Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1949

Domingo, .IO de a.b~il de 1949 ·:roLHA DO NORTE . :Em Cecilia Meireles, o li– rismo português atinge altu– ;ras i11exce'd!veis. Nenhwn po– eta do nosso idioma a sobre– leva em emocionar com sim– )licidade, transmitindo o ele– 'rlentar, o subtil ou o com– plexo, por sugestivas transfi– lUI"&ções, quase de nenhuma coisa feitas, em que se não ,ent 7 o peso das palavras, só mediante algumas linhas flui– ilas e pontos cintilantes. A ~ua expressão verbal tem le– ~za e transparência. UM CASO DE POES!A -ABSOLUTA Já nãó falando dos adj eti– vos, os p1·óprios substantivos são pouco substantivos neste fluxo heraclitiano, mas de temperatura · crepµscular que nura e lãs", "Lábio de Deus são os poemas de Cecilia Mei• - sensitiva I tocada", "finos reles. Cairia-em fatal monoto• frios cabelos cariciosos" nia se não os manejassé ma– "abraçar nuvens", "mole ,lia~ gistralmente nos seus versos mante", e os qualificativos transfiguradores, ar r a stadoJ crespo e estremecido. em dinâmica psíquica par,1, - As imagens mõtoras em ambiguidades estranhas~ Poi: Essencialmente, o poeta é o:m mago, inclinado, por sen– ümento, sobre o obscuro das oolsas e das almas, s111"preen– llendo os fios misteriosos das relações, que oferece sortile– ramente, à luz, para os mer-·· gulhar de novo, - já que não iliz com ele nem é .da sua linguagem definir ou siste– .natizar -, ·na sombra em que llabita a irrevelada sabedo– ria. Pesquisador de nexos es– b"anhos, dos que escapam à lógica e à ciencia, que· fogem às ordenações· racionais· wnsmutador de realidades ·e~ mitos, de realidades físicas em psicológicas, e vice-versa. · E' por necessidade. Que os verdadeiros poetas são neces– gàriarn ente poetas. Embora o ocultem, é um mal ·que tem de transbordar. Ser poeta é ·um destino, um dos pou– cos argumentos a favor do determinL"Illo, espécie de gra- i;a irresistível. . E ' o que se observa em Cecilia 1\.-Jeil'eles, verdadeira– mente possuída de fatalidade poética . Mas não se queda ein l>ibracões ·sensoriais, ou de tpidérmico sentimento, . ainda ue ·manifeste impressi onante "dade n:i recepção das im– ssões do mundo exterri~ Iã urna ela boração interior pro!unda, em lenta libertação do _acidente, até ao cerµe me– laf1sico . A substancia é uma, e Quem dela se aproxi!lrn, como que perde cores e for– mas, reduzido· à fibra essen– ,rial. Dai a natural monoto– nia a que propenclem os pge– tas di:'. carafer ii! osóíico, pela reduçao das imager.s às mais próximas do fund o comum a do d evir, àqueJas que exprt– m_em a máxima desmateria – ijzação, o _fluid_o, a. mutação r~:.:istante :iamRis conseguida . Pela reduçã o da pluralidade aos eleme,1tos incisivos ao mínimo indispensável cta' c <)– municabilidade. Hf.t uma dissolucão no in – finito, nudez e des.prendi men– t o dos acessórios c:iué vai flu– tuar na vaga h ómcigeneidade da substância universal . Tal .os jónios (os poetas ir– manam-se aos filósofos). mus levada pela sensibilidade Ce– cília atin ge um fun do ' p er- manente, a imagem de um:\ substancia comum a todas as coisas, um -dissolvente cósmi– co subjectivo em que as per– sonalidades continuamente se figuram e se identificam: o mar absoluto, titulo e conteú– do, não só do poema e do li– vro, que é objecto deste co– mentário. Mar - a imagem da es– s~ncia instável, múltipla, po– llmorfa que em si presente: "Não permaneço. 1 Cada mo• mento I é meu e alheio" (Au– to-Retrato), e a que é leva– da graças à precisão de en• contrar um simbolo; absoluto pela força da redução à uni– dade, pela necessidade de ani– quilamento até um grau em que a pessoa inquieta, sofre– dora, filialmente se aconche– gue: "ser de areia, de água, de ilha"; Deus te proteja, Ce– cilia, 1 que tudo é mar - e mais na.da ", (Beira-Mar). Não se trata de . simples imagem nascida de analogia ocasional, de superfiCJe, mas de algo a que se entrega ple– namente " ... convertida em slia natureza.", ... "plástica, Uuida, disponivel" . Nele se despersonaliza, ain– da feminina: "Vou despren– dendo I elos que tenho I al– ças, enredos I e é tudo imen– so" (Auto-Retrato) para que– rer " ... a. sua solidão robusta 1 uma solidão para todos os la.dos, 1 uma am,ênca humà– na". Aqui já não é, própria– mente, a mulher convencida de já ter chorado iudo, mas um filósofo que fala, - cria– tura para além das. diferencia– ções e dos sexos. Convém não esquecer que o ponto de partida é uma m11- lher assaz impressionável, - ele uma sensibilidade bem de mulher. A diferença é - qu,~ conseg'ue ir mais longe que as demais, libertar-se da sua condição, para ·voar no mun– do das abstracções puras. Mas assim mesmo a sensibi– lidade f emiiifna reaoarece in – termitente, em plenã ascensã o abstrata, já nas predileções ou no leve retoque de uma ima– gem, já em minudências üe ter nura e tiritan tes pressenti• mentos. já na expressão físi– ca. do abandono: '•5ede a.ssim -,- !qualquer coisa \ serena, isenta, fiel. \Flor que cumjlre 1 sem pergunta" \Sugestão). E ' uma m11lher que sofre os mais delicados estímulos. El'l. · tece preciosas composições em. t or no el e rosas (os 5 moth·o,. da rosa.) e de a ii ores-pe!·fei- tos . · Enternece-se com p 2q u enaf-·, Cunha LEÃO i;_ariciosas coisas, caramujos do tério- 1 se1a-m cada poro I da mar, madeixas ,le fontes, vida. entregada". <Noturno). tranças aéreas das ondas, Os elementos tácteis, qui– pombos leves, flores claras,. nestésicos, té1·micos, são aliás ~abnequeres engoma~os, mio• .frequentes na poesia de Ceci– s!tis, o 1e11;ço de M~rllia, su~- lia. Meireles. Outro Noturno., piros de cristal, sens1vel à bri- (pag. 116), · é um perfeito sa que, de le_ve, penteia a. exempo destes últimos: "Es– verde seda fma do arrozal, trela fria I da tua mão 1 capaz de se entreter na_ ~1r_dí- ; . ;Ai nev_a amor! J Imenso dura ~e primor~s~!l artif1c1os, mverno I de coração I gelo d~ grmaldas poet1cas de ~a- sem fim I a deslizar" ... bido gongorismo. Também é exemplo o Pra.. Chegam a causar arrepio os zo da vida: "Faz frio no seus requintes sensitivos, tão meio da vida J muito frio" ricos de argúcias sensoriais, Abundam no seu vocabu• como a de natureza táctil que lário trêmulos e transidos. São está contido na bela imagem de táctil delicadeza expressões destes versos: "Ceras de mis- como estas: "envoltos em ter• CECILIA MEIRELES que é rica esta poesia fluida muito vistos que sejam as nu• Instável, .de Cecilia Meireles' vens, o céu e o poente, o nú• teremos .ocasião de nos refer~ mero de combinações é iufi• adiante. Não se trata de mo- nito e, muito que tenha vivi• vimentos bruscos, de veloci• do, quem os observe, sofre não dades e acrobacias. Mas ·tudo obstante frequentes emoções. resvala, flui e anda nesta Assim acontece nesta poesia, poesia. · Mas há nela, em contraparti• Também teremos oaasião de da, enriquecendo-a, infinida– tocar no tipo de visualidade de de materiais sucedâneos, e que a car<1cteriza particular- ele ganidices de pequenas coi• mente impressionada pelos va- sas também leves, fr,ágeis ott lares da intensidade lumino- transparentes, brilhantes ou de sa, a ponto de apresentar sub- esmaltado colorido, emprega– tilezas de chapa fotográfica. dos com mestria, que ·a mos• Em tudo isto é de femini- queiam de cintilações e poli• na delicadeza, aflorando as cromias: sal, sol, porcelana, coisas, os seres, com' dedos nácar, vidro, lábio (sempre .no fugidios, tocando-os de encan- singular, mas nitido), mica , ~i– tamento. mos, empuma, areia, asas, pás• Já aí começa ·a fugi;. Es- saros, flores ... ses dedos não agarram; intuem O concreto espesso, com• para logo transfigurar As pacto, quase ' não ex iste. A s mãos a · que pertencem são de co1·es ou são de pálido esmae– fada. A sensualidade volati- cido, _ou vivas a fugir de bri- liza-se ou afuada-se em "OÍfos lho. de afetividade tá.o argita e As palavras, os dizeres, nes• dilatada que leva à intelecção ta linha de fuga, ganham do mundo. Como os ouvidos transposições de sentido qua de um cego chegam a substi- não é o quotidiano. As sines– tuir a vista, o sentimento de tesias são ultrapassadas cn.1 Cecília ganha olhos que ultra- associações, cujas cadeias a– passam os fenomenos ·até às cordam é CQS longinciuos, m c– essências, torna-se inteli"ência tafisicos . OU t r as palàvras, das solicitações humana~ pro- apostas, subvertem a solid ez, fundas . ajudam a mobilidade e o in • E assim, logo na procura dos definido das ex pressões, e dão• adjetivos e das imagens dos lhes fr equentemente perspec• seus isentos, lúci,los, e~atos, · ti v'<l. ultra.-real. · · desprovidos, inteiros dos seus '"0 céu instala no meu pen- jardins de vidro, aromas em sarnento os seus altos azuis brasa, olhos com ilhas memó- estremecidos" (Surpresa) - ria de águas e vento, lágri- "a noite que resvala" - "cai• mas extraviadas, lume de lân- 110 céu" - "passaro fr11stra• guida. lua, mesmo nos assun-- do" - "ele tão ido" - "uns tos mais· rebuscados e circuns- líquens de noite sem luzes" - critamente temú ticos, ela pro- "patas de aço e nuvem" - cura instintivamente o que '·Chamem o vento, um gran• pode dar a transparência, a de v ento \ ailreo leão" (Pedi– pureza, a fluidez e o devi r e do) - "sombra .voante" - --o vai d e alm~ desnu_da , _lo&o que. silêncio está sentado pelos pod e por mtermun d10s,l pos- corredores" - "O caule d~ suida de -liber dade e lúcido tempo sote com felicidade" - sonho: - ."Sou a passagem da· ;·Seta exilada" - "e o rio col"– seta \ e a seta - em cada ria tran~portando o ilia" - momento" (Can ção) . "ferrugem das h oras''- "'mtr• As substâncias, os mat eriais ra de primaveras e de olvido'' mais comuns qu e en tram na - "estrelas eriçadas" - "es• composição desta poesia são \rela última" - pálpebras so · pouco variados, simples, le ves \erradas" -, "alma insolúvel" de natureza, cintilantes, mó- - "alma preliminar" - "lá– vels mesmo voláteis: água, es- ,rima extr~\ vi :i.da " - "provi• trelas, nuvens, vento. céu, mar: sóri:\ flor es-::ondicl:i." - "pas– etc. .. . São es tes j ustame·nte so . .. lúcic!o e leve"',, "tempo os que mais se adaptam e con- de mim, asa llc ahclha". dicionam a fluidez da 'poesia, Tudo ist o é linguagem ins• ~le acordo com o tenrneramen- tintiva de evas:'io e mistério . t o da es critora . - (Continúa na 7.~ pág.) ------ - -----·-- " ----- Pa ,,,. g · .Ai do t urista que entra de "" o!Jlos arregalados por uma a EID Prosa D e lugar; seu t inir de x ícaras de c,afé; e tantas coisas mis t u– r adas que eu achava agressi– ,·,as, sem ritmo; • sem desej ~ de conjunto - ficaram de súbito claras e harmoniosas com os postais recamados de flores, a nj os, passai'inhos, co• rações fei-idos. .......$ cidade brasileira e estende as - mãos folclóricas para objetos IJ1l~ginários com que tenha sónn ~do a sua inocência ! Pelas estradas de ferro não h_á vozes apregoando pães, roscas, bôlos, doces, biscoitos, ILUSTRACAO DE JUIZ DE FORA d,e fitinhas azuis e cor de rosa, de potes de cola e de purpurinas de todas as cores-, traçando em linhas curv as, em diagonais, em linhas si– nuosas, em linhas sensíveis ao seu mais leve impulso -emo– cional, aqueles caminhos de letras semelhantes a conste– !,ações: "Juro ser sempre tua" ; - nenhuma especialidade da para mandar a :meu noiyo, terra. Pelas estações não que é fu zileiro naval. .. " "Mas ond,e a senhora vai eJJcontrar variedade é em Juiz de Fora . . . São feitos lá ... " 1parece ninguém com borda– dos nem 1·endas nem cestas nem chapéus nem bonecas - qualquer ' coisa que se possa levar dali com saudade, para recordar mais , tarde: "Uma Em Juiz · de Fora, foi um tez, estando eu em ... " _ torneio com a jovem da pa-• Nada . . pelaria. Naturalmente, eu de- Avistam-se ,panoramas ex- sej~va não .apenas . ·comprar ~:,:~ordinários, alcançam-se lu- mwt~s postais,_ mas sentir a g¾ires interessantíssimos _ há emoçao da vend~dora passan– mónumentcis, igrejas, museus '- ~~ para as mi_nhas mãos an•· - ·mas a prenda que o turista Jmhos pensatiyos, com asas deseja, passou há muito tem• prateadas e nuvens resplan– i,o, e sem bilhete de volta. a, decentes; borboletas beijando irecurso é ainda armar a má- flores numa aérea valsa· co– quina fotográfica .e gravar-lhe • rações de sêda atraves;ados 111.a retina, mais fiel • que a por setas e gotejando violá.– humana, o que por acaso ceas purpurinas; delicadas 1urpreendeu Qu encantou. mãos oferecendo ramos de ro_. Louvada seja, pois, a cida- sas todas orvalhadas de ouro de de Juiz de Fora, pelos e prat,.. . . E eu comprando, 11eus cartões postais com fi. muito séria, flores, corações, Jtas, crômos, janelinhas que setas, borboletas, - -a inge– abrem e fecham, e frases ines- nuidade, o sonho, a ternura q~e~iveis, polvilhadas _de pur- que o povo ainda cultiva - "A , l.lla de todas as cores, e t1, o meu amor" - "Assim eorações de cetim que quase unidos, seremos felizes" - palpt~m. e flores estuf~das "Sem ti não vivo" - "Amar– gue são poltronas para as te é o meu destino" - "Deus ~ssos pensamentos fatiga- no céu e você na terra" - llQs ! "Chorar é meu viver" - e a eoe _mocinha dizendo-me, desde- Em Barbacena, conversei tom o . moço da papelaria so– l>re esses c&rtóes cintilantes e eentimentais. Ele me disse: _..Agradam muito..." - f.e:i 'IIDJ.1' pausa vagarosa, amar– rando o barbe.nte, e acres– pntou ". •• por causa do pa– Ja-vreado..•" Entregando-me o tr~co, ainda escJareceu: ".AJJ mounhas . da :fábrica apreciam •uito.. . São elas que com• ,ram.. .", •Se fõr a Juiz de Fora. llle_ traga um cartão postal, :nhosa: tudo é só assim para certa gente .•. " (para ,mostrar q~e bem sabia que eu me estava divertindo com a com- pra.•. ) Mas eu não me es– tava div,ertindo nada, como pensava a mocinha. Eu esta– va mais séria do que nunca. Eu estava diante da ,poesia do Povo. Do resto de Poesia que ainda se pode conseguir numa viagem pelo interior..• "Ponha uma palavra de ouro com uma virgula de prata. A esperança me dá vida, mas a saudad~ me mata". entender jamais, jamais Depois, mucrnu um pouco. F amiliarizou-se com o me,1 interesse. Com a minha se– riedade . Arriscou-se a con– fessar-me: ,;Eu também de _vez em quando, por brinca– deira - tornou a esclarecer - mando um postal desses ... São muito engracados". 011 ! desconfiança mineira ! - eu ali abrindo o meu coracão de verdade, francamente, queren., do trazer comigo anjinhos, borboletas, estrelas, casas de cetim azul com fumacinha de diamantes: - "Assim será o nosso lar". . . - e a ·mocinha negando-se a confessar suas fraquezas, recusando-se a gos– tar de coisa tão linda, tão verdadeira que, por mais sé– culos de cultura que nos caiam nos ombros, nem esmorece, nem acaba, nem se tornâ ininteligível ! ·Bem: a mocinha é um cofre · como os dos tempos da mine– raçã?; inútil sugerir-lhe que– susp1re, que seja sua.ve , -que se entregµe a essa doçura do enternecimento. "Meu amor, anda depressa com teu mwio no mar: a água corre dos meus olhos para o teu navio andar". Ou então esta mocinha é de pa1;1, de_ arame, de estôpa, de areia; nao chora, não can– ta, não sonha, não passa noi– t7s sem ·dormir, não gosta de mrco, nem de música de corêto, nem de rancho de carnaval, _nem de presepes, nem de smos - enfim, fol– _cloricamente, é uma desgra– ça, uma infelicidade, e não vai cantar para os seus filhos, n_em brincar de roda, nem en– .smar-lhes adivinhações, nem oh inconsolável melancolia !– o que eles fazem neste mun– do, n.em o que ela faz neste mundo, n em o que este mun•· do faz, sozinho, girando, gi– Tando, suspenso como um ba– lão de sêda entre essa pur– purina de a,stros do grande cartão post.il da eternidade. -:xx =- Adeus, mocinha, tenho mui– ta p,2na de você e vou cou– vernar com o dono do bazar, que talvez seja mais conso– lador, na ·sua paisagem de ca– valinhos de madeira, petecas de muitas cores, automóveis, bonecas, licoreiros e ferros de engomar. "Coitadinho d.e quem pensa no seu amor que anda longe l Vai voando, vai voando, quer pousar e não sabe onde". Quando m efarás fellz ! ''· "Assim. voam os nossos co.: rações ... " "Se for a Juiz de Fora, me traga um cartã,o postal, para mandar a meu noivo, · que é fuzileiro naval". O dono do bazar continua a informar-me . "Há uns cinco anos que essa moca se ocu– pa dos seus car~" - " E têm muita saida ?" - "Ah, muita. Todos aqui compram... E vão para outros lugares... " (Se eu_ insistisse um pouco, é poss1vel que me dissesse O dono do bazar, ou seria ·, mais sentimental ou teria que Ja se exportavam .. ,) Fi- muito mais lábia de vende• ~uei satisfeHa. Mas ainda me do1·, porque tratava com al- mformou: '·E' uma · moça d~ uns 35 anos.,. branca guma ternura - vamos e ve- solteira ... " Devia ter ~_;.: nhamos, uma ternu~·a d.e co- · guntado se era bonita ou feia merciante - os meus fais- amada ou desamada.. Devia ' cantes e comoventes cartões (D · ?) · postais. evia · · Quando lhe falei nas fra– ses, no "palavriado", como di– zia o moço de Barbacena ponderou: "São feitos por uma' moça que vasa nestas pala– vras tudo o que sente.-!" (Não é bonit,0 ?) . Atrevi-me a perguntar-lhe: "Ama-se muito, aqui?;' '.Fez um gesto definitivo e con– fessou-me: "E' uma coisa horrorosa !" (Horrorosa, dis- · se). E pensei na moça, que na– quele momento devia estar entre montanhas de cartolina, "Borboleta, borboleta vai ver o meu bem 'distantê com tuas asas de sêda, ' orvalhadas de diamante". .Die. modo que as ruas de ~uiz de Fora_. com seu tráfego mtenso de cidadezinha inãus– trial; suas -casas um pouco desarrumadas; seu jeito de pressa, de valise de caixeiro ~iajante; seu hotel com quei– J O e .g01abada; suas lojas de ferragens com panelas de pe– dra sabão; seus trilhos que sempre me parecem fora do •--:XX:-- Comzcei a ver, por todos os cantos, . r ecados sentimentais, em prosa e verso. Mais do que a fantasmagoria dcs anúncios americanos - esses arlequins de luz que pulam 1: ;el.os arranha-céus para di– zerem lá de ci.I11a o que se deve bebe; para refrescar ou com· que se deve combater uma infecção - os meus pos– tais alados e fio-ridos deixa• vam _suas inscrições suaves pelas pedras das esquinas, pelas fachadas das casas, pe• las tabuletas dos bondes; bor• davam as cortinas dos lares, corriam pel'<!.s toalhas dai mesas, luziam nas costas da! pessoas graves, vestidas dl ternos escuros, e estremeciail! no peito cândido das menina, que passavam com livros no1 braços. Por toda parte se via a ci, dade suspirar: "Não te es– quecerei jamais"; "O nossi amor é sem fim"; "Sem ti como poderia viver ?"; "Met coração te idolatra"; "Ten desprezo é que me faz cho• 1·ar". .... , Uma inscrição maior st alongava pelo céu: "Aquí st ama •de uma maneira horro– Tosa... " - e era a mão dt dono do bazar que ia pou, s;mdo estrelas de purpurina .sobre essas 1-etras infinitas ..• "Tenho ·cravado no peito um cravo de amor fatal .•• Adeusinho, Juiz de . Fora, Deus te conserve esse m0.l", P. S. - Por via das dú, vidas, declaro que os verso, desta crônica me pertencem, e ficarei fw·iosa se alguém ot assinar como seus, ou oi :1.tribuir ao cancioneiro pop11• -'

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