Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1949

S PLE M E N T O ARTE LITERATURA Pará-Belém Domingo. 15 de maio, de 1949 N: 0 123. O estilo da Literatura àe Idéias nã-0 é, realmente, da mesma natureza do estilo da literatura propriame.qte dita. J.sso mesmo o demonstra com fx1.1berante argum-entação, no 11eu livro "Du Style d'Id'ées", o pensador francês Jullen Benda. E' muito mais esti– ·mulante a leitura dos autores éom que, se não tem afini– dades que a leitura daqueles qlie estão muito próximos de illós, Julien Benda, mesmo 41uando irrita, é esclarecedor, Ensina, pelo menos, a :fazer frente ao gênero de espírito - o espir1to geométrico - que tio apaixonadamente re– tpresenta. E é talvez por isso mesmo, · porque Julien Benda ,é t:m apaixonado que se ig– nora, que os seus ensaios me ESTILO E LIT-ERATU RA Piccard, para conhecer o que se passa nas abismais profun– dezas marítimas, tem de des◄ cer, com risco da própria v i• da, ao fUndo do oceano. Ora, o literato está p a r a o pensador como o químico para o argonauta. A lite– ratura não se o eu p a de idéias, realmente, e ainda bem, pais o seu dominlo nã'– é o laboratório em que un1 Kant dispõe os elementos cons– titutivos do conhecimento hu- - encontram sempre pronto a ilê-los e a comentá-los. realldade. Naturalmente que Julien Benda, racionalista como é, parte da concepção de um mundo cujo conhecimento em sl é impraticável, pois é o pensamento que or<bma a rea– lidade e só no pensamento a. realidade se torna matéria de conhecimento. Daqui o seu culto fanático das idéias · e o seu_ desdem pelo conhe– cimento intuitivo, quero di• zer, pelo conhecimento di– reto da realidade, conheci– mento este obtido mercê da identificação entre o· homem e o mundo, entre o sujeito e objeto. Sem pretender enfi– leiuu' ao lado. dos partidários JOÃO GASPAR SIMÕES (Copyl'igM E . S. 1., 1)4)r acordo .com o "Estado .de São Paulo", com exclusividade para a FOLHA DO NORTE, net1• · te Estado) do .pensamento intuitivo, e re– conhecendo, mesmo, .que pen– samento e intuição são W!m si formas opostas de conhecer, não posso deixar de repelir o método de Benda segundo o qual só é conhecimento ver– dadeiro, só é verdadeiro pen• samento, .o que se pensa, o que se conhece no plano da abstração, no domínio supe- rativo das idéias. . Com efeito, uma páilna de Gide não é um discurso abs– trato e coerente, mas uma sonciagem p~ ,oal da realida– de levada a cabo do plano da própria · vida. Enquanto o pensa.dor- procede um pouco cofn.:J o analista que isola nu– ma retorta oxigênio extraido do composto água, e, anali– sando o oxigênio primeiro, e depois o hidrogênio, não ana– lisa, de fato, a água, assim é o homem das id.éian, e;;se bo- mem que Benda proclama único conhecedor da realida– de. Ora. na verdade, a ãgua é, na sua estrutura química., um composto desses dois ele• mentos e a ciência não ter!a chegado onde chegou c~o_ os químicos se não tivessem cem– sagrado a decompor os ele– mentos constitutivos de tal substância. No domtnio da química, portanto, o conh1;ct– mento analltlco tem uma 1m– portancia fundamental no a– vanço da ciência. Mas que avançou o conhecimento hu– mano em matéria de fâuna maritima. por exemplo, com esta análise qUP.litativa da água obtida no lantlratórlo ? mano: a explicação metafisi– ca do espaço ou o esquema das categortas. Aliás, se a elabo-·. ração de um sistema filosó- fico capaz de· nos dar uma explicação do mundo repre– senta uma contribuição fun– damental pa1·a o conhecimen• ;o deste, a verdade é que, gi:aças a esse sistema - seja o de Kant seja o de •Hegel - E' evidente que o estilo do a:iensamento, sendo essencial– Jn!)Jlte demonstrativo e lógico, _constitui uma categoria à l)arte: não é, própriamente, mera.tara. E Benda, com or– gulho o proclama: porque o tyensamento é lógl:ca, coerên– cia, demonstração, enriqueci– mento espiritual da realida– de, só o pensamento tem va– lor na história· das idéias; a Jiteratura nunca. fez avançar de um milímetro o conheci– mento da realidade. A lite– ratura é apenas literatura, ou 1eja, uma coisa· a.gradável e efêmera, um passa-tempo mais caro ·a mentalidades fe– JB!ninas que a inteligências de homem. E_VOC.AÇAO MARIANA o mundo. · na sua complexa tealidade c,mcreta, continua– rá perfeitamente descoDheci– ào. E' Isto, de· resto. que ex– plica que um Espinosa tenha 11assado grande parte da sua i\'ida a polir vidros de ótica e que Kant tenha consagrado. a sua existência ao ensino da filosofia. Do alto de uma cá– tedra ou do interior de um qoarto, Kant e Espinosa têm uma visão do mundo que · dfspensa. absolutamente o co– nhecimento direto desse mun– do na sua. vibração e no sea tumulto. Mas o mundO que a literatura dá a ,conhecer 6 outro mundo: é o mundo que ae não descobre · do alto de uma cátedra nem se lobrlga do interior de um quarto fe– chado. E' o mundo onde os homens viven:. tal qual como 6S estranhas espécles maríti– mas que habitam nas regiões abismais dos oceanos. Para eonhecer aquele é preciso empregar um processo idênt1• eo ao do que o professor Pic– ·card empregou para conhecer este: é . necessário descer -da cátedra ou abrir a porta do f)ttarto, é necessário ir até ao melo em que as espécies hu• manas vivem acionadas • não 1M>r idêias, não por 11rlncipios, Se não é isto que Julien llenua afirma, não .anda mui- • to longe de uma tal heresia o arn.zoado apertadamente illdático do seu último livro. Claro está que }lio ousamos · ,::onvaditá-lo no ponto em ~ue ele distingue o proceS!o do pensamento do processo da literatura. Nunca me ocor– :reria considerar Kant um li– •e-rato, ou seja, wn artista~ No que a sua tese se· me afi– cura um po.uco pretensiosa do A igreja era groncfe e ,ol,re-; Os altares, humildes. Havia poucas flores. Eram flores de horta. Sol, a luz lrac:a, na- sombra esculpida l'luais as imagens e quois os liéis ?) ficávamos. . Do padre cansado o ...,,Mi,rio de rez41,- · •• às tákos ,lo fôiro, .j htio no púlpito sêco, ettt,anha~o-se na onda, minúsculo e lenta. de i11eenso. ,,erdia-se. · Hã., NO se perdia ."7: Desatava-se ,lo ç4'o a ..,s,co ielicioMi . onto de "Vista !lo pensamen– ~ é naquilo em que .toma a Jlf?ito demonstrar · que o -u~.; rato, pelo simples tato ·de ser · !iterato, isto é, de usar de WJ.l estilo obtido graças ao sacri– tlcio da lópca e da precisão, ~ benefido .da harmonia e lia- elegàncla, mo nos propo!• /ffUe -~spe,o ain4o ouvir• ltoro • morte, OU· Jepeis Jo INOl'fe. NS Cf!l'IIHNS ~1. e fiem MÚsictl WlfHIM ffleflÍIHIS - . G afvuro IIN.... - .. ·. não por abstrações, mu por 11aixões, por instinloa. por me– ra vitalidade e por indecom– )>Onivel interação. ·. fflltfonn. · na 'Senio . prazer dos senti– .tos ou. mcoordenadas e espo– ,rádicu uWas. as quais, pelo lato de serem Incoordenadas. e e$JIC)ricllcas, ~ podem eon– uibuir de modo algum p&ra De ...., ~- fe,re;tre o · llflYe li6ertoda, · como ,lo fe111po fifroz iltHlnes IINNS ai,...,, lle,hffíya,nos ,.. C#lltO ...tiNI, are • t.rffo tio vale.' profundar o co~ento da .lá escrevi sobre José Antonio da Silva, que até doiB • .anos a.trás era apenas um aujelto chamado JOflé Anto- lo da Silva, de cor branca, casado, com elneo filhos tnenores, porteiro de uin hotel DA cidade de Rio Preto, ,ao interior de São Paulo: Ordenado: 235 cruzeiros; alu• pel de casa, 150 cruzeiros. Histórico: fllho ·de um ear– ,elro, criado na ;oça, seis meses· de eacola primária, foi pra a cidade depoia de casado. um dia ele foi a uma. Igreja e viu umas coisas pin– .tadaa. Perguntou ae aquilo era feito por máquina w / ;.ior homem. Disseram que era feito por homem. Jlntão #hou que ne&1e caso ele também poderia fazer. Com- 1pou umas latinhas de tinta. del!BM de pintar portu, arrumou um pedaço de flanela, e fez seu primeiro qua• ".mo. ·Não pintou a portaria do hotel nem uma rua de– 'lJUo Preto. Pintou uma cena de sua infancia já longe; ·iffs homens· colocando uma tora em cima de um car– '•o de bois. Gostou .•• Pintou outTos quadros.•• Tem um desenho ingênuo mas expressivo, um ins– .!Unto de composição perfeitamente raro e um senso de cores surpreendente. seus quadros, quando não são de .assuntos biblleos, são paisagens e cenas .da roça. · Dois :llódem ser vistos na parte de pintura paulista da expo– ·fdção da Sul Amériea-TerrestTes. Bm começo de .junho '• "marcband" Fioca farã, no MJ.nJst.érlo da Educação, ltuna exposição com uns 200 quadros paulistas; 60 i1ão do Silva. Esse mesmo e exc~lente Fioca, da "Galeria Do- "mus", de São Paulo, fez sua primeira expo.slção, em que ;orendeu todos os quadros. Silva comprou e está pagan– tlo a casinha em que mora, tem boas telas e boas tin– tas, mas sua pintura é a mesma. "Pinto para me agradar e me curar daa mágoas i,assada.s . •• eu pinto por· distraimento e por umas re- --CAaLOS DAUMMOHD DE AHNAOE- O PINTOR SILVA • llubemBraga c.t,yrif)tt E. S. J., e.. o:eluiTlhde pan a FOUU. IH> NORTE, M5te &ltaà) cordaçõea do ·meu tempo de criança...... . _111a com!llàoes de Silva. Em São Paulo levaram-no a casas de pesaou lmportantea e depola a. Santos, para ver o mar. Com. suas calças brancas de caipira, ele se portou dlgnamen– t, COJO. .essa estranha boa. educação da gmte do inte– rior. Em uina enorme sêde de expressão (depois de mi• lhares de noites brancas de vigia noturno do hotel•.. ) o Silva não somente pinta como também escreve em prosa e verso• Prosa:, "São Paulo, 27-5-lS.8. Cheguei na capital de São Paulo e ftquel completamente eblbibido por ver tantos monumentos e tantos perigos. Notei logo a grande di– ferença do do interior. A calma, o socego e a paz e a trancolidade aqui na capital é compretamente o con– trário, farta de calma, agitamento, perigo correria. Vi também no Bonde coisas muito o contrário do interior e do tempo antigo de quando lnzbtlo os meus avós. Moças no melo dos homens empé dentTo do Bonde, es– premido como sardinha na lata, trocando resp4'ações, . um com outros, si meus avós no tempo delles aeistice umá sena desta maneira se enloquecla no pé da letra. creio que a grande deferença entre o tempo antigo com Não fizeram um D06tole– .wski ou um Proust avançar em coisa alguma o eonbect– mento Intelectual do mundo ? Fizeram-no avançar tie pou-.– eo como um Kant ou um He... gel, pois estes, •no.s sistemas filosófleoe que construiram. deram aos homens pontos de . (C... l"'láa • 3.• JII\C.) •agQ!'a-é o seguinte. o. café é preto_ o leite é Branco". · Peesia: ' ' "Parti de São José do RiG Preto no dia 12 do OOl"a rente. - Viin. pella estrada de ferro viajando perfeita~ mente - Apiei na estação da luz ai meu deus flUe tan– ta gente. Tomei logo um carro que estáva no ponto parado - mi leve na Rua enrlque mart1n e vamos com Bem eoidado - eu paguei o motorista e elle mi dlcce multo eubrlgado. Cheguei na caaa do sr. Proooplo com à maior satis– fação .:... escontrel com a impregada dlee adeus peguei na mão - eu aou o artlsta Silva vbn slstir a minha ex– pozição. Tomei logo o Honibua que vinha do auroporto - logo entTel na. filla um atraz do outro - cheguei na do- . mus Isto para. mim. foi um gosto. Fui vendo os meus quadros cuazl todol adquerido - enoontrel com o sr. fioea que é um grande amlgo - eu abracei com elle e elle abraçou com migo. Já veto chegando os crlticos e fomos converçando - .Mi chamaro por um lado e foram mi enterrogando - yoc@ nunca teve escola como que continuou pintando. Pinto por me distrair é por achar muito engraçado ..:.. pinto nas horas vaga sem mecber no meu ordenado - sl estou doente eu saro quando estou enfrente os meus quadros". Silva está escrevendo o romance de sua vida, que ilustra com desenho. Esperamos que alguém o edite. ~rá uma. parte do romance do Brasil, dêsse Brasil caipira que encontrou José Ani,onio da ~Uva ]llD momento de lincerldade e • beleza... '

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