Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1949

IJomliígo, 1 de Maio d9 1949 FOLHA DO NOKTE [ 3 ª -, ~-, . p g •. -R~O/\~ANCE ·DAS IGREJ/\S DE MINAS Mlnlla alma sob.e fadeí~a Minha alma desce ladeiràs Co:rp. -~ candeia na mio, Proc~ando nas_igrejas Da çida4'-e e do· senão .. -. O gênio das Minas Gerais . Que. marcou estas paragens E~~ ~bras :benfazejas; Esta~ _fresca11. paisagens, Estes ares salutares, Lavados, finos, porosos, Minerais essenciais, · Este s~eDcio e sossêgo, Estai, montanhas severas Esta antiga solidão. Com o :sinal do seu lirism&, Com a ·êruz da sua paixão. Igrejas ·de Mi.nas Get-ais Das cidades 'e arraiais, Templos ein · péc)J'a-sàb~ De Sabará e Mariana,· A De Ouro Preto e Ouro Branco De Brumado e Catas Altas, De Santa Rita Durão, . Santa Bárbarà, Congonhas · Caeté, Conc4!lção do Sêrro. · Cachoeira, São João dei-Rei Quantas vezes meditei Os novíssimos 'dó homem Que 'o tempo- não consome :Nem a ..oiê11cia destroi, Nesses templos soberanos, De riscos ·audaciosos', · De curvas acentuadas De linhas voluptuosas, Intimos, liricos, profan~ Refinados, populares, Que inspiram poesia e dó Nesses .Carmos e Pilares, Nesses Rosários e Dores Nesses Perdões e Mercês, Em -São ·Francisco de -Assis, Em Nossa, Senhora do O' l Em capelinhas caladas N à colina levantadas, Vestidas de branco e azul. Minha alma desce ladeiras Minha allna sobe ladeiras. Desce bêcos, sobe vielas Com uma candeia . na mão Procurando· ii · forma altiva . Da cruw:, ·viva tràdição, Pedra de angulo, base Da rude religião. · Diviso llvidos Cristos, Diviso Cristos sangrentos, Monumentos de terror, · O Cristo da pedra fria, O Senhor da cana verde O Cristo alado a coluna, · O Senhor morto esticado Envolto em branco -sudário Debaixo do própiiÓ., aua:i-. Vejo .agora _oiãos chegadas. Nossa Senhora ile espadas Cravadas no coração, Coroas de ' espinhos, vasos Por onde escorreu ·o fel ; .Tibias, caveiras coroadas° Pinturas . já desmaiadas Nas telas emoldui:_ádas Em forma de medalhit Representando o Paraisa, A . Trindade, a Anunciaç~ . O Lava-pés, o Batismo; A Morte e a Ressurreição; Relicários, oratórios .·Pelicanos de coral . Sinistro baixo releva ..,. Das ai~ da purgatório MUlllLO-- RODRIGO· Llbertàs por São M1g-ué1, Longas lanças de Loilguinho Atlantes do Aleijadinho, Porla5i pwpitos,. profeta» Marcados por seu cinzel, Redondos ànjos barrocos Que D toreuta retorceUi Arabescos· sensuais; Apóstolos. duros, secos; Peregrinos medievais Cobertos de amplos sacos, ltt&rchando com . seu bastão, Calvários · extràordinários, Tarja com estrelas e asas. Tocheiros, lâmpadas, lustres, Galerias, balaustres. Grades em jacarandá, Anjos-aurora, arcanjos ·De panejamentos estranh....., Com as asas espalmadas. Pias ··de escuras sacristias Lavradas em pedra-sabão, Tetos altos do Ataide Exaltando a religião; Paredes em faiscado, Consistórios, corredorei. Onde vagueiam fantasmas . De poetas inconfidentes, De ·frades conspiradores; OleograVlJl'a.s mostra~@ · A via sacra da Paixã , Caritulas, gárgulas negras. · Colunas tremidas, gregas .. Caixas pedindo dinheiro Em antiquados letreiros De oremus e ora pro nobis, Exvotos comemorando Curas por Intercessão; E a nobre talha dourada Patinada, trabalhada, As imagens ressaltando M. De nossos oragos, tantos Santos de esgarçados mantos. • De arbitrárias cabeleiras. Roxas, pisadas olheiras, Os rnembros caid.os , feridos, Desfeitos, desmillnguidos, Contemplando comovidos O descimento da cruz! Minha alma sobe ladeiras, :Minha alma desce ladeiras Com uma candeia na mio Ilumina embevecida · Sewi s;mtos de devoçio, Companheiros vigilantes ·Da.·cruz da sua paixao · Que deu . corpo, força e vida Aos templos de pedra-sabã& Sã.o Pedro, Santo Isidoro, ·são Gregj;rio, São Leão, Santa Bárbiua, São Je_rônimo. . São Paulo,' .$anta. Julia_na, · .. Sant'Ana., São Seb~stião. . .. Santa Àgileda,. Santa Mónica, Sã.o José, Santa Verónica, · São ·Francisco, Santa Cláril, ·. ··são · Policarpo, São João. A igreja . agora agasalha .umii densa inuUídão . . .Que proéur~ comovidà . Nos mistérios redivivos Da n- rellpio Novo alento, luz e vida, Sustento, consolação. Sinos de bronze ressoam, Ressoam sonoros sinos; . Vejo fipras de orantes . Orantes e comungantes Com os braços estendidos • ,J• - Orando íntima ·oratão; ,, ,, .. MENDES -F. · -- DE ANPRADE Assim se vê nas pinturas Das antigas catacumbu, Nos afr~ bizantinos, Mullleres, moços, meninos, Catecúmenos, anciãos, Assim oravam ouk0l'1' 011 primitivos cristãos; Vejo beatos sofredores Trazenda bentinhos, mas, Rezando gastos, rosários, De olhos fixados Do céu, Velhas bíblicas, severas, Nos· ombros escapuláriós Perfil talhado' a forinão · , Muitas vestem à ·maneira ~. De senhoras· de outras eraa " · Com filó preto, fichu, Dona Engracia, Dona Urbàna, Donana,- Dona .Juju; . Innãos da santa irmandade Encostados às paredes, · Penr.ando na procissão, .Vaidosos nas opas verdes, Vermelhas, brancas, violetas, Pretos de vela na mão; Pretinhas de laçarotes, Rapazes em seus capotes Cor de cinza e vermelhão, Garotinhos retorcidos Descendentes dos garotos Que. Inspiraram o Aleijadlnho Nos anjos do medalhão. · A. grande ação começou. A. sublime teologia Revela a sabedoria Do sacrifício inefável Do mistério universal De que todos participam · ·Na terra, no ar, no céu,· Unidos na comunhão Do Deus eterno, uno e trin«> ~ De um só mesmo balillDl•, Uma só fé, um só pão. Vozes ascendem aos ares Que desprezam o cantochã@, Rompe um canto pela nave A Santa Maria Eterna, Um canto sentimental Que ofende a liturgia._ Fonte viva, genuína, Da santa religião, Mas que toca a alma ingênua Do povo rústico e chão. Agora um· baixo profund& · Canta um hino de paixão. esconjura o diabo imundo, Clama os pecados do mundo Em longa lamentação Chorando com gravidade Chorando oculto nas grades, As saudades de Sião · Más. chega ·a .missa ao mooient4 De maior concentração . · · Surdo silêncio se . fa11 . Abre-se ago·ra o sacriri&, No seu recesso repousa O Cristo em sua nova lei, .Já _que o antigo documento Cede ao novo testamento, · Cede ao novo .mand!i,mento Mistério de carldade, . Mistério de comunidade E total despojamento . O sacramento do altar Saúde, ·1orça; sustento, · · Ante o qual todo elemento Se inclina para adorar . O eelebrante apresenta A Santissima Trindade ·Em nome da humanidade Ào l"ài eterno clemente, Ao Filho, verbo hwná.na.de Ao E.r.pirito Divino Unidos · na caridade Por wn DÓ que .no d·esàta, o corpo de Nosso Senhor Na santa Cl1UI imôláíre _Vencendo assim o peciado Pela presteza do amór. O .CriBto, Homem compassivo, Deus trasladado do céu, Transferido a dura ter.._ Solidário na sua dor. Se reparte· nos fiéis Que traçam cruzes ·nos ares Relembr;t.ndo a salvação, · . . C•rvando-se ante os altares Onde se aprende esculpida•-· E-m silencio oferecida Na talha e pedra-saJ>ão Ao culto do Deus criador · A história 'da Incarnação, Paixão e Ressurreiç·ão i>e Cristo Nosso Senhor. M111"1Duram ó Agnus Dei O eelebrante despede O povo lte, missa est Para este CWDiPrir na rua o que no templo aprendeu Depois lê meiÓ apressado O evallg'elho de São Joio Cosmogonia do Verbo. Afinal com o povo fie{ Recita a Salve Rainha, . Santa e solene oraç'ão. Senhora benigna e pura, Mãe de esperança e doçura A ,..quem todos nós bradamos, Gememos e suspiramos Neste desterro do céu, Os olhos consoladores, Cleinentes. a nós volvei Vossos filhos pecadores, E mais tarde nos inostral Espelho de todo bem; Depois de serena morte, A face d& Cristo, amen. A_multidão se dispersa Nos seus trajos domingueiros, Cada um retorná ao lar. Minha alma sobe ladeira, De Ouro Preto e Mariani:1, De Sabará e São- João, · Evocá no ar fa.vado O drama da Redenção .· Minha alma sobe ladeiras, · Minha alma desoe ladeir-.1s Com uma candeia na mão Procurando comovida· A cruz da sua paixão Que ·deu corpo, alento e vida Aos templos de pedra-sabão. Por isso esérevi um cante Com palavras essenciaia Baseado na beleza Da antiga Minas Gerais Inspirado na grandeza Da rude religião, Principio e 'fim da existência, Essência . da perfeição, . Origem de todo bem. Penhor de ressurreiçio. Doutrina de vida inteira, Em louvor de Cristo, ameb , Ouro Preto, iJ de Fevereiro de 1949. F~a i!ie São- Cirll-0 d.e Alexandria.

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