Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1949

-, ' Sem i:lúvida:, o Jempo ma– témático, dividido em mtena– los ·homogeneos, quantitati– vamente -, iguais pelo relogio escapa à i>oesia. Más existe A -01vrsAo .· PDtTlCA DO ' • • - • ; • r • T 0 ·renexos ~e. ilu~ens. ~orpo!lJn1 , . . chados de suicidas. Arrasta la melhor e o pior, e aquele que . . · . · . a ler com o auxilio ·de uma.- . lente achará f<àellmente ·mui~ 1 ridade que vem do demasia,. do . rebrilhar do Sol; Filoso• .fica.mente,· aó passo que ' o Par;naso liga-se ao· pessimismo de Schopenhauer, às doutrinas, bindús do Nirvana, a poesia moderna liga-se ao platonis– mo, à procura .das e1Ssências puras, à luminosidade. das Idéias, simbolizadas p_or. for- . mas perfeitas, ou aos Números, ciue governam o mundo. Es– tão ai, aliás, os dois Mpectos do Sol, o Sel assassino do Parnàso, que reduz a carne ao esqueleto, a _planlcle- verdê ao deserto, e o Sol inteligivel de Platão, que ilumina as Idéias, das quais ·só con:hec€mo.s as sombras projetadas para den– tro da caverna. E' por isso Roger Bastida (Copyright E. s. 1., ClOIDl ~c)usividaae para a FôLBA DO NORTE, neste Estaclo) ' que, mel)lor do que ao Par,; naso, prefiro filiar essa mo– derna corrente poética ·ao cu– bismo ou a certas formas da pintura abstrata, que se unem à· música pela melodi'a de li– nhas ·precisas. · O perigo . para esta poesia ~stã na sua limitação à _beleza dos objetos, à evocação (e aqui viremos as costas à descrição parnasiana) de uma .geome– tria lirica. Sua grandeza estã no :colôcar. o _belo objeto "ab– soluto" em uma dimensão. ver– tical qtje, por , baixo, liga-o ainda • à umidade da noite telúrica, à fuga marinha, e por cima imobiliza-o no mun– d'l da inteli'gencia, no paraíso dos Eleatas. · · · · M_as eiii chegado o crepús~ culo, hora de indecisão e .de vaga tristeza, quando todas as coisas ainda não acabadas, amadurecem·, antes de mur- char: · . "0' hora dos encontros de– cisivos, ·das caricias indeclinã.,. veis, · "hora em que a ir.orte põe a mão no trinco das . casas ·também · a "duração"- berso– niana, que só ó .romance pode . apreender em sua· continuida– de heterogênea. · A poesia ne– cessita·. de determinada divi• . são do tempo, de certa intui– ção lírica do . inst'ante, mas tal divisão é diferente da do astrônomo -que mede o tempo, é uma divisão que .segue - · como a dos povos primitivos - os ritmos naturais, seja o ritmo da vida, seja o dos mo– mentos do dia, com sua di-ver– mdade de colorido, e os senti– mentos ligados aos correspon– dentes matizes das coisas, o tempo_social acompanha, ali– á·s, esse ritmo; com a !Uces-. são dos dias e noites, ritmo que corresponde ao despertar e ao adormecimento dos senti– dos. · Alvorada branca, dia consagrado ao culto do · sol, crepú~ulo que apaga ·ª rigi- ' Artes Plásticas r • ' ' ' enfelUçadas, . . "0' momento das felicida– des irrealizáveis, dos anioriés passionais, · "hora dos segredos e da arell e do vento, "e dos gritos verticais, e dos páossaros transtornados". como diz Lêdo Ivo, em sua "Ode ao · Crepúsculo" (Pon,; getti, ed.). Lêdo Ivo· tem uma coragem bastante rara nos tempos que correm: não tem medo de abordar. temas banais, · de retomar· o~ velhos · temas lirlcos eternós, sabendo · que o principal não é o que ee diz, nias a 'maneira de di· zê-lo. Sua poesia é llOm0 uma torrente que arrasta consigo ileres arra~cadas, ambrlões, t o que lhe censurar. . E' o 1 preço que p&gam todos os es.,. : .cl'itores que têm fôlego, Lêdó . Ivo tem folego, ·e deve-se per• ! · ·doár-lhe muito por isso, em: · uma épôca em que os escl'Í• { tores t'ão fácilmente perdem o fôlego. Ele ama a vida, e quer ' abraçá-la em sua totalidade Í entusiãstica, · abandona-se â ; · inspiração, e pensa tão natur 1 ralmente por imagens como · outros pensam por clichês so• ; ciais. Poesia que é instinto, 1 dom divino. maneira mesmo ' de falar. Não há de ser por 1. nada que fala tanto em feras ! ·selvagens, , na sua última co• i leção. Seu lirismo tem qual- , quer coisa de selvagem e de ' primitivo. ..,Ele canta como faz o amor·.· Co_!}tudo, o crepúsculo· é o; momento da- ·renúncia; E es•.J ~:lez dos sólidos, submerge-a em -uri:la bruma. de sonho, e énfim· a noite, quando ,e ce– lebram os oficios da lua. Bem entendido, pode· perfei– ta.mente · haver transposições liricas entre o ritmo do dia e · Jandês · e • e · escritor francês, porque, diz ele;- ambos · trans– figuram a realidade,· sem de– form{l-la, · e ' conseguem expri– mir e enéerrar toda a · poesià 1_ tou convencido de . que essa. ' t . •~Ode ' aó .crépú-sêulo" . é antes _. · de trido uma ética da renún• . · eia.· Que se releia o fragmen- n . l .J t. a 'to ·iniciado pelo verso". "Que: . - ~ f\Aa rcel. Proust·· E· A> Pi /Copyright .E. S. 1., eom exclusividade para. a FOLHA »O NORTE, neste Estado) Francisco .Amunateghi o ritmo da vida humana. As- André Maurois, cuja admi:•: eím, a doçura paradisiaca da ração por Marcel Proust é . aurora pode colorir com sua bem conhecldà, publicará pró- · luz terna essa o·.:tra alvorada ximamente um importante es.:. · que é a infância de um êscri- tudo sobre o autor de "A la 'tor. E é por isso que sou le- recherche du tem;ps perdu". vado a consagrar a primeira intitulado "A la recherche de parte desta crônica ,,aos "Se: Marcel Proust", do qual vá– gl1edos da . infancla , de Au- rios ca,pitulOB são consagrado,: gusto Meyer (Globo,. ed.). É à definição das fontes artl.sti– um .d~ traços da hteratura. cas do· grande escritor: Sabe- · brasilerra . co;11temporânea es- ee, com efeito, que Proust s!I' f~ga nos!álgica para a in- muito tratou de pintura, ·na · fancia, e .na.o f~i . por ª?aso sua obra, e a respeito se tem que uma casa editora bras1lei- dito muita coisà erudita· sa– ra, José Olympio, lanç~u há be-se também que um~ de alguns . anos lµIla coleçao de suas principais personagens é remó~as. (? livro de Augus- um pintor, Ealtir, que natu- tores cultos de sua obra: é um jogo subtil, que às ve:tes , se a.presenta· como alusões, e que ·se destina também :.os inicla– ·dos. S'-6 numerosos os exem– plos: um estafeta de _ar feroz lembra-lhe o carrasco de cer– tos quadros - da Renascença, e umà. ajudante de cozinheira provinciana, a "Caridade", de Giotto. A sala de jantar mui– to sombria de um de seus he– rois,' Swann, tQrila-se para o autor· o interior de um templo asiático pintado por :Rem– _bfandt1 e so~dados encontra– dos por ac~so, de rostos awr– melha4os pelo frio, parecem parentes próximos dos alegres camponeses de Breughel, ~ ve– lho. E os fiéis leitores de ProllSt não terão esquecido que o nàrrador, quando pela pri– meira vez se encontra com Odette (que será a esposa de Sv:ann), a.cha-9e infinitamen- te bela, não porque o seja na .do universo·· em . um pequeno realidade, mas porque em seu muro amarelado, ou no tur• rosto medíocre distingue os bante de ·unia "jovem, como ó ro encontrar-me apenas • na · certeza do despojamento .•• ( etc.", linha melódica que r-ea- .: parece · em vários trechos, sob · formas ·dif_erentes, nessa gr'an- , de orquestração sonor~. · nesse "discurso", e compreender-se.;., á que esse encontro do escri• i tor com ·o crepúsculo, com "à : boca da sombra", como diz um: o~tro poeta de muito fôlego, ; \>1ctor Hugo, marca talve;,i; · uma mudança de vida (com\ consequências prováveis sobre '. -a técnica), o momento da des- ; coberta de um lirismo menos ; vital, menos apaixonado, me• : · traços de um Botticelli. faz Vermeer, ou em umas pou- Entre os pintores dos quais cas foihas de tilia; co:qio o faz evoca no correr e sua vida e Proust. o M yer figurará ~ntre os ralmente resume em si alguns mais belos desse. conJunto de pintores reais contemporâneos regre~sos aos pnmeiros_ anos de Proust, eritre os qui'1s, .o. ~a vida, dessas, evocaçoes da ppncipal é Helleu, além de · nos "impuro", .se se quiser - o da ruminação, da- digestão repousada, da elaboração de de seus .livros as _obras · prin- Mais perto de nós, os que .o cipals, hã um a quem dedicou autor do "Tempo perdido" ad– admiração profunda, seni re- mira · támbém, são os impres– servas: é vermeer, que, se- sionistas, ·porque realizam na ,wndo- o. autor, é "a pedra-de- pintura a mesma revolução toque que p·ermite distinguir que Proust realizava na lite– ós corações 'frios". vermeer, ratura, e Debussy na música. para Proust, assim como para A descrição da fachada . da quem conta a · história do catedral de Amiêns por Mar– "T;emps perdu", é o maior dos ·cel Proust: "... ª:l;~,l sob o pintqres; em ,uma carta do es- . nevoeiro da manha , forte– critor ao critico de arte Jean- mente .dourada sob o sol, cor– Louis Vaydoyer, n:ota-se a se- de-rosa ao crepúsculo..." trans– guinte frase: . "Quandó vi, no creve exatamente a série de museu de ~áià, a "V sta de tela!! consagr·adas por C_laude Pelft", comp.reendi que estava M?ni:t à c11-tedral de Bouen . . diante do mais belo quadro do Renoir e .Manet _!nspiraram– mundo". Aliás, André Maurols lhe_ observaçõee célebres, e explica com muita finura es• mwtos lemibram-se ainda da 1 mfâncla perdida. A. criança vários 1mpr~ssionistas; · 'parte para a ~escoberta do Inicialmente, há em Proust mundo, seu honzonte alarga- uma curiosa tendencia a evocar se pouco a pouco, dos limites uma · obra-prima de arte em da C8:!ª• com ~us recanto~ presença ,de não impo:r,:tà que sonibnos e m1stenosos, para ª . espetáculo da vida quotidiana~ rua: com suas aventuras ma- 'I'endência que cedo se trans..: ravilhosas. Mas nessa desco- f rma · em mania mas saboro- berta, as coisas permanecem O • ' • i presas à sensibilidade mitoló- sa man~a, que agraáa aos le - sa simpatia, entre o pintor ho,, gica do menino sonhador, sen- , sibilidade que anima tuda, e confunde ·o real com as itna– gens sonhadas. A passagem para o estado de adulto não se fará ~m lenta progressão, mas por um i'ompimento ·e pe– la construção ' de um/ outro mundo, artificial e · objetivo, que a sociedade impõe em su– bstituição ao primeiro. As lembranças de Augusto Mey-:– er conduzem-nos às portas desse rompimento, fazem-nos 11,ssistir ·aos p;rimeiros golpes desf~ridos contra o domínio . secreto da infância. Mas a au– rora foi apenas velada, e um pouco de sua incerta ·clarida:.. de pode insinuar-se ainda, no correr da vida, ·e em certos momentos privilegiados, para dentro do quarto do · escritor que se recolhe a sua Memó– ria; 'daí o •encanto de livros como "Segredos da .infân~ia". José Paulo Moreira da Fon. seca: será o vate do Sol, que destaca os volumes, levanta o nevoeiro, mata . a sombra, ou obriga-a a recuar, e come gu– losamente as · cores, no triun.: . :ro de sua luz, e temos a "Ele– gia •Diurna" (José · Olympio, ed.). Dupla submissa.o à for– ma. · A forma trabalhada, cin– ze~da, · em uma · vontade de perfeição, d!l pureza das pa– lavras e dos versos - e às formas das coisas, sem dúvi– da surgidas das trevas da noi– te, das Mães das profundezas da terra, ou do mar "sem cessar recomeç;:ido", mas- que 1,e cristaliza logo em mármo– res, em pedras duras, em oh• jeto.s. Creio que já se falou em Parnaso a resp.eito de al– guns jovens poetas de heje, e certos versos de José Paulo, que são· transposições líricas de vasos esculpidos, de torsos, podem muito justificadamente conduzir-nos· a aceitar tal ana– logia. Mas sob a condição de ajuntar-se que esse novo Par– naso nada tem em comum com ci antigo; que mau grado a ri– gidez das formas redescober– tas, essa poesia jovem é cheia. também de mistério, de obs– curldades, exatamente como a. poesia da geração anterior; f'I que é também essencialmente moderna; sõmente, trata-se a– gora do mistério em plena Juz. de Barres. trata-se da .obscu• \ POEMAS -I....- Ds galos sacodem o escuro com as s~as vozes. . Os galos despertam o mundo e espancam fantasmas.. Os galos cantam e a crista do .dia ,Vai se erguendo vagarosa. Pelas vidraças ~ luz incerta vem chegando, · A triste lúz matinal. · E' urna luz impura, uma luz cansada, uma luz _de água imóvel, , Unia luz ·qüe não veio para as flores, ; Nem para .aquecer as jovens esperanças, Uma luz que não veio para os pá~saros, ' ()u para ·os amorosos felizes, :Unia luz que não fará· jamais os céus azuis. ·-\. \ Um sentimento de despedida está pousa do sobre ãs coisâs, ·, E os sêres tristes, mal despertos, respira m a pálida manhã E nela confiam os seus feridos pen.sarnentos'. As almas que o desencontro é as leis do amor assassinaram, ;Nos ares, mergulham as suas queixas e d esesperanças '1 hE como rosas exaustas se abandonam à morte humilde. -U-- ·· • . O silencio abre as pétalas escuras. . Ouço apenas cantar as' musas mortas. Cantam na tarde triste que se estende Sobre, o meu ser exausto e mal ferid~ • J Ouço cantar as que já foram formas ·E cores, graças leves, que hoje apenas, ,Timidamente na lembrança vivem.', 1 Flores de sonho, musas exiladas. .Ouço cantar as sombras das amadas, "i •Cantam sem voz, e em mim somente \ . . Cantam, e ninguém para ouví-las senão itu_J Cantam como as estrelas lá de longe . ...., . E dessas vozes vem o frio apelo De um mundo para onde em breve irei.: .AUGUSTO FREDERICO SCHMIDT . todos os alimentos terrestres, antes da grande noite que se · aproxima. · · Quanto a Jacques de Prado · Bràndão, soletra na sombra · o 1 "Vocabulário Noturno" (Edifi- : cio, 1947>. Poesia que exprime : bem a noite, por ·oposição aó . dia· de José Paulo, porque a. noite é amada por Prado Brandão exàtamente na medi• da em que destrói as formas, dissolve-as como em um li• quido de . bruma; o espaço mesmo, como forma das for– mas, quadro puro, desaparece · em uma confusão de ruídos, •, de perfumes, de sensâções tãc- · ,teis, como se se refizesse o : é!áos original. Ouvem-se os ' passos do silencio, sente-se o · :•cheiro da ausencia de um ob– . ,eto. Tocam-sé coisas que es– corregam, grudam-se, dlssl• · !l)am-se entre as mãos crispa– das. Brandão u·ne íntimàmen- ; te o tema da noite e o do mar; porque o mar é uma es-, pessura noturna, é- à noite é' uma espessura liquida tam.;.: bém, e cantante, na qual ó· poeta en.contra algas· entre osl cabelos da amada, fantasmas'. de mortos fosforescentes, como: os peixes das profundezas, o' os seix_os arredondados pelas; i vagas da .memória. A noite : : ao mesmo tempo afasta e ' · aproxima, afasta fixando-nos ! como uma ilha em uma au..: sência de pontos de referen~ • 1 , : ela, capazes de medir as dis• , ' tancias, e têm-se a i,o,lidão no- ) turna. Mas exatamente ppr- i que destro! as distancias, por-! que a Amada pode não · ser'. _mais: do que um rumor de! , l()assos . aba.fados, ·uma canção,! · um perfume de cabelos iles.;. I ) ll)enteados, logo alguma coisal : de quase espiritual, a nojte él : 'também "o laço". Tal o vo2. : cabulário de Brandão, uma deJ ' finição da. noite. Inútil acres-~ : centar que assim como a a.u– i 1rora se liga •à itÍfâncin, a no1.. l_ te ligã-se à morte, e pe.rcor.: 1 ll'emos assim todo o c!clo em : t,Ua totalidade lirica. i Mas é preciso dizer, parai· ~ ,.terminar, que bem pode havei' penetração da aurora na noi• te, e ~iálogo entre elas; o m-e-i . nino pode contemplar-se nol i espelho negro, que se tingei : então de uma névoa leitosa~· / E t emos "O templo da estre. í••ia", · de Marcos Konder Rei i (Pongettl, 1948) . Encontro da., · infância com a ,morte, da au-1 ; ifOra com a noite, coleção déi poemas escritos, como · diz o'. autor, "entre o ·lírio e a som-: lbra", polaridade mística que não se re~Jv-e como em Cas– tro Alves em anti.tese, Ínas 10.0 contrario, realiza-se em fu– csão, que dá em particular aos · ip'oemas de amor de Konder Reis uma tão ricá gravidade.

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