no conto, ;ro, como Breno Accioly, Os- a. i!onia le~e: o ridiculo . sim• ; valdo Alves, Dias da Costa, pai1co. a tristeza tranquila. e :Miroel Silveira, Xavier Placer, reduziu-o a episóciios, a fla– "Joel Silveira e mais alguns. S?rantes de vida. - sem subi– ' Entretanto, os nossos cantis- das nem descidas, sem ira– :.t,as g2ralmente mudam de gê- gedias de final dé ato - , !llero, acabam como roman- usando em seus trabalhos es- cistas, como Breno Accioly, s~ farto _m;tterial episódico da .que anuncia "Dunas". Xa.- vida cotidiana com a leveza, vier Placer, que vai publicar a graç·a e a simplicidade que rtamibém um romance, Os- $Ó ao seu talento seria pos- f valdo Alves, que se estreou sível realizar. iClOm o romance "Um homem O contista natricio publicou 1 aentro do mundo", publicou ainda mai.s. ~ois volumes de , 111111 bom livro de contos e contos. "Tres ea.minhos", em :agora vai voltar ao gênero 1933. edição atualmente es– ~nterior, segundo se anuncia: gota.da e "Stela me abriu a ''Joel Silveira se dedica mais à porta". ·Em outros gêneros _:reportagem do que ao conto, e publicou "Marafa", "A estre– Miroel se entusiasmou deci- la sobe". romances, e a peça ·diõa.mente pelo teatro. "R.ua Alegre". Seja como fôr, apesar do E' justamente esse grande miosso p~queno número de con1ista mod erno que faz, ho– eont.is.tas, a verdade .: que o je, o seu depoimento sobre , --eonto vem encontrando me- o conto. , 11.hor ambiente à sua existên- NADA F.' MAi/~ nll<'TC:ll. DO c:ia como gênero literário de QUE A SINTESE e.ignificação em nossos dias. Marques Rebelo recebeu- Agora mesmo, há questão noo em sua residência em ôe pouco mais de um mês, Bota.fogo e, foteirado do nosso foi dado a público um volu- propósito d e entrevistá-lo, me de contos de um estrean- PÔs-se à nOiSsa di.~oosição. te e a edição se esgotou ime- Formulamos-lhe, então, a pri- âiatamente . melra pergunta: . E' verdade que certos críti- - Concorda com a afirma- Anedota Entrevista De ALMEIDA FISCHER ção de Georges Duhamel de que o conto é o mais difícil gênero literário ? - Perfeitamente - res– pondeu-nos o escritor. Eu me sinto suspeito para falar so– bre este assunto, pois co– mecei fazendo contos. Acho que é o mais difícil gênero literário porque nada ofere– ce mais dificuldadee, , em li- teratura, do que a síntese e só é grande escritor aquele que sabe sintetizar. O exem– plo prático disto é que há contos magnificas, verdadei– ras obras primas, mas são raríssimos os contistas de mé– rito excepcional, quando há numerosíssimos grandes ro– mancistas. Na minha opini– ão, não há reaimeftte contls- BIOGRAFIA- - ~ Marques Rebelo nasceu no Rio, (em Vila .Isabel), em 7 de janeiro de · 1907. Viveu par– ~ de sua infancia em Minas. Voltando ao Rio, ai fez o Curso Secundário e tentou estudar Me- . dicina, mas acabou cursando a Faculdade de Di– reito. Em 1927 foi sorteado para o Serviço Mili– tar. ·Regressando à vida civil, escreveu o conto "Oscarina", uma pequena obra-prima. Mestre na arte de escrever .contos, nem por isso deixou de fazer outros gêneros literários. Livros publica– dos: "Oscarina", contos - (1931); "Três cami– nhos", contos, (1933); "Marafa", romance, (1935); Grande Premio de romance "Machado de Assis"; "A Estrela sobe", romance, (1939); "Rua Alegre, 12", teatro, (1940); "Vida de Manuel Antonio de Almeida", biografia, 0942); e '4Stela me abriu a porta", contos, (1945). Publicou ainda dois livros para crianças: ·"Pequena história de amor" e "As Três Rolinhas". -Marques Rebelo já visitou a Ar– gentina, Chile, Uruguai e outros paises, em via– gem de intercambio cultural, a convite de escri– tores e instituições desses países. Tem promovi– do, em diversos Estados, exposições de quadros de modernos pintores brasileiros. Considerado por . muitos o maior contista nacional, Marques Rebelo tem pronto um novo romance, "Espelho Partido", que lançará ao p~blico proximamente. E IGNORANCIA Acha fundamento na prevenção dos editores conti:a o livro de contos? - inda– gamos-Ih-é. - "Não. Acho que os nos– sos editores estão na idade da pedra, começando pelas edi– ções, que são as mais feias do mundo. Nãó há prevenção, há imbecilidade e ignorância. Melhorem a apresentação g:rá– fica do nosso livro para ver se .não aumentará a sua ven– da, seja ele do gênero que fôr". - Numa época vertiginosa, dinâmica, como a nossa. o conto de pequena exte·nsão e de facil leitura, não devia, justamente, ser o gênero pre– ferido pelo homem apressa– do de nossos dias? - insis– timos. "Pelo contrário. acho que a nossa época dá prefe– rência para o romance :nas– sudo, onde há facilidade de escondeT-se a falta de talen~ to, a mediocridade". MATJPASSANT FOI (' IN– VENTOR DA ANEnOTA ~arques Rebelo estranha que os homens de hoje, sem muito tempo para ler. ainda dêem preferencia aos roman– ces massudos. O contista acha qne, quem não tiver tempo não deve ler, mas não sabe exnlicar porque os 11- vros volumosos atráem mais os nossos leitores comuns. Após tomarmos um cafézi– nho, perguntamos ao autor de "Oscarina": - Na sua opinião, temos contistas comoaráveis a An– dreiv, Poe, Maupassant? Marques Rebelo responde sorrindo: - "Eu, infelizmente, não gosto de nenhum desses três. No estilo de Maupassant. te– mos o .sr. Monteiro Lobato e, de alguma maneira. tam– bém o sr. Lima Barreto não ficou muito lonl?e di2sse ci– dadão. O que valorizou Mau– passant foi ser ele o inventor da ane{iota. Simples questão de prioridade ... " UMA RESPOSTA DIFICIL E PERIGOSA - No capitulo das influen– cias quais os escritores qúe mais contribuira,m para a sua - Sim, gostaria de saber, pelo menos, quais :toram os principais. "Nesse caso - disse Marques Rebelo - tome no– ta. Manuel Antonio de Al– meida, Machado e Eça, em nossa língua, sendo que, não devo me esquecer que AI– cantara Machado e Ribeiro Couto. também contribuíram um- pouco na minha forma– ção literária. Mas a contri– buição mais sólida, de fora, torna-se difícil precisar, tan– tas foram as paixões literá– rias que me empolgaram no tempo em qui!' a gente se im-, pressiona com alguma cois1r.. Todavia, r,reío aue doi.<; dele~ podem ser citados: Sthendal e Jules RPnard". UMA n"FZRNA DE BONS CONTISTAi:: Marques Rebelo conta. al– gumas passagens interessan– tes e pitorP.scas de· sua vidR literária . Enquanto isso, e fotógrafo bate uma chapa. Alegre e cotdlal, a palestra com o escritor pod<!ria pro-_ longar-se pela noite a den– tro. não estivesse ele se li– vrando de uns restos de gri– pe. O re,porter senJte-se à vontade e tem a imnr1,ssão de que conhece o contista há muitos anos. Perguntamos a.o autor de "Três caminhos": - Acha que o .nosso con te já . apresenta cara.cierist,icas prónrias e inconfundíveis ? Marques Rebelo responde prontamente: - "Creio que, depois clP. haver Machado de Assis, niio se pode deixar de respontlPr positiva.mente e Isso é tãl! evidente que uma das ..-~a-11- dades que, na minha opiniilo. garantem a existência da 11- teratnra braslleira como coisa significativa, é que, com bem l)OUOO tem:po de vida rea,1.1, ela apresenta. pelo menos, um.a dezena de bons contis– tas". PARA A~ IDP.IAS FACEIS HA' OS .JORN~..IS - A literatura deve desce'" (Continúa na 2ª. Pag.} CENAS DA VIDA BRASlLE1RA .Itajubá - 1940. entrasse- em cena. Totó é o cocheiro fidelissimo do visconde da Ribeira Azul. Nariz vermelho, cabelo cor o frio é de matar. Veio um vento terrível pela g-ar- de fogo, calças frouxas, sapatão de três palmos, voz fa– ganta de São Francisco, o termômetro desceu a tr'ês, e nhosa, ei-lo no meio do picadeiro. O que era tragédia conta-me o professor Lindenbein que. andou caindo gea- passou repentinamente a ser farsa. A multidão de lá– da no sitio do Buriqui. Mas a noite está tão clara como grimas poucas ou muitas caiu no riso farto. Não se se houvesse luar e tão bela e tão funda como se andás- cóntentou mais com o papel de espectadora e passou a aemos na primavera. atúar na peça com apartes ·que Totó responde pronta- O visconde da Ribeira Azul é um mulato de sobre- mente. O crime é castigado como é de justiça. Rompe– casaca. Sua filha é loura e gorda, chapéu de plumas. Ferro cai morto pela bala do futuro marido da filha do _Quando ele entra na estalagem para pernoitar,· pois a visconde, os bandidos se renegaram sob palavra de sua carruagem não pôde passar adiante em virtude dum honra, depois Rompe-Ferro ressuscita e. convida a cul– jequitibá que tombou sobre a estrada, corre um ar de ta platéia a assistir no dia seguinte a "Cabana de Pai tragédia pelo picadeiro. Todos os presentes estão infor- To:tnás", assombroso e comovente drama norte-ameri– mados que a queda do jequitibá foi uma cilada e que sob cano e no qual estreará o notável ator Pinto Leite. o avental branco do hospedeiro escondem-se as armas * • * ainistras do ~roz bandido Rompe-Ferro, que deseja pos- O Circo-Teatro Totó me arrasta como um v1c10. ·.suir a filha do visconde e que já teve oportunidade de Não tem · feras, não tem o truculento capitão Brandão :gritar abafadissimo pelos seus torpes desejos: "Ela será com o peito coberto de medalhas, que enfrentava o leo– ,Jninha !" O viscE>nde da Ribeira Azul, apesar de nobre, pardo assassino de três domadores sob o nervosismo da '~ um vastíssimo cretino. Cruza a perna, cofia os bigo- multidão dos meus dez anos - "Chega! Chega!". Não 'â.es e o cavanhaque, rememora as bondades da falecida tem a bela Gabi, que foi o meu primeiro sonho femini– :;viscondessa, fala dos seus domínios e das suas posses, afa- no de beleza, ó esplêndida, branca, louríssima Gabi -1 iga a filha única e não se apercebe do perigo. Tama.nha nuvem de carne voanqo no trapézio azul, boca de sonho ft,estidade só podia acabar como acabou, isto é, na unha suspendendo nos dentes o ·companheiro pelos cabelos; l ~º tremendo Rompe-Ferro, que, auxiliado pela quadri- estrela de lantejoulas, visão eterea ! Não tem elefan– ,Ula, que tem no meio um japonês que antes trabalhou tes, nem rugidos de leões atrás da lona, nem indús que ~o trapézio, apunhá-la o ilustre viajante, enquanto a engolem fogo, nem gregos campeões mundiais de luta l!formosa filha foi fazer uma rápida toalete. A -sua volta romana, nem pantomina-aquáticà. Tudo isto é passa– ' e trágica e sem chapéu. Há .assistentes que não respi- do, o meu passado. O Circo-Teatro Totó tem balas e pi– :ram. Ela debruça-se sobre o cadáver paterno: "Meu pai, pocas. Tem alto-falante. Tem o negro dos sete instru-. meu pai! Morto!" - e, cheia de uma justi,ssima indig- mentos tocando o "lambeth-walk" para duas "girls" \nação, atira-se contra Rompe-Ferro: "Assassino, não gordas sapatearem. Tem os ddis meninos do trapézio, ~flcarás impune!" Mas ·Rompe-Ferro é um canalha com- que correm depois a arquibançada para vender os seus ~leto - envolvendo-se mais na sua capa .preta, dá uma retratos, tem a mulher de preto que não faz nada e que \Bargalhada sarcástica e grita-lhe nas bochechas: "Se- corre também pelos presentes vendendo horóscopos. rns minha, enfim!'! O pudor da donzela se exalta: "Nun- · Tem o mirifico visconde da Ribeira Azul que, de casa– l ca, nunca! Prefiro morrer a ser tua, miserável!". Rom~ ca, no ato variado com o qual se inicia o espetáculo, ,Pe-Ferro com isto não se conforma e coloca a amada aparece em passes de prestidigitação e telepatia. Pede 1 111, pão e água numa masmorra, porque a hospeda.ria tem silencio ao respeitável -público para poder formar a cor– !IUlla gruta e uma masmorra, até que ela se resolva a rente e fazer com que a companheira de olhos venda– ter sua esposa. E tudo iria de mal a pior se Totó não dos adivinhe todos os objetos que lhe forem apresenta- dos .na platéia. Dá um passo de valsa e explica: "Qual:– quer objeto.!" e enumera-os: "Documentos. minerais, vegetais !". Mirifico visconde ! Belo Horizonte - 1940 EÚ não conheço o padre Zacarias, o que lamento sinceramente, mas empresto à sua -figura os traços de um outro padre Zacarias que conheci: alto, magro, gri– salho e curvado, ar de D. Quixote, pescoço -vermelho como o de certas galinhas de má raça, nariz compri– do onde escorregam uns óculos de lentes velhas, ra– chadas, sujas de pó da sua paróquia que era na mais perdida das roças, com uma das hastes amarrada com arame. Se em tudo era um pobre Zacarias; o padre Za– carias que eu não conheço é um grande padre Zaca– rias. E se ao conhecido eu dispensava uma sólida ami– zade e hoje dispenso uma larga saudade, pois morreu, ao desconhecido eu dispenso uma sincera admiração. E' o que os profanos chamam "um homem cavador". Dedica-se ao comércio de t errenos para salvaçãa das almas. Vende terrenos no céu. Tem vtftldido muitos. Há lotes para todos os preços. Depende da situação, sejam nas mais belas avenidas, nas amplas praças ou nas últimas ruas dos subúrbios celestes. Por isto é que ele não anda sem as plantas no bolso da batina. - Quanto é este, padre Zacarias? pergunta o com– prador que por prestações mensais, · módicas ou opu– lentas, quer ir reservando um lote onde possa depois da mprte construir o seu domicilio junto à côrte dos anjos. - · Este é de dez mil réis mensais, mas está vendi.;. do. Não está vendo a cruzinha marcada ? .:,_ Ah I sim. E este ? - Vinte e cinco mil réis. - Muito caro ! - Mas também tem doze nuvens de frente por ses- senta de fundo. . . E é .numa das ·ruas principais. E assim vai padre Zacarias conseguindo esmolas para as obras da fé, '"'le "Suite n. 0 1")

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