Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1949

·o ·m a~--e+1 ,---.; >---------------------------------------;:----------------:-----~ ARTE LITERATURA , Pará-Belém. Domingo. 22 de Maio de 1949 _______________________________________ :, __________________ _.::~::..· ----------------------- ' Já 1;.um Congresso de Filó– ~fos católicos realizado em Roma, para debater . o pro– '9lema do Existencialismo, o grand.e Jacques Maritain as– :,mmiu a ma.is corajosa e com– -lJ)reensiva das posições. En– .._(}Uanto outros pensadores ca– itólicos, leigo;; ou eclesiãsticos, i"êem no movimento existen– .cialista ora uma espécie de Confederação Mundial de exi- MARITAIN EO EXISTENCIALISMO . - . . fonte e sua unidacte. O bur• gués. diz Mounier, perd,:u o amor e quer encontrá-ld a– través de quem e do que 1t1er que seja. A salvação do mundo é reencontrar o qu& perdeu, é cliri~ir a cultura. para o amor, harmonia d:i. alma e• co-muuhão das alm::is. - :l>icionistas e obcenos, ora uma 1 escola meramente -uterária, o ,t>ensador de Meudon conside– lrou o fenômeno com mais [s>rofundidade: não lhe negou, ~em absoluto, foros de cida– .',õania fílosóiica. Não conhecemos, senão a– il:a vés de curtas citações, a (contribuição do nata vel !)éO• blemas cruciais do sist ema to– mista . Respondendo ao artigo do filós.ofo pra.gmatísta nol'te– americano Wilmor. Sheldon, publicado na revista "The Mo– dem . Schoolmàn (jal!leiro de 1944), sobre a necessidade àe maior cooperação e ju;ytiça in– ~electual entre os filosofos contemporâneos das diversas escola$, o representante fran– cês lilo pensamento néo-to– mista insiste em que seja es– tendida a mão aos demais fi– losofos para melhor entendi– mento de seus problemas de pensamento e de ação, e, en– tre aqueles, os filósofos txis– tencialístas. JORGE DE LIMA cialista, n-0 e-aso de Gabriel t0 néo-tomista. E pretende Mal:cel ou de. Sartre; mas. uni- ~:i,es.HIO conduzir para este cam.ente de melhor compre- ponto algumas de suas pró– ensão dos problemas, para .:unas · elucubrações filosófi– que sejam pos&iveis encontros cas: Pelo que nos anuncia em dos diversos sistemas filoso- "Raison et Raísons", muito licos em tentativa de mutua temos a esperar de- sua pró– compreensão, esforçando-se os xima obra sobre o pensa– seus pensadores para encar:ú· mento existencialista, na qual com justiça intelectual as teo- arnpliai;á as comunica<;ões fel– rias de seus muitas vezes a- ta3 no Congresso de Roma, em penas apa:rentemente adver- l!J44. Personne": Esse ideal de· uma cul!ura. que se propõe, seja ~ual fõr 0 meio, tornar o homem · mais inteligente e mais realizado, esse '"replá– trage" e esta ampliação do velho espbrito das humanida– des, é a prõpria negação do :onceito pe1-feito de l1llllllallii– dade. A inteligência, •·cette, petite chose qui se meut. à l'extérieur de nous-mêmes", a !11teligência que analisa, dis– ;eca e decompõe, guia certa Os que falam assim p,;r – ceberam tiem o êrro de uma eilvilização moribunda: ils mon– trellt d't!D dmgt s le ehe– min qtú naus sauvera. Po– rém vêem eles também que esse caminho é estreito e es– eon-e:aoio e que um sill1!.i>les passo em falso pode precipi– tar-nos no desespero com os nossos pobres tesouros ? A t– tentioa au vertige ! Dirigir a cultu~·a para o amo11, sim, roas sabendo que ela é um ato de inteligê:ncia e nãn dQ coração, que a ordem do es– pu·ito é iufe1·ior à oi-dem da caridade, à qual deve sulu.>r– dinar-se e não com ela con– fundir-se, en:fim, que a e.xi- • gência de uma .filosofia d.a pessoa é tornar a alma har– monillsa, o que não é somen– te conquistar o principio de sua unidade, mas conservar rodas as vozes que a com– põem e cultivar distintamen– te as faculdades distintas p.ir natureza. Pelo motivo de nosses país só terem conse– guido ' '1.rn bout de la chaine" { tomista ao Congresso de Ro– ma e esperam:>s, com a natu– tTal ansiedade de modesto dis- ' cipulo, a sua publicação, já 1inunciada para bi-eve. . Mas, )·~m seu último livro, "Raison Não se trata, é evidente, de abdicâr aos principias nêo-to– mistas no caso de Maritain dos ·pri-ncipios de- filosofia pragmatista, no caso ele Shel– don, ou ela filo,sofia exis.ten- s~rios, em urna ou outra ques- Para a in·t.eligê-ncia, par,i o tao. :,.1nor. pani uma reali:.:aci':o Jacques · Maritain, como o imediata do ser, entre outras jefüita francês Danielou, não · pr~senças, propõe-se o Exis– negà que o estucia dos prob-le- trncialismo. E nerse rnnto mas cruciais do Existencialis- seria proveitoso ouvir-se a pa– mo é uma fonte de fecundas lavra sempre sábia de P. Hen– elabora!;&.<>s para o pensame:n- ri Simon em "Dest.ins de la ;eria se não fosse o pecalilo modal do racionalismo bur– guês centrando sobre si tu– do o que se. convencionou cha– mar de vida e cultura. t Raisons", contendo uma es– tPécie de ensaios esparsos reu– /.llidos pelo seu devotado ami– , 1gc, o padl'e Charles JC\urnet, /_há, em vários estudos sobre o )Jell.S!tmento filosófico contem– ,poràneo, afirmações de primei– ' ra água sobre a obra e a a!;ão . d-e Husserl, Heídegfel!', Ua– lsbrie1 Marcel, Paul Sartre e 'c arnus. A verdadeira novidade, a verdadeira revolução espiri• tua! consistfria em reencon– trar o alto sópro da vida, sua VlA~GEM A·o SOBRENATURAL Assim, no ensaio sobre os atuais problemas relativos à e– : volução do conhecimento hu– i mano, Maritain analisa pro– l J>riamen~e . a metafi~ica d? !'Existencialismo; esmmça a \iuz dos principios tomistas, o €rande malentenclido existen– ,cialista: pretender que o con- 1:eito do ser apenas se limte ~ linha da existênci , menos– prezando de todo a das essen- . ·,cias, e à custa de lutar pei~ •t;Ua atualidade, esquecer que a ,para o metafisico antfs de itudo uma ab_stl:~ção e _assirn 'ele. inconsequenc1a em meon– ~quência, o Existenci~lismo /,chega à própria. negaçao da 4déia do ser. Porém, como a iinteligencia foi feita para o li,er da mesma forma que o \peixe para a água, o filó.50fo ..existencialista percebe a sua r . grande tragédia: a angustia– . da afirmação que decoi-re sob ' o primado absoluti-!lta do \ ~xistir sob a .tirania da exi.s- téncia. -Por isso Maritain assume, ,e~ face do movimento exis– µncialista unia atitude não Mundo pressentido e oculto - na palavra anjo·à porta.de Tobias. na ·viagem não realizada mas da qual se trouxe um pássaro que não pertence a nenhuma fauna e um peixe de fogo; · n~ palavra mãe onde há o mistério do cotidiano incompreendido; - na palavra mosca onde se faz presente o desespêro da escolha entre o mal e o deserto; na palavra rosa, corpo e essência do efêmero.1 Nà imagem vista·no espelhol a boca a os· olhos na voragem do tempo oferecem o amor, puro e inaccessível .. A voz presa; no disco da vitrola é çrpenas o outro lado do eterno-~ nós nos agarramos ao outro. Acreditaram eles que a vo– cação superior do homem era criticar e compreender. Ad– vertimos-lhes boje que essa vocaçâc, legitima é querer e amu. Porém não esqirece– mos que vontade e caridade supõem critica e conhecimeD– to, e que o amor não i:ontra– ria a ra:z-ão - ..Oui, mais le rai3onnement tue l'amou1·". Vêde o homem viciado a passar todas as coi:'as pelo crivo de sieu espirita. ~ penas francamente simpática, mas de re.pulsa à atitude dos católicos que lhe pretendem í obstar consentimento ao senti– \ do de permitir aos filósof?s \)léo-tomistas uma nova e m:us PAULO PLINIO ABREU Toute fraicheur en lu1 s·ex– tênue. Como pode1i a amar simplesmente os seres, as coi– sas da natureza, as . criações da arte? Julga-os. Receoso de entregar-se a qua!quer ilusão, renuncia a qpalq'tler ap.oio: <' teme ser empolgado pela ilu– ~ão ~ acaba verdadeiramente sendo empolgado. A fé, co– mo a cardade exaure-se na Iuz crua de su'a alma - um de!e-rto ~m miragem, em que tudo e nítido e va.mos wzer puro~ mas onde só e1·esce-m as plantas enfezadas do orgulho e _do egoísmo - solo própicio à germinação !la semente facil do Existen• eialismo. f-ocunda apresentação de pro- -------------_.....,,.,~ _________ .:._ _______________________________________________________ ~--------- Saiba o leitor que um dia Mi;nu~,l Ba!J-deira aeabav~ ~de despertar quando o telefone tocou: Aqm fala um p~d..l– ! mnho'' dizia a voz, que em segmda advogou a honra de ' ccmpai-ecer ao ap~rtamento do grande· poeta ; ~diu-füe con~ ;,selb-OS e orientaçoes .para o.s seu~ obscm'?s ve•IS?s.- f? '°.antOI Uustre acedeu, e meia hora depolS receb1_a a v1s1ta d~, ll?l , -cidadão . "Qual é sua idade?", pergun_tou-l~e l\.!8,nuel.• 1'._rm: Jta e um anos", reterquiu 0 desconhecido. Enta?. voce nao e 1nais pardalzinho. Já é pardal velho". E como Ja era pardal ;-velho, que começara a cantar bem tarde, os poemas de nadu. valiam. . M B d · o episódio não é único, na v~da d-e anuel an _eira. ,Quase todos os dias o poeta e v1S1tado por ~ pard~lzinho, f»a maior parté pardais ainda ~plumes,. que vao pe~n:-~he o fimpossivel, qual seja o segredo mcomun~cavel de ser giande ;-poeta, coisa. jam,ais contagi?sa, q~~ os _aspirantes devem desco– ·!1Jrir em si mesmos. ·E, apos a v1s1ta mesperad_a, ~~nuel con– 'fessa: "Hoje fui "atropelado" ~r ·um P_ardalzi:nho • Acontece que essas apariçoes terminaram por cansar o 1>oeta da cidade. Adolescentes ambiciosos que-riam ª!!ancar ~m um minuto o que Manuel passara sessenta e tres ~nos íaprendenilo; clivavam-no de perguntas, tentava_m suga-!o, i:lntimavam-no a que se ·explica~. "Mas meu ªIl:'1go,- eu nao ll)OSso explicar-me", obtemperava Manuel_ Band_e1ra. Para sair do impasse, Manuel Bande~ra vai apelar pa~a · ,os jovens menos respeitosos de uma revista de yangua~da h– l:terária, pedindo-lhes que o ataquem ~om tanta sede_ e__v1rulên– f.Cͪ que os pardais deixem de aCl'edita1· em sua opm1ao. Con• 1 rudo, seu.apelo não será atendido, de modo que o ilustre p<>e– tta continuará a ser acossado pelos pardais. E estes andam 1:J)or toda. a cida.<re, No A.rp0ador, entre os rochedos e um tre– f cllo de mar belo como um sonho acordado, podereis surpre– Lender, ora pela manhã, ora ao entardecer, um misterioso par– .õal que, sentado numa pedra, passa, horas e hol'as buscando ' irnduz.ir em versos o intraduzível movimento do mar. Sabe– .m-0s de uma moça de olhos g~ucos, lenço à cabeça e sandã- 1ia.s, que ousou perturbar o seu silencio e perguntar-lhe sobre e que escrevia: "Escrevo.sobre o mar que me contempla, co– mo todos os poet.as verdadeiros", respondeu, ameaçador, o PIEDADE. PAR,A Um .Pardolzinho Lêdo Ivo (Copyright E.. S. 1., eom e'.'ltclusividade para a FOLHA DO NOB.TE, neste Estado) pardalzinoo. A outra pergunta, informou que não publicava os seus poenNls, não çonnecia ninguém que fizesse versos, é viveria assim eternam-ente, longe de tudo e de todos. A moça fei embora, intrigada com o mar que contemplava o poeta, em vez de este contemplá-lo. Ainda em Copa.cabana, num edificio em construcio, há um pardal, já velho, que improvisa ~nções diante das belezas que passam, preferindo, como é natural, aquelas que entram ou saem das entradas de serviço. Templário urbano à tarde ele prefere passear pelas ruas de Ipanema, e o faz alegrem~m– t.e, pois as crianças do bairro o e.stimam. Na cidade, em plena zona bancária, existe outro pa.rda.1- .zi.nho que- atropela qualquer conheci<io que se - lhe depare, obrigando-o a ouvir o seu último. soneto. - E ainda no centro, numa autarquia, ha um parpalzinb,J que merece a atenção de todos os qu-e s.e inte1,essa.m por essa. teoria de pá..c:saroe: chama-se Manuel T. C. Filho, e seus cole– gas, serventes e continuas, o - olham. com o maior respeito, pois os quatro ventos autárqiucos sabem de seu exercício co– tidiano do verso, feito fora das horas do expecliente. Sua poesia situa-se entre o .erudito e o popular, e deste último território, nwneroso e anônimo, lhe chegam as emoções sim– pl~, as facilidades da rima. o sentido melódico da canção. A flor da incompreensão amorosa 6 p1,nge como a todos os pardais, e é a responsável pelo incessante acúmulo de versos • . Em um soneto, diz-nos o pássaro~ "Eu sempre contemplava com doçura aquele tipo de real beleza ... " . . o que testemunha, de sobra, a presença esq1frra que }he- se– gue os passos, suscitando~füe movimentos de •PftL'(ãO, ciúme e1 pungência perturbando-o e entristecendo-o. O canto, fala, a.inda, de sua. Doroti, e de seu amor "que teve prematura.. -""1.-ente um fim tão trágico". Informa-nos ter ouvido a voz de sua cruel bem-amada: '·A tua voz a. repetir, numa balada inlernal, esta frase desalentadora: Odeio-te, Manuel. Odeio-te!". Em outros poemas, tomamos conhecimento de que o poe– t.a 11asceu na Bahia e veio para o Rio "em busca de uma neva atmosfera". Saltando da cristalinidade deste metr9 :para outros motivos, aS1Sistimos ao tormento das desf)eõid~ inexplicáveis. "Meu.s, querida Clélia, vou-me embora. De ti, me restam só coisas de outrora". Submisso às lei.s da lírica de circunstancia, o nosso J)ar– <l.al já saudou, na magia ondeante de um se.neto, o seu pró– prio chef-e, e entre os quatorze versos que lhe dedicou um há equiparável ao melhor Gôngora; "Senhor dos movimentos da vontade". E a noção de sonhar a realidade, indestJ.•incá– vel de qualquer bardo é surpreendída numa canção: Eu vivo como em um sonho sem direito de sonhar... " , Por e,te e outros motivos, é que nos parece injusta a ati– tude do grande Manuel Bandeira, buscando esquivar-se des– sas visitas de pássaros. Que o maior de todos, de seu trono criva.do de constelações, tenha piedade dos pardais e , oo re– ceba sempre, mesmo que eles já sejam encruados ou tenham as asas partidas. Ante a recusa de Manuel, e;;ses pássaros po– derão um dia ler estranhos anuncios em jornais: "poeta con– sagrado aceita visita de pardalzinho". Ora, vai o pardalzi– nho descuidado e, batendo as asas, cai na escuridão. Manuel Bandeira, a Ci-dade vos pede; tende pi-edade ~s pardais, ·

RkJQdWJsaXNoZXIy MjU4NjU0