Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1949

Da Bahia, onde a condtt: do Instituto Histórico e Geo– gráfico tomou parte no Con– gre;:so da Fundai;ão da Ci– dade, chegou recentemente ao Rio o intelectual portu– glês Hernani Cidade. Que o seu nome seja tão tão pouco conhecido no Bra– sil é mais uma prova do afastamento cultural em que vivem os dois paises - ape– sar de tantos e tão propala– dos acordos e m~sões. Pro– fessor da Faculdade de Le– tras de Lisboa, onde há lon– gos anos vem lecionándo li– teratura portuguesa, literatu– ra francesa e filologia, e on– de atualmente . rege a cadeira de Estudos Camoncanos, Her– nani Cidade tem publicado uma vasta obra de erudição que lhe conquistou o lugar de mestre acatado. Amigos PORTUGAL. IRMÃOS Que -S_e Voltam As -Costas - E quanto aos romances auto~biográficos a que se r e..: feriu? Procurando-o em~ Copaca– ba.na , junto à pràia· que. vê pela primera vez, enc-0ntra– mos o escritor folheando um vasto voh1me que nos chama a atenção. E' "A Famosa Arte da Imprlmissão", obra que honra a indústria grá– fica portuguesa, de cuja his– tória trata . Seu autor, Amé– rico Cortez Pinto, realizou com este trabalho diz-nos Hernani Cidade, uma das me– lhores f!Oisas de critica ·eru– dita dos últimos tempos em _ Por tugal. MEI)IOCRE- A ATUAL LI– T.t;RATURA PORTUGUESA? ·nepois. de admirar os p1·i– mores da edição entramos no _.a.ssun to: - Que nos diz, professor, sobre a atual literatura por– tuguesa? A resposta me es·panta: • - Creio que só um otimis– ta à dr. Pangloss, diz-nos sorrindo, seda capaz de trans– formar o medíocre no geni- al. . Há sem dúvida obras no– táveis ·na moderna literatu– ra- portug·uesa, mas são como 1picos emergindo dum conti– nente subm.erso. Infelizmente não lhé posso dar noticia de · nenhum Eça, Ramalho ou Antero. Mas não estarão por toda a parte assim de nive– lados os valores humanísti– cos, sacrificados ao interesse pelas ciências ? Nos tempos que correm, e!Il Portugàl co– mo em toda a par.te, a lite– ratura de imaginação que facilitava a evasão do real parece bater em retirada. - No entanto, aqui no Brasil, chegam-nos noticias de obras de ficção não ·des– providas de valor - contra– ponho. · Tenho sobretudo em mente a obra novelistica de José Régio. Do próprio titu– lo: "A velha casa e raízes do ;futuro se depreende como ele, aproveitando a e.xpe1iên– cia pessoal, procura surpre– ender o conflito entre as dis– ciplinas ·do passado e os ger– mes revoluci0:nários do ··pre– sente. No romance nota-se cada vez mais o anséio de de– vassar a • vida inter\or até aos domínios do slJ.!!-consci– ente, ou ·a vida exterior até onde os antigos e,:critores não punham .os- ólbos,- oµ os retiravam ... •.:.· • _ · ANTONIO- Sl!:RGIO E A LJ. TERA'TURÀ DE IDltlAS Quanto à literatura critica, continua Hernani Cidade, não se pode dizer que seja uma especialidade de genio p_o1·tu– guês, demasiada"TI-e!)-tE; Jm.c;J. para atingir i! _obJetiv1d2.de. Ainda assim; nesse campo t.emos hoje un:a admu•ável •·- ,_ ... i ~~;; !-lt - Sim, na verdade a ima- . ginação sobrevive, II!Qs na busca dos processos, não de evadir-se do real, mas sim de mais íntimamente o pe– netrar ·e revelar. Esta é · a tendencia da moderna litera– tui-a portuguesa. E é fnaís: tal tendêncl,a se exprime até na.s obras de carater maís subjetivo, como a poesia li– rica e o romance de fundo f ,i "l, t~fti t/:~::, ,t}\i ,, •;: ~---~.' auto-biográfico. _ - Como · poi· exemplo ? . . • - E' ver os versos de Jo- sé Régio e· Miguel Torga de– pois dos de Fernando Pes– soa e Mário de Sá Carneiro, predonúnantemente expressi– vos não de fantasias aladas, mas de fundas angústias, dl:amas .vividos no mistério da vida interior . E' uma poe– sia meio de conhecimento, realizada por quem não é alheio a Freud e está fami– liarizado com Prousst . •- Que foi feito, então, dos te:p: i.as de amor, tradicionais na lírica portuguesa ? - São hoje cultivados qua– se que exclusivamente por Jtju.lheres. Não. quer . dizer qUe todas se ·limitem a esses te.i;nas. Fernanda de Castro, por exemplo, fala-nos dos t>.ncantos da maternidade. So::>rQ o vale profundo, · onde flui o rio M2.ranhão, sobre os campos de Congo– nha, sobre a fita da es– trada de ferro, na paz das minas exauridas, convier– sam ent.re si os profetas. Aí onde os pôs a mão ge– .'lial de Antonio Francisco, f~m perfeita comunhão com if> 'a.<ko, o sal)tuário, a l)fl.iaage-m toda - magniti- /c;&, terríveis, graves e eter– .n'os - e1es falam de coisas ·do mundo que · na Hngua– ,gem da&_Escrituras se vão transformando em símbo– los ... & barbas barrocas de uns, panejadas pelo ven– to que corre às gerais, lembram serpentes vinga– tivas, envolvendo-se; no rosto glabro de outros, a sabedoria ganha nova ma– jestade; e os doze, em as– eembléia meditativa, ro~ bustos nã-0 obstante a fra– @ilidade do saponito em que se -moldaram e que os d.evot-Os yão cobiçosame11.• &, j - · .. .:_:.: ,e ..-., 1,_. t> {t ~,}::' L ... •·:~– 'f'': 1 I ,: r: ... .,. te lanhando os do,.,;.· consideram o t>Stado dos negócios do homem, a -tur– baçã-0 crescente das almas, e 1·eprovam, e ad"Vl-=rtem. - Uma braza foi cola– da a meµs lábios por um sera.fim - diz Isaías, ao pé da grade. E Jeremias cavado de angústias, deso– la-se: · - Pois eu choro a der– rota da Judéia, e a ruina de Jerusalém. Esse choro, através dos séculos, viem escorrer nos dias de hoje, e não ces.sa nem mesmo quando Isra- el volta a reunir seus memb1·os esparsos, pois só - outra Jerusalém, a celeste, nã-0 se corrompe nerr_ se arruina. * Na sua intemporalida- de, são sempre atuáis o profetas. Em qualquer tempo, .em qualquer si– tuação histórica,_ há - que recolher-lhes a -lição: MARIA DA SAUDADE CORTESAO int2ligênci;l âpta à mais clara. ~..wela camiliana". são do me– dilucidação das ideias e a m::µs · ·1hor que em cl'itica vigilan– fína análi-se d:os conceitoi,: ~n- te se t em feito em Portugal. tonio Sérgio . Que . forllA de - E quanto à .critica so– paixão ele :>ôe Iiqp, racioci- cial e de costumes pergunto nios mais controlados I E' com uma ponta' de malicia, certo que essa paixão o leva pois demasiado sei que a n.t– às vezes a emitir uma ou ou- mosfera em Portugal atual– tra nota discordante, mas é mente não favorece a discus– indiscutivelmente um grande são : dess as e doutros as:;un– mestre, o maior no esforço tos. Mas Hernani Cidade não de . disciplinar a explosão se dá por achado. Responde: emotiva com qui; nós, portu- - Não temos hoje os gran– gueses, ela'.>oramos a obra li- des panfletários do século terária. ...,.,..· passado, é certo. A critica No entanto. JJOdemos apon- que se realiza é a da litera– tar outros nomes. Livros co- tura de ficção e não a do mo os de Joaquim Carvalho ensaio. Romances inte11essa•– sobre ''Antero", como o de dos pelo social abundam e Vitorino Nemésio sobre ''A creio bem que alguns hão de Mocidade de Hercula.:o", co- ficar. Refiro-me sobretudo à mo o de Salgado Júnior so- obra novelistica de José Ré– bre "A Menina e Moça e o gio, a que se deve juntar a de dramà sentimental do Renas- Miguel Torga, Vitorino Ne– c!mento", como o de Garpar mésio e Alves Redol. Simões sobre ;;Eça de Quei- OS NOVOS E O CONFLITO roz" •ou o de .Jacinto Prado DE GERAÇõE~ Coell1o, "1ntrodução à 110- - E quanto aos novos? ,.. / '. Que talentos têm surgido ul– timamente"? · - . Suponho que muitos de– vem ser conhecidos no Brasil através, sobrehudo, da An– tologia de Ce.cilia Meireles, '·Poetas Novos de Portugal". Não os citarei portanto. Mas muito 1 1 ecentemente apareceu um poeta que me parece dig– no de menção. Chama-se Se– bastião da Gama; e das so• lidões da Serra da Arrábida, onde foi para se restabelecer duma doença, trouxe um li– vro belis_imo com poemas de grande. emoção . Podemos ci– tar também poetisas de mui– to talento como Natércia Freire e Sofia de Melo Brei– uer, tão inquieta e profunda. - Existe em Portugal ·aqui – lo que deram em chamar '"conflito de gerações"? - Nunca ouvi falar em tal. Pelo cont~·ário, os moços mos– kam o maior respeito . -pelos ieus antecessores nas lides li– Jerárias. Nomes como os de CernandQ Pessoa, José Régio .jf . i ~ '' ,;: t\ l i :-?1 ... ~ > ·1 •·i ·l ... ...: .. 1 ·•. _: i • ·;·] .. ·· ·: ' tl . .. , •• 1 .,./ '\J ..,J ·,. ! ~l ··.'•r ? .. ·] 1 i .i ,4) ./ ' .· -- =- ~ XILOGRAFIA. DE YLLEN KERR COLÓQUIO DAS ESTATUAS \ Carlos Drummond de Andrade - Eu explico à Judéia o ;n-ui,l que trarão à 1:len-a a lagarta, o gafanhoto, o bruco e a alforra - é Joel quem íala. Aos que Ha- -bacuc, braço esquerdo le– vantado, investe contra os tiranos e os dissolutos: - A ti, Babilônia, te acuso, e a ti, ó tirano cal– ~u ..• Numa visão apocalipU– ca, Ezequiel descreve ••oo quatro animais no meio das chamas e as horríveis rodas, e o trono etéreo". Ozéias dá uma lição de doçura, mitndando que se receba a mulher adulterâ, e drela se hajam novos :fi– lhos. Mas Na.hum, o pes. simista, não crê na recon– versão de valores caducos: - Toda a Assíria deve ser destruída - digo eu. Contudo, hã esperança, mesmo para os que forem atirados à jaula dos leões ~: contá-nos Daniel (e em numerosas partes do mun– do eles continuam a ser atirados; apenas os leões .i;e di&farçam); esperança mesmo para ,os que, por três noites, habitarem o v.entre de uma baleia - é · experiência de Jonas, a L minho de :Nlnive. . . * . Assim confabulam, os profetM, numa 1·eunião fantástica., ba,tida pelos ares de Minas. Onde mais .poderia.mos conceber reuni– . ão igual, senã-0 em terra , mineira, que é o parado– .xo mesmo, ~ mística que 4rall6forma em alfaias e ' ;púlpitos e genuflexói:!os a febre grosseira do dia.man- . .te·, do ouro e das pedras de cor? no selo de uma gente que está ilhada en– tre cones de hema.tita, e contudo mantém com o -universo uma larga e fi– losófica intercomunicação, preocupando-se, como ne– nhuma outra, com ..s do- t 'Miguel Torga, na. 1>oesla, Alves Redol, no romance, Vitorino Nemésio e G;upar,-.-.... Simões, na critica, são consi– derados como de mestres e, em alguns casos, cer cados de veneração. Antonio Sérgi o tem também grande presti- t:io entre os moços. As reu• niões dos sábados u n sua casa tornaram-se um centro de irradiação cultural. P or outro lado não faltam ·escri– tores já amadurecidos que manifestem franca s.imp3tia pelos quE !!Stão surgindo. Is- · to tudo não quer dizer que os jovens escritores estejam intelectualmente subordina.dos aos "velhos". Pelo contrãrio, mostram uma grande 2.uten– ticidade, uma personalidade sem repetições. ESCRITORES BRASILEIROS CONHECIDOS EM PORTU- GAL Mudando _de a~sunto p er• - guntamos: - Que escritores bi-asilei– ros ·são conhecidos em_ Por– tugal? - Dos romancistas, muitos, Erico Veríssimo, José Lins do Rêgo, Jorge Amado e Graci– liano Ramos têm o seu pú– blico certo. Dos poetas co– nhecem-se, além de Olegário Mariano e Augusto .Frederico -' Schmidt que .poi- lá andaram recentemente, Manuel Ban– deira, Jorge de Lima, Ribei• ro Cout-0 e Adalgiza Nery. Nas rodas intelectuais, ouve– se falar nos nomes de Carlos. Drummond de Andraci.e, Mu– riló Mendes e Cecília Meire– les, mas infelizmente poucos de seus poemas chegam até nós. Das revistas literári a6 bra– sileiras, diz-nos Hernani Ci– dade que· só '·Orfeu", edita– da pelo jovem e ativissimQ F2rnando Ferreira de Loan– da, lhe chega às mãos .:. · BRASIL E PORTUGAL: m– MAOS AMIGOS QUE SE VOLTAM AS COSTAS - E então e.sse famoso in• tercãmbio ctútural luso-bra si– leiro de que tanto se ouve !a• lar? · Hernant Cidade sorri e a– brindo os braços num gesto expressivo, diz-nos: - · Brasil e Portugal me ;parecem dois irmãos que quando se encontram. se der– ra1nam em efusões de liric.o amor, mas que, indo cada um à sua vida, nem um po t.al -se escrevem... Seria mais u1teressante que rnas efusões de ternura se convertessem em uma corren– te eficiente de permuta in te– lectual ~ confrater:Jização es– iPiritual. Os dois paires ir– mãos seguem demasiado à le• ti-a a polit.ica de "amigos, ·amigos, negocios à parte . . ." Esperemos que possam vir a entender-se também no ter– r eno do concreto . Assim, seja, dizemos todos nós. ALGUMAS OBRAS REPR.E– SENTATIVAS DE HER,, 'ANI CIDAD.E Ensaio sobre a c;jse menial do século XVIII. - Lições de cultura e li• teratura portuguesa. - Luis de Camões - 1 -- 0 Lírico. II - O Épico . - Bocage. . - A Literatura Portugue- sa e a Expansão Ultramari– i na /Prêmio Vaz de Caminha '<le. 1943). - O Padre Antonio Viei– ira. - Ccmceito da poesia ,co- 1 mo expressão da cultura a tra– . vés da literatura portugues11 e brasileira. - A literatura autonomis– . ,ta sob os Filipes. <Uma li• teratura de Resistência) . _ ·. - Alguns aspectos da- cul– tura bra-sileira. (Conferência sobre M;muel Bandeirà; José ~ins do Rêgo. e Gilberto Frey– re). res do mundo, no de ejo d.e interpretá-las e leni– las ? Um povo que é pas– toril e sábio amante das. virtudes simples, da mise-' ricórdia, da liberdade - um póvo sempre contra o_.: tiranos, e levando o sen- · timento do bom e do jus-' :to a uma espécie de · lou-l cura organizada, expiosiva;' e contagiosa, como o reve– lam suas revoluções libe.: rais? , * '' São mineiros esees :profe– tas . Mineiros na pa.tética./ e concentrada. postura em que os armou o minàr~ Aleija,dinho; mineiros na; vi.são ampla da terra, sewi males, guerra.s, crimes, tris-; tezas _ e · .. an,elos; mineir~ no julgar friamente e n curar com. bálsa.mo ; n pessimismo; na i._luminação íntima; sim, mineiros de1 cento e cinquenta. anos' a.trás e de agora~.. tacitur-, nos, crepuscular.i!S; ·mess1ã.. :nicos. e mel,J:icQiS,.

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