Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1949
PLE E o ARTE fl \LITERATURA l\Jº. 121 Pará-Belém Domingo. ! de Maio de 1949 ---------------------------------- -----·-----------....:..-----------#, figurantes, e de que nA~ Assim me falou, no bar, 0 s h D u D R nos atreviamos a considerar, Escrit-Or sem Livro: . o·n I o . e m ·, V e rso e todas as possibilidades laten.. - Sempre imaginei que o omon e tes, na vida de cada um de ... r-omance perfeito fosse aqt1e- - • leM; a confissão, em suma, da :le, sem autor, onde só as per- /orr.:: ::tiais lima yez as já- _g~e o romance já estava es- 11,onagens falassem; e onde no instante mesmo da crise. zidas do sub-consciente. E Jnto ª!ltes de o estar, e _o re- não houvesse mais que a fala Assim, O c'enário em que uma Carlos Drummond de Andrade 'eis· ai· tre"• 1•o'tulos distintos' conhecimento da fragi!ida;de das personagens, com o si- criatura se movesse seria in- " d n o apar lho d 1Iu !encio delas. (Não confundir dicado apenas na medida em que podem ser colocados ao ? 0 oss e e . 510 "'. ._ com a fala do teatro, com sua ' que dele tomasse conheci- queologlcos da prõpria lite- ;e houvesse escrito no mun- mesmo objeto, em si neutro nismo,dque s~ra ªºct me~o um "nfase peculiar. O romance mente essa criatura, e o in- t ·1 · j JU indeterminado, porque fa- corpo e mu er e epois não ir: ra ura, como o mono ogo m- o. . . lo de um romance que não sabe recompô-lo, quando na que eu sonho seria irrepre- traduzisse, oral ou mental- terior de Dujardin, Joyce e Realismo - ·dirão com des- existe e provavelmente não verdade nem sequer. o _serr~– ,entavel no palco. Repare mente, na trama de suas Larbaud; ou a tentativa da prezo alguns amantes do ro- existirá nunca e que se pro- mos nem sabemos fingir que ~orno na vida ·os incidentes preocupações; a meteorologia, dialogação continua de Mar- mance dito psicológico, que é .· • . estamos recompondo. mais corriqueiros, e os fatos a economia politlca, as rela- tin du Gardem "Jean Ba- romance dirigido ipOr exce- pona, apenas a s7r _mais um E prosseguiu o Escritor sem mais extraordinários, descar- ções de sangue ou de moeda, rois", que se socorreria dos léncia. Néo-realismo - con- roma_!lce, com a dµei.en ~a, em Livro, diante do bom liquido ,:iados de sua polpa de cir- jeterminismo biológico, a in- métodos de reportagem e de cederão out1'<ls menos afei- relaçao aos outros, de nao ser escossês. cunstancla ou de legenda, são ~eração de fatores sociais não inquirição judiciária; e que çoados ao esquema clássico escnto pelo autor mas: sim- _ A maioria dos romànces apenas aglomerados de pala- seriam mais do que sugerid(?s empenharia toda . a força da· interpretação da persona- plesmen,te gi·avado <11:3-eal- que eu leio (ou que nãô leio, vras, t.rocadas entre algumas pela consciencia que deles ti- criadora do romancista no gem pelo autor, mas ainda mente, e claro) sobre a ~1tu.a- pois cada dla leio menos .1ic– ou muitas pessoa.s, ou sim- 11esse a personagem, e não de- ato de selecionar essas infin- atribuindo a este poderes ção de vida gue ele repie- ção e nisto sigo apenas 0 !Plesmente monologadas ou, :iunciados ao leitor pela es- jáveis conversas solilóquios e mais ou menos taumatúrgicos sentasse . . . exe~plo de um de nossos 'm,enos ·ainda, pensadas. A perteza do romancista. Po\s :>ensamentos i n formulados, sobre a trama da ficção. Sur- E aqui ouso penetrar no maiores romancistas), dá-me conente de emoções e inte- que assim é_ de fato na v_i- i>ara estruturas, com o ma- realismo - objetarão outros, fuu d o ~e meu ·pensamento, e a impressão de escolha arbi– res.se , que se desenoadeia e da: a""rna.ior1a dos seres na.o ierial . aproveitado, a hlstória destacando na fórmula ape- ~enunciar, de passagem, a trária de situações e reações, gera um drama individual ou tem consciencia das forças menos falsificada de quantas nas esboçada o intuito de ex- IDlPDS t ura do autor• Que sa- colhidas num oceano em qne !Uma crise política, s6 nos é exteriores que _os co~~cionam ~e· o? autor de suas per.sona- a, discriminação seria real- !Perceptivel na. medida em que em suas reaçoes v1ta.1s, em- g~ns • Por que se atreve a mente penosa. o romancista i;e converte num conjunto de bora reajam em função des- RET R !\ T o diz.er- nos qu!! elas se rebelam recolhe a sua rede sem se dar fonemas ou de sinais gráfi- sas forças. Não cabe ao autor contra .º .ci·i:1dor p~ssando a ao trabalho de apurar se en- eos, que a- representam sem de ficção virar pelo avesso o ter existencia autgnoma e tre os peixes veio alguma se~ contê-la. Ou por outra: a vi- estõfo da vida, tarefa reser- / de~concertante? Nao. pode- rela; a· idéia de pesca impor- da se manifesta. e ao mesmo vada a outros especialistas; · •,. , ~ - , •· riam fazer outra c01sa senão ta mais que a da natureza ;tempo se exaure em sua· compete-lhe dar~nos uma re- rebelar-se, a menos ~ui: se do pescado. Ele é um homem. :~presentação: ela se extin- presentação da. vida tal como .::onfessa~em m~ras proJeço~s que joga com os possível~, 'gue na consciência que adqui- se produz, e nao t_al como se do autor e, po1tanto, invál1- talvez com tendencia para Ji- lrimos dela. A vida se trans- explica. AUGUSTO' FREDERICO SCHMIDT dos ~omo personagens e per- mitá-los a fim de garantil· 0 liorma em palavras, faladas ou· E depois de -uma .P'.'usa: s~nalid~des, . Nessa dec!~ra- resultado do jogo, A idéia de ;iescritas, principalmente fa- - Imagino esse dificil _r?- (Copyright E. S . I., com exclusividade- para .a FOLHA DO ça.o me 1? cômica de _g~e ,,Fu- fazer um romance que fosse /iladas, e toda representação mance falado, que pedm_a NORTE, nute _Estado). !~n_çi s:-m-~e um patife · ou como u.ma jogada perdida, [da vida é apertas pala11i·a. muito de sua técnica ~o ci- Nao 1magmava de que co_t- isto é, um romance que s.e .:Pois quisera eu, numa arte nema (refiro-me ao cm,ema sas :~ra capaz essa mulherzi- escrevesse por si mesmo, um 11oética ideal, que o romance die narração -~-e~a, despre_-_ sabor inc!)mparãvel. Não que fosse um bom conversador, um nha • há d': !est,o, um es- romance em que o ramancis– fosse uma rigorosa e impla- tencioso, mas mtwtivo, que e desses narradores clássicos que se contêm, que não estragam boço d_e confissao honesta -~e ta fosse deveras um· perso– ~ãvel seleção daquelas pala- antes uma máquina em mo- o assw1to, que sabem ressaltar os detalhes; ao contrário, ele que n?s. h_av1amos esta}>eleci- nagem vivendo e não úm vras -essenciais, proferidas ou vimento), como se valeria não tinha arte quase, e parece-me que a não procurava. O do previamente .condiçoes fi- autor politlcanrlo, há de pa- ';recalca~as pelas personagens ainda d-e alguns achados ar- segredo das suas histórias é que, sendo ele um homem já bas- xas para O comportamento (Continúa na 2." .pág.) O nome nãó importa. Era um nome polonês, igual ou ~recido com os outros nomes poloneses. Conheci-o em casa de um velho, meu amigo, em Paris; conheci-o na casa de um colecionador de estranhos sêres humanos de um colecionador de esquisitices humanas. Eu próprio, certamênte, pertencia à ·coleção. Era uma peça de Museu íambém, uma raridade. Força é voltar, porém, ao pol.Dnês, que é o· assunto presente, que é o meu assunto de hoje . o polonês era um gigante magro. Inevitávelmente uma espécie de Dom Quixote. Louro, de um louro um pouco fali- .gado e meio escuro. Um louro um tanto usado . Estará vivo · ainda esse polonês ? Não o sei. Mas sinto-me me- ' lhor evocando-o como se ele não fosse mais, c o m o se já tivesse desaparecido. Era um patriiota polonês em ação. Conheci, tive o ensejo de conhecer um patriota• polonês· ~0 ,esplendor da, sua Juta inquietante; no seu empenho de resti– tuir a Polônia a si mesma. e ao mundo. Trabalhava, o meu polonês, em Paris, e procurava demonstrar o demonismo Tu-;so . Agia nos meios intelectuais com o intuito de conven– cer a intdigência. francesa. de que a Rússia está, neste mo– mento, possuída pelo espírito do demônio, vi~itada pelo m_ais ,terrível demonismo. Batera-se, o meu polones, contra a m-. vasão alemã, conhecera campo de concentração, passara ~o– mentos terriveis ma.s nada na sua opinião, no próprio nazis– mo, se poderia 'comparar à ardilosidade dos russos de h?je. o nazismo atravessara as fronteiras do sadismo, a brutalida– de nazi ultrapassara o que fôra praticado até aqui em matéria de desresp3ito ao humano, mas os russos de hoje .•. E a pro– lJ)ósito, contava histórias polonesas, p~quenas histórias de ra– parigas da Polônia, que não quero reproduzir porque não me fica bem servir sem o querer a nenhuma propaganda. E en– tre russos e poloneses, é preciso· cuidado ... Mas a.s histórias eram rea.\roente tentadoras. O pol_one:. as contava com um A PÊ Lo· 'Qu~ro soltar-me em sombras e mistérios Acordando os fantasmas; junto às fontes Meu corpo descansar. - Oh não me contes Nada mais sobre os .velhos cemitérios { Vejo teus passos desmanchando a aurora Descida sobre os águas. sobre os pontes Que ligam meu caminho. - Oh não despontes Com os gestos da mo~e mundo afora f Quero também em sombras ·desmanchar-te, Ver depois tuas mãos em toda a parte Segurando teu sonho decomposto. E em seguida escutar todos os cantos Que nos trarão ao fim dos nossos prantos Com a morte no teu e no m~u rosto. EllSON REGI~ tante sofrido, com cinquenta anos excepcionalmente vividos e nas horas mais cruciais do mundo, um homem que vfra e continuava a ver ao vivo, em atos humanos, a própria fislo~ nomia de Satan: sendo um homem assim . e.·perimentado, guardava misteriosamente uma inocêl1cia, umã frescura d e criança na sua alma e era essa fnooência que, por assin1 di– zer, inundava as suas histórias, Em tudo o que ele contava não havia, ou pelo menos era impossível sentil'-se 6 ódio, o ressentimento, o azedume, o ,amargo que fica em depósito nos seres arrastados pelo destino para. as desgraças, para a con– templação das visões infelizes. Suas histórias era.m poetiza– das pela sua alma de criança. Esse polonês esguio, ossudo, de olhos azuis, era uma criança; heroico, sem dúyida, mas · infantil. Capaz de suportar as maiores torturas, mas espan-c.. tando-se com as menores coisas. Recordo-me de um detalhe do que ele me contou de um tortura.dor, de um chefe de cam– po de concentração do mais feroz dos nazis que .se levan– tava de noite no inverno para cobrir uma cadela vasia que aparecera, descuidadamente, naquelas míseras paragens, na- ·._ Po,meno, do painel tia "Nau Catrineta" de Almada Negreiro, queles sitios de pavor. D-os próprios russos que encarnavam o ~ai aos ~eu~ olhos, não raro o meu polonês, entre mil acu– saçoes ,tet_riveis, _nos .(ornecia um traço de ingenuidade, uma nesga ue mfanc1a, revelando no meio da tormenta e da fúrh um tl'echo do -azul. Ele era assim. Havia, invariàvclmente, no que _nos. contava, 1:1ma camponesa ·da Polonia que resava nu- . ma igreJa de aldeia ou uin velho que cultivava rosas e que ~e uma. hora para outra fôra executado, triturado sem mo- tivo algum. _ Antigo oficial do exército, passara muitos meses na Rús– sia o m~u .amigo, procw:ando, em comissão oficial, o paradeiro de patr1cios seus desaparecidos. Retivera ele em difícil mis– são nos Soyiets, atrás de noticias sobre sêres que se perderam (que os russos mataram para que a Polônia ficasse decapita– da, porque eram os poloneses mais representativos · e inteli– gentes). Nesses me.ses da Rússia é que ele se apossara do mfatério do demônio encarnado, do demônio vivendo uma ho– ra de esfplendor, de demonio agitando a bandeira da reivin– dicação, do demônio do lado dos oprimidos, do demônio ex– ·plorando a pequena Esperança e a grande Esperança, filhas de Deus, do demônio à frente de uma revolução social. O que distinguia de maneira pitoresca o meu polonês, era a sua confiança cega no anjo da guarda. Fazia o anjo da guarda estar sempre presente nas suas histórias. "O anjo d~ guarda. da rapariga então a defendeu contra o russo, que a. atacou enquanto ela saltava no rio para banhar-se". O anjo da guarda do sineiro o despertou no principio da nn·drugada e o fez soar os sinos de alarme desesperadamente. "Ia e!J to– mar o avião sinistrado quando o meu anjo da guarda me preveniu". Era uma grande criança realmente. Aos domingos ia a missa, onde comungava; depois visitava os bichos 1 no jardim ioológico, lá almoçando ligeiramente, comendo o suficiente apenas para sustenta.r o corpo esguido, ossudo, angulJso. POEMA O poema. com seus cavalos, quer explodir teu-tempo claro; romper seu branco fio, o cimento mudo e fresco , (O descuido ficara aberto de par em par; um sonho passara, deixando fiapos, já árvores instantâneas coagulando a preguiça) , João Cabral de Melo Neto
RkJQdWJsaXNoZXIy MjU4NjU0