Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1949

Doniingo, 9-de j~eiro de 1949 , &e me perguntassem o que, · .M-U>SICA. . a meu ver, distmgúe o mun- . ~ ~ idental, · ou melho~ a ,.. Europa, da humanidade asiáti- t.ffllllllUIUIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIH FOLHA DO NORTE , -. é:& e africana, eu responderia sem besitàr a polifonia. Entré é óríenté e o O~i- 4ente, as diferenças são vá– ria&, profundas e numerosas. Pondo de psrte alguns carac– ~res .f.i.sicos pelos qusis ·aa ELOGiO DA MÚSICA DE CÂMARA raças ae distinguem <color~ nos na mÍísica vocal ou ins– cão da pele, aspecto do cabe- . trumental. . Não possuo gran~ lo, estrutura do esqueleto> de experiência das músicaa aparecem em ·primeiro ligar orientais: entretanto, conhe- 01 sinais exteriores, pelos ço-as suficientemente para Quais à8 civilizações se ma- _asseverar que, na maneira de llifestam. Não creio que se- expressar os · sentimentos, u melhantes sinais correspon- paix~s e as . ideias, elas al– da.m a caracteres· irredúti-- cançam to~a à profundidade . t'eis . Adotam os Orientais · a possiveL Tive a oportunida– eivillzação cientí!ica da qual de de ouvir excelentes canto- - .- I _:' . - GEORGES DUHAMf;L (Copyrlcht E. 8 . 1., com ex• duivlclade para a FOLHA DO NORTE, neste Estado). p~eriamos imaginá-lo, pela quinta. . Nada permite afirmar que a qt:inta seja · para a música indú o inicio de uma revolu– ção artfsticà e· da éra polifõ– nica . · O que p~eria fazer com que os a.siáticos saissem da monotonia é a escrita musi.,, cal, se e~es se dispusessem a a a.• páginã . adotá~la . Conceoe-se · que- • ai~m§ria humana, . seja s~i– 'i:lênte à transmissão de cantos melódicos. •-'Admite-se mesmo qúe ela guatde com facilida– de polifonias · simples, .como o • canon ou alguoa acordes ele– mentares e fáceis de lem– brar. Mas, ela é certa.mente incapaz de .registrar .fielmen– te · em toda a sua surpreen- · d;nte variedade, os acordes de o Ocidente tirou Ó seu poder res e instrumentistas, em temporal 1 Dá-lhes ela·, sem Marrocos, na Argélia, na Tu– tar<;lar, o quE' sempre· propor- - ntsia, no Egito 1 e ·de fazer en– eioria: armas, orgulho, ambi- tão algumas ·observações. M. JÕeli, um grande poderio e d'Erlangor, que preparava um crandes dificuldades. trabalho sobre · 8 . música an- EliminadlUI~ portanto, as di- daluza antiga, o qual não pô– ferençaa aparentes dó vestuá- de terminar antes da morte, do,_ armas, utensilios e má- fez-me ouvir; em sua vila de qcmas, ·restam as disseme- Sidi Bou Said, seus' músicos lhanças morais, mais ou me- que se · acompanhavam com o nos seéretas. mais ou menos Nrebab", cantando de rosto aensiveis ao observador e que velado . Estudei, em todo o claramente se exprimem nas norte da Africa, essas extra– manifestações de espfrito, nos ordinárias orquestras, com– métodos e obras de arte. .. postas . quase exclusivamente mas uma polifonia complexa. Há entre a polifonia. e a ·escrita musical uma estreita rela– ção . A música oriental per– maneceu · monofõnica, por nunca. ter sido escrita . Con– servou, por esse motivo, uma grande flexibilidade . Dá · ao executante. se me é permiti– do di:zê-lo. uma margem de liberdade, de possibilidade de criação periférica. O mais ín– as festas fúnebres. Dllipp nar Roy . cantou-nos ainda apesar de tu d o, ·PÕ<f.e escrever fimo cantor, o mais humilde CU1nar Roy, como os m"8i 4 inúmeros cantos m~ernos de aLguns bons livros; no estrah- músico, pode' colaborar com ?8 cos de ,eu pais, improvisava autoria de .seu pai e de ante- geiro nada mais realizou . · velhos mestres, com o própno sobre temas -elevados. Não es- · passados, • e em seguida O\.'- Assim. entremeada de ro- gênio da raça. Está livre, fiando essa música aalátti:ia tros dos quais · era o autor, e mances fabricados te nd0 em dentro das si.:as tradições. Es– escrlta, conserva-se, como o·i;- que havia composto. de .acor- vista apenas .a· necessidade de sa música repito-o, é uma trora O noss~ folclore, únlc_a• do com as mais estritas tra- subsistir, Interrompida em ple- forma elevad11 da arte: pres– mente por tradição. Ao que díçóes. Finalmente, o nou.- · na maturidade a obra de supõe que todo homem que parece o desenho melódico vel músico fez-nos ouvir al- Aluisio Azevedo está longe de canta é caoaz de inspiração, através das gerações.. Ca.da· guns .cantos onde se podia côrresponder à vocação. de seu senão para tudo inventar, ao ~eral permanece constante, -discernir a influência da mó- autor• Tendo estreado muito menos para adornar velhas cantor o aprende com o seu 1;lca ocidental. m~o~ aos_ vinte e tr~ anos, esquadrias E ' por assim dl- mestre e o ensina por sua vez Toda essa música era mo- e v1v1do cmcoenta e seis, teve · zer, uma arte democrática . A meu ver, a polifonia é a de instrumentos de percur– caracterlstica por excelência são, e ondé predomina mna do gênio ocidental. Não afir- música estranha, que pode ser mo, porém, que seja .etei'no :· chamada de puramente rít– Esquecidos de suas ilustres mica e, por ·v~zes, de poli-rít– &radições, os pintores japone- mica, se não polifônica . · a seu.s alunos. Cada cantór nódlca . O alaúde acompanha- apenas quinze an66 - que Emprego essa palavra p&ra se acha assim ttgado aos · te- · va fielmente o cantor. Nos todos ·sabemos ser um curto contrapô-la à nossa música mas e acrescenta ao gênio cantos modernos, porém, po- período - de atividade lite-. aristocrática. e à nossa músi– clássico, os florões de um gê- dia-se perceber como cm es- . rária, nos quaió ·compôs · doze ca ocidental . os· criadores do bôço de pollfônia, quase sem- romances, dez peças de tea- Ocidente deixaram, no inicio, pre caracterizada, não pela tro, variando do drama à co- ~~rtas liberdades, principal- · oitava: · ou pela têrça, como m,édia, e contos, crônicas, ar- mente para as partes dos bai– aea vêm para a França e nio novo. l'ara completar aquela noi– te pródiga e bela, Dillpp Cur- · tigos. Ou a produção exces- xos, que não estavam rigo- al.va ou a quase completa es- rosamente fixadas . para as · aprendem nas academias de · Montparnassé as normas e convenções da nossa arte pic– fórica francesa. E ' possível que nurri futuro próximo, 011 Orientais sr con– vertam à música . politônica, 4epois de se haverem conver– tido ao alfabeto romano. Creio mesir.o qi.é já começa– ram pela música de jazz, -que, com olJ coquetéis, os pullmans . e a cozinha de hotel, repre– sentam uma das mais sérias conquistas do espírito inter– nacional. Vejo na polifonia, até nova ordem, uma proprie– dnde do nosso espírito e, pen– sando bem, razão suficiente de um agrupJlmento humano, de O ·que de melhor conheço, sabre .a música mon-0fõnica, devo-o a Dilipp Curnar Roy, insigne musicista. e . chefe da mais . ilustre escola moderna, lias Iridias. CAN.TO - tagriação, as s o l i citações cadências. para os ornamentos e o n s ta n te s de . quem, e apogiaturas. Depois, o gê- 11obre querer criar a ·profissão nlo musie11l tornou-se mais de eacritor, tinha as respon- exigente e preciso .. Os crla– sa.bilidades de chefe de eseo· itores esmeraram-se nas suas IJllla classificação. . De tudo o qi.:e digo sobre a polifonia, não- se deverá de– preender que desprezo ·a mú– sica monofónica ou monódi– ca dos Orientais. Povos an– tigos, possuidores de uma ci~ vilização requintada, de cul– tura tradicional, não podem ser acusados de barbaria por se . terem .conservado uhisso- Encontrei ,Dilipp Curnar Roy, em Lugano, há uns vin– te anos ·atrás. e por diversaa vezes discorremos sobre &Úa arte ·e seus .projetos. Dilipp C1.:;rnar Roy realizava então, no Ocidente, uma ·1onga via– .gem de estudo. de ·volta da qual fundou sua escola . ºRe– tomou à Europa, hli uns dez ou doze anos, e uma noite teve a gentileza de vir cantar em minha casa. Vejo-o aim~a. sentado no 11eu peqi.:env tapete, seme– lhante ao tapete de preces, segurando com . firmeza o grande • alaúde com que se acompanhava . Cantou prl– .meiramente· trech"OS musicais antigos, cânticos · religiosos que, século após século, ·têm 11~rvido para celebrar o nas– cimento dos homens, seus es– ponsais ou bâdas, · e por .fim .OH CAPITÃO! MEU CAPITÃ_·O ' • Poema de WALT WWTMAN. FINAL Recolhe, Senhor, o que eu tenho guardado E me faz tão pesado e tão sombrio. Pois já não sou eu quem há de recQlh~-los Para levá-los comigo estranhamente presos E jogá-los na noite ou no mundo vasio. Já não sou eu quem há .de devc_> lvê-1.os com o sabor (da morte E ·como o semeador co~er enquanto reina~ s6 _E dar nome·aos aue dormem e cobri-los de veriios. Cauby Cruz Escrever E Viver (Conclusão da ·!&. pag.) 1ó para a gente das terras em qué ela é deveras ,respeitá– gurada a subsistência, pudes- vel•e onde ela dispõe de uma se afinal realizar à · sua am- lingua confessável". Acresce bição de só escrever a que ainda, embora talvez · nem tl– Oh capiÍão ! meu · capitão! já . e·stá con~mado o erro . qàe realmente lhe agradasse. De vesse consciência de mais es- . . [cometemos, ·tato, não escreve\1· mais nada se · prejuizo cauaado pela mu- 0 navio resistiu às · torme~tas. o prêmio que buscou está .. no gêner~ de Mistérios ela Ti- da·"-'a de vida, que a wn es.- . ·. · · · · [gjlnhO, · · -,, ju,oa '"'." mas também não es- crltor do seu feitio deyia ser O _porto está próximo, .os si.nos eu ouço, 0 p~vo e stá ·exulta nd º• creveu mais · nada do gênero quase impossível prod~ir lá, ou o · deeanimo de quem, disposições te s t amentãrias, já abafado sob a " papelada certos de assim proporcionar consular ainda duvidaw d.as à. ht.;manidade, dons . mitgnifi– vantage~ de escrever 'num9 cos . Existem inúmeras peças língua · bão pouco conhecida, de J . S . Bach. cujo movl– foram as alternativas da car- mento, o tempo presta-se a reira do lntrod~tor do natu- belas polêmicas . Nos nossos ralismo entre nós . mestres modernos, não se dá Por isso tendo publicado muito, náó' se realizou intei– ramente. De sua obra só fi– caram O Cortiço, O Mulàto e Casa ,de Pensão, sendo que destes apenas o primeiro . é realmente. grande. Os outros :omances, mesmo os que fez oaprichadamente, como O Ho– mem, O Coruja e O Livro de ·.uma sogra não resistiram · à prova do tempo. Mas ·o Cor– tiço basta para lhe assegurar t:/ma posição de ·primeiro pla– no na nossa literatura - e também para · têraios a cer– tez,a de que muito perdemos com as vicissitudes e as con– dições econômicas que impe• diram Aluísio Azevedo de lé– .var avante os-seus Brasileiros Antig-os e Modernos. ----- o mesmo . Fixam tudo severa– mente, dão o valor da Semi.,. nima ao metrõnomo e indi– cam, para cada página, cada linha e cada compasso, o vo– lume do som e o sentimento exato . A parte individual do executante parece assim di- . mlnuida, poi11 as responsabili– dades acumulam-se · sobre o ,rênio criador. Quando se tra– ta de gênio grande e pqro, de nada nos poderemos queixar. O valor da exécução não fi– cará dimim:ido: refugia-se na pureza, sublima-se- na disci– plina. A e:i..ecução, uma vez livre de certos cuidados, in– tegra-se ·•mais • intimamente nos diverso!.' problemas que a prówla evolução da poli- fonia nos ·propõe . · ; «:~ontinua} Palavras Do Primeiro -Adeus· A Jorn~dà está no fiDI . Em pouco tomam o. vale; Eu, a montanha . Sem o querer, apressamos e, adeu9- Rememoranclo com saudade Os momentos·· vividos juntos. · Diremos - até . à. vista, . Enquanto que os olhos seguem. .a. quilha firme do .navio me- d C • . - [donh~ e olL!l:ld0i; e asa de Pensão. Nos deze•- longe do -seu ambien·te, dos · • •te a.,nos que viveu depois seus modelos, da · realidade No aceno triste Dos que parlem · para jàmais volta,. Cada dia o sol nascerá Mas oh coração ! coração .! ~ração l Oh ,:otas de · sangue rubro, .·... _ . · Sobre o tombadilho onde meu capitão -Caído frio e morto. . . esü, qt.:e desistlu de ser exclusiva- · que tentara transpôr para . o mente esoritor, só P1trece ter romance. feito wn livro· at.é agora lné- ·De Cardi.tt, em 1905, la– .dito, sopre o ·Japão. Não· que mentava a sorte de seus ."ex- . · · s.e houvesse deliberadamente companheiros" de galés, que Oh C&pitão ! meu capitão ! •ergacse e ouça 01 srnos.; · 1:--,-e para você a bandeira está tren.ulando, para você as_ desinteressado · da. literatura: ainda hoje mourejam nas in- - ..- ' [trombetas, vibrará-o . ao contrário, já ·· era cônsi.l gratas Jetras brasileiras, ata- [pral&a com multidões. havia cerca de dez anos quàn- . cados por todos os lados, per. Para você _ramos de fl~ e corou eom fitas, ~ .vo.oê as do confessava a um intimo seguidos por todos os mosqui– J>orque você as chama: - massa agitadà, e lhe voltam . suas que _se sentia na "obrigaç·ão tos de feroz imbecilidade pú- . ífis.lonemlas ati!llosa1, bli · ind · . de não deixar de continuar a ca e, a a por cuna, ar- Aqui . capitão ! querido pai 1 · • Elite . braço debaixo de sua · eab~a. J:• al,:um sonho que ·10bre_ o tombadilho, . Caiu frio e morto. · . Meu capÍtão ~io ret1J)C?'1Cfe, seu d.blolÍ ~ pállllos e macros, : Meu pai nio iiente meu bra90, poli nao tem pulso nem [vontade, o navio está anc~ado tllo e salYO. .,. ·viagem está en- . . · · · · · · [cerrada e fella. D• . terr1ve1 êrro o iaavto vttorl• vem com e trimie ~: J!KUÍtai, . oÍI pov.o, e. pl~nÍel oh alJl9&, IKaa ea · com lúgu~re palSO, . . Anlle no toinbadillio ánde mea capitão . e.ti . Caíd• frio e mórto. · · Tradlltio ~ll!t MAVIUÇIO DE SOVSA ·FILHO • obra senão com a ·extremá in- · rolhados pela deliciosa ilng.ua · terrupção da cova" . · · portuguesa", e afirmava que Mas, tunc1onárie zeloso, tentando viver da pena "nada absorvia-se nas ·funções con·- maia consegui do qu me 'des– &ulare.s, verificava que o . _tão criar a mlm próprio, e at.é desejado' emprego não ·era conseguiria a-final des.a.Imar– wna sinecura, que a redação me de todo, se tão depressa de oficlos e os exames de do- não · arrepio carreira e não cumentos .não lhe consen- trato de t,ugir para bem lon– tiam vagares para o trabalho ge, · pela ch,aminé ·d~ Secreta– litei'ário; Além disso, correri- ria do Exterior". Consideran– do mundo, certificou-se de que do-se nele sbmente o escritor, a no&iia lln~ua era "um:. c~- p~e..àe ·dizer- que, ao contrá– mit.ério de idéias é pensam.en - · rio do que pensava, foi quan– to." · e qo,e · "fazer.· literatura; do se _afastou -de sei; meio qu~ isBo é só·,para.· -quem ·pode, é ,.. se · "desalmou'' d~ todo . Aqw. Nos encontr.ando .mais ,distantes . Meu corpo e o teu estarão .mais cia.nsado11. Tua v~, perdida .na distancia,· Me buscará sem me . alcançar. Também chamarei por ti E o vento devolverá o apêlo N& angustia redobrada 'dos écOI , Perdida a eSperança .de nos comffllfcar, Olha.remos tristes o céu, · . . . Indagando porque não · so,mos como as estrelaa • - Que ja.mai1 ee separam,:. Longe, nos patses .distante. A que vamos arribar, Pensarei de -ti como uni IÍDlbole. Também tu o Imaginarás de mim. · Recriados pela saudade;- Surgiremos áOI olhos., ~ do outro, Fantasmas de 1IDl passado Que não .-is sabem9! - triste 011 alep,,. Certo (ia, mn vlaJdro te dirá ela minha mor~•._, Seri da morte que te lembrarás, Nãe de mim. . . RIO, 1945. EDUARDO GALVAO

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