Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1949

LJNESCOVoiTroduzir Livros BrasifeiroS RIO - Via Aérea - (Su– cursal) · - A UNESCO vai trad\Wl' para o inglês e para o francês os grandes livros da América Latina, Que livros ~rasileiros poderiam ser a- ·b rangidos- pela distinção ·1 Cer– tamente, t"-emos duas ou t rês dezenas em condições de pre– e n eh e r as· exigências da UNESCO, que prefere os de carater universal e as que mais de per to representem a nosaa cultura e o gênio na– ciolial. Não podendo agir sem o conhecimento mais profundo da nooa situação, a UNESCO incumbiu o Instituto Brasi– l eiro de Educação, Ciência e Cultura UBECC) de respon– der a um questionário opinan– do sobre tão palpitante assun– to. Incumbido O Intituto Brasileiro De Educação, Ciência E -Cultura De Elabo– rar A Relação Das Obras - Inicialmente, Em Inglês E Francês -Aprova– do Pelo I. B. E. C. C. O Parecer Elaborado Pelo Sr . AIvaro Lins - Opinam Os Srs. Carlos Dru.mmond De Andrade, Olegario Mariano, José Amé– rico, Tristão·De Atoide, Roquete Pinto E Afonso Arinos De Melo Franco O l'ARECER DO IBECC Tobias Mon teiro, Afonso Pe– na Júnior, Guimarães Rosa, Nelson Rodrigues. AS OBRAS ESCOLHIDAS Por fim, o parecer indica as obras, entre as dos autores ci– tados, que lhe parecem rnab indicadas para a tradução e são; Gabriel Soares de SÓu– sa, "Tratado descritivo do Brasil em 1587"; Gonçalves Dias. coletânea de -poesias mais características; Castro Alves, idem; Manuel Antonio de Al– meida, "Memórias de um sar– gen to de milícias" (j á tradu– zidas em francês); - Machado de Assis, "Memórias postu– mas de. Braz Cubas" (já tra- duzidas em francês) ; "Dom Casmuuo" (idem); "Quincas Borba" e uma coletanea de contos: Aluizio de Azevedo, "O Cortiço" ou "O mulato"; Raul Pompéi.a, "O Ateneu": Joa– quim Nabuco, "Minha forma– ção"; Ronald, "Pequena His– tória da Literatura"; Capis– t ra no, "Capitulos da História Colollial"; Euclides, "Os Ser– tões", já traduzidos para fran– cês, inglês, espanhol e sue– co; Man uel Bandeira , uma coletanea de poui.as ; Lits do Rego, "Ciclo da cana de açu– car (já t raduzido em inglês e espanhol) ; Gilberto Freyre, "Casa Gr.ande e Senzala"· (tra- CRÔNICA duzido em inglês e espanhol e sendo traduzido para fran– cês) ; Roquete P into, "Rondo– nta"; Afonso A. de Melo Franco, "O indio brasileiro e a Revolução Francesa": Gui. marães Rosa, "Sagarana", e Graça Aranha · "Chanaan" (já traduzido). Como o parecer fosse de au– toria do sr. Alvaro Lins, que não incluiu nenhuma obra sua , o IBECC decidiu acres– centar à lista mais os seguln• tes livros: Couto de Magalhães, "O Selvagem"; Alvaro Lins. "Rio Branco" e "Jcrrnal de Critica", e Fernando Azeve– do, "A Cultura Brasileira". QUE LIVROS ESCOLHER - FALA CARLOS DRUMMOND DE A.'lll"DRADE Procurando ouvir escritores de nomeada., sobre o palpi– tante àssunto, acolhemos a opinião Inicial dP: Drummontl de Andrade. Pedimos-lhe cin– co livros. A seleç_ão ê mais difícil, mas o poeta, do outro lado da -linha telefônica, com voz sumida. foi Jogo dizen– do: - Cinco livros ? E' difi cil responder assim de chofre, mas vá lá. Por mim, prefe– riria Machado de Assis, "His– tórias sem data"; Joaquim Na– buco, "Minha formação"; Gil- Elaborado pelo escritor li.l– varo Lins, o Instituto a provou um parecei· sobre os livros · brasileiros merecedores da dis– tlnçlo. O questionário da UNESCO dividia as obras co~ mo "clássicas" (publicadas an– t~s de 1901, "grandes obras modernas" (1901- 1939) e "obras contemporâneas (de 1940 em dtante). O parecer, depois de aludir à cronologia arbitrária da divisão e ao conceito de clássicos, modernos e cont€m– porâneos, inclui entre os auto– res · anteriores a 1901. G!i– br1.el Soares· de Sousa , Vicen– te do Salvador. Gregório de Matos, Basilio da Gama, To– maz Antonio Gonzaga, Ma– tias Aires, Mont'Alverne, Gon– çiilves de Magalhães, Gonçal– ves Dias, Alvares de Azeve– do. Junqueira Freire, Casimi– l'O de Abreu, Fagundes Var e– la. Ca stro Alves, Macedo, Alencar, Manuel Antonio de Almeida, Taunay, Varnhagem João Francisco Llsboa. Mar: tins Pena, Mach a do de Assis, Alberto Oliveira, Bilac, Rai– mundo, Aluizio Azevedo, Rau l P omJ:)éia , Tobias Barreto. Síl– vio Romero, José Veríssimo, J oaquim Nabuco, Cruz e Sou– sa, Alfonsus, Rui, Tavares Bastos, Jj\arias Brito . O Ballet EA Grande Platéia DALCIDIO JURANDIR Em obras modernas: Capis– trano. Oliveira Lima, Euclides, Graça Aranha, Afonso Arinos, LiJma Barreto, Bandeira, Dru– mond de Andrade, Schmidt, Mârio Andrade, Ronald, J osé Américo, J osé Lins. Gracilia– no Ramos, · Otavlo Faria, Ciro dos Anjos, Lobato, Marques Rebelo, Gilberto _Freyre, Oli– v eira Viana, Alberto Torres, Roquete Pinto, Sergio B. Ho– lanrui., Ta1·quinio Sousa, Pau– l o Prado, Afonso Arinos de Melo Franco, Lucia M. Pe• reil'lt, Carolina Nabuco, Tris- 1ão de Ataíde e Renato Almei- da. _ Em obras con temporâneas: Fomos, sábado ultimo, ver o "Ballet des Champs Ely– ~ es" e aqui confesso que me comovi, como se diz, até as lágrimas. . . Estavam ali bailarinas dançando como se dançassem diante de grande multidão, como se ' o mun– do inteiro, livre e contente, as contemplasse . As iina– gens do bailado faziam pensar em milhões de criaturas que nunca viram um ballet nem nunca vfram um tea– tro . E morrem sem ter a emoção de seguir aquela baila– rina, no final da cena, dançando em busca de algo que completava a sua vida ~ o circo a que pertencia e que partira. E ela achou, · era um pássaro numa gaiola . A partida da bailarina, com a gaiola ao peito, atraves– sando a cena , cruza t ambém os caminhos mais obscuros de nossa infancia . Nem o teatro estava cheio. Creio que metade da– quela plateia tinha bastante dinheiro J)ara enganar o tedío e o esnobismo, olhando o bailado com o mesmo gosto com que assiste a um filme americano, lê revistas pornograficas ou "Seleções" . Lá fora, despejada dos morros, acumulada nas cabeças de porco, atravancada nos trens, -nos bondes, nas filas, r oida de necessidade_e problemas, estava a grande plateia . Esta veria o ballet como crianças, como jovens, fosse o mais velho dos ve– lhos ou o mais endurecido dos trabalhadores, gostaria que estivesse a meu fado o meu compadre Manuel da Conceição lá de Gurui;á onde de musica só existe uma flauta, a do finado Lauriano, e o flautista mora a dois estirõe_s do povoado. Ou a dona Maria Profeta, roceira, - teria conseguido a enxada ? - que dançava na Ra- MUSICA li mada, terreiro negro, à maneira de velhas negras. 0n -aquele vaqueiro maraj oa1·a que tocava rabeca e t inha um grande deseJo na vida : ver uma bailarina . O ar da infancia que se derrama, de juventude e an– seio de liberdade, os véus da dançarina tão diafana, a criança inanimada n os braços do poderoso bailarino, o pássaro azul , os loiros cabelos derramados da janela iluminando a rua onde alguém dança ansiosamente uma doida esperança, tudo isso era para ser visto inten– sa e largamente. E com cadeiras bem baratinhas, mulhe– res sem cr emes no r osto nem depósitos no banco, nos camarotes, operários velhos e _bonanchões, camponeses felizes, meio espantados com as luzes, o salto da acro– bata, os penachos da menina que entra em cena e pa– rece tombar e voar na mágica atmosfera. Havia no· bailado da Noite um muro que separava os amantes para sempre. Eles se haviam encontrado e o muro os separou ..de súbito. Esse t ema poderia ser am– pliado na sugestão de um símbolo. A arte e o povo quan– do se encontram se querem como nunca ·e para sem– pr e . Mas há um mur o que desce e os, separa, muro cin– zen to .e feroz. E do outro fica ~ ar te, sufocada nas mãos de alguns monstros e deste lado, o povo, cujo drama eu vi um pouco na angustia da bailarina, a quem tudo re– ~usaram, debatendo-se na solidão e no sofrimento. Mas nada de tristeza, nem de lágriinas porque os ballets n ão morrem, apenas o ·muro cairá. E d. Maria Profeta, meu compadre Manuel da Conceição, as crian– ças da Praia qo Pinto e . da Vila da Barca, os vaqueiros que nunca viram uma bailarina - poderão vêr . DIRIGID1\" H A algum tempo, divulga– mos neste suplemento a reprimenda feita pelas Jmtoridades soviéticas a Proko– !ieff e a Shostakovitch, por elas acusados de subjetivismo e de excessivo forin.alismo nas tomposições. sempenham papel preponde- pelo 6indicato de Prt\i?a ? Ve- manifesto - sobrepujar-se a compenetrando-se dessa crise, co~irem fui•tar-se as ten– dências do extremo subjetivis– mo e fizerem com que sua mú– sica exprima os sentimentos e as altas idéias progressistas das massas populares: · Damos, agora, um resumo do rante, em detrimento dos ele– lnanifesto em que - secundan- mentas melódicos, ora elemen– do a atitude de Moscou - o tos puramente formais tomam tindicato dos compositores a dianteira, de modo que o rit– checos denunciou 1\ existência mo e a harmonia são despre– Se uma crise na música de nos- zados. Enfim, observam-se, na sa época e prescreveu normas música. de hoje, ainda outros para que, caindo de tal impas- tipos de composições nos quais se, consiga a arte musical con- 0 desenvolvimento lógico ·do temporâ-nea exprimir os senti- pensamento musical é substi– mentos e as altas idéias pro- tuido pelo emprêgo de melodia! gressistas das massas popula- sem contõrno preciso e pela res. •, imitação das antigas formas Jamos: crise musical contemporânea: " Parece-nos possfvel - diz o 1. 0 - Se os compositores, SONETO CARLOS MOREIRA Essa tarde ·danou uma· açucenã .Os teus lábios Derderam-se entreabertos ; Nas arestas da -pedra enegrecida · Estendi meu desejo incandescente. 2. 0 - Se os compositores, em suas obras, se vincularem mais estreitamente à cultura nacional de seus países e de– fenderem-na contra tendên• cias f a1samente cosmopolitas, pois o verdadeiro internacio– nalismo na música decorrera. ·do desenvolvimento dos dife– r'entes caracteres nacionais; Nesse documento de mani- contrapônicas - artifícios que f esta inspiração política, . os não podem disfarçar sua po– compositores e criticos musi- breza de conteúdo ideológico. cais de Praga assinalam como A " música ligeira", pelo principal característica da su- contrário, limita-se à melodia posta crise um fenômeno que primárfa, negligenciando todos sempre •existiu: a oposição e a os outros elementos musicais. ' contradição entre a música sé- Não utiliza senão as formas 'Tuas mãos modulavam passarinhos ria e a música ligeira. Diz o melódicas mais vulgares, mais , 3. 0 - Se a atenção dos com– positores voltar-se para for– mas musicais que lhes permi– tam atingir _,tais objetivos (so– bretudo a música vocal, as óperas, os oratórios, as can• ta tas, os oõros, etc.) . manifesto: corrompidas, mais padroniza- Os teus peitos caminhos e guitarras " A chamada música séria das, como o comprova a mú- Mas a tarde durou uma açucena torna-se cada vez mais irulivi- -sica ligeira americana. Deixando tuas faces pressentidas .'. dualista e subjetiva, quanto ao Essas duas timdências têm o conteúdo, e complicada e ar- · mesmo falso caráter cosmopo– tfficial, quanto à forma. lita e apagaram as linh'as es- A música ligeira mostra, dia peclficas da vida musical das a dia, maior chatice, estandar- nações. Aparentemente con– àização, nível mais baixo. Em t raditórias, têm, enti-etanto, a certos pai,ses, transforma-se mesma n aturezl!, e apenas re– em objeto de indústria cultu- presentam dois aspectos dum ral mono:gplizada . inquietante fenomeno cultural, A "música séria " perdeu o oriundo do estado social defei– e qullfbrio de seus eleme11tos : t uooo" . era o r.itmo e a harmonia ~e- Quais os remédios propostos Eu perdi nessa tarde uma cantiga Todo o ouro do mar fugiu da vista Contemplei-te no tempo e nas areias .'1 Entre mim e teu sexo nevoeiro Muito leve teu corpo esmaecia Nessa tar~e ~e flor ·e o teu silencio~ • 4 . 0 - Se os compositores, críticos e· musicologos traba– Jharem, de modo prático e ativo, para liquidar o analfa– betismo musical e educar mu– sicalmente as massas , O Congresso apela para os compositores do mundo intei– _ro, para que criem uma músl• ca em que a consumada. b abl– lldade musical e a efetiva ori– ginalidade se associem a um humanismo ;profundo e verd<l- deiro " . - berto Freyre, ''Casa Grande e Senzala"; Manuel Bandeira "Libertinagem", e· Marque~ Rebelo. "A estrela sobe". O poeta não conhecia o parecel' do IBECC, mas pode-se· dizer que acer tou... Dos livros in– dic.ados, a pen as o de Marques Rebelo não foi incluido ali. COMO OPINOU OLEGARlO . MARIANO ; ..:; O príncipe dos pÓetas não hesitou, pelo menos entre os autores: Machado de Assis~ Roquete Pinto, Euclídes. Coe-·. lho Neto e Bilac, De Mae;ha– dQ, a dificuldade é escolher, mas dos outros; Olegario Ma– riano citou logo "Rondonia", de Roquete; "Rei ' Negro", de Coelho Neto; "Os Sertões", "Casa Grande", de Gilberto Freyre e "A Ta1:de". de Bi– lac. OPINIÃO DO SR . JOSE' AMll:RICO O sr . José Américo escolheu ~ "Os sertões", "Minha forma.• cãri", "Casa Grande e Sen– zala", "Dom Casmurro", e Poesias de Castro Alve.!!. A ESCOLHA DE TRISTA.O DE ATAIDE ó grande critico e ensa.Ista. br.asileiro assim opinou: - A escolha é difí cil, disse-· nos, mas, num exame rápido. · indic~ria, "Iracema", de Alen– car; "111:inha formação", "Os sertões", "Memórias · põstumas de Braz Cubas", de Machado, e · "Ch anaan", de· Graça Ara– nha . ESCOLHA DE ROQUEU FINTO Não d issemos a Roquete • Pinto que sua "Rondônia" es– tava incluída na lista do 1.»·; E.e .e . . Grande livro, seu lu – gar está firmado na literatura. na cional e, agora, col,lsagradó pela distinção da lista enviada à UNESCO. . - Cinco li\TOS ? Acho pou– co . Vou citar mais . E foi dizendo: J oão Ribeiro, "História do Brasil"; Capistrano, "Cami– nl1os e povoamen to"; "Nabu• · co "Páginas escolhidas" · Vi• ce;ie de Carvalho, "Poe~1as e ca nções" ; Bilac, "Antologia de Poetas"; Gilberto F rene, "Casa Grande e Senzala"; Machado de Assis, "Contos". Alencar, "I racema" e "O Gua- rani". · FALA O DEPUTADO AFON.. S0 ARINOS O deputado e escritor Afo..'1• so Arinos de Melo Franco as– sim f ez sua escolha: - "Formação Histórica do Brasil", de Calogeras; "Pe– quena Historia da Literatu– r a", de Ronald; "Dom Cas~ murro", de Machado; "Poe– sias", de Manuel Bandeira. e . "Casa Grande".- de Gilber to F ren e. Comentan~e manifesto, ' René Leibowitz escreveu em " Les Temps Modernes" subs– tancioso estudo, dõ qual ex– traimos as seguintes conclu– sões: Compreend!'r a música sig– nifica, pelo menos na essên– cia, compreender a tradição musical. Ora, essa tradição se confunde com a evolução da polifonia, que · sempre se ope– rou no sentido de uma com– plexidade crescente. A música, tal como a compreendemos hoje, tende cada vez mais a tornar-se atividade especiali• ; zada. O homem da rua é inca.. paz de produzir a polifonia. ; Também o intérprete tende a · tornar-se cada vez mais um , especialista. E o mesmo ocor- : re com o ouvinte. A música i polifónica é tão diferente da : monódica, de que proveio, como : a geometria o ·é da agrimen- i sura, que lhe deu origem. As ) queixas contra a complexida-:- / de musical e o desejo do re..;. torno às chamadas músicas / nacionais exprimem apenas. 1 uma nostalgia da monodia, ' pura e simples. ' Qualquer que seja o pretex~ que o conservantismo musicas-i invoque para condenar - a mú..;,l sica de seu tempo - gosto doj público, na América, e necessi-1 dade das massas na URSS - o que êle traduz ·é o medo do esfôrço, o desejo de um statu quo musical, a expressão de ' ' _,) ,(Continúa na 2.ª página )_

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