Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1949

AUTOBIOGRA~IA TRAZIA NOS OLHOS A ESTRANHA FADIGA DE VIAGENS NÃO REALIZADAS E A DESOLAÇÃO DO AMOR REALIZADO. GIRASSôIS AMARELOS SOBRE O TUMULú. :ESTRELAS QUE CAIRÃO DE _MÃOS VIOLENTAS E PALAVRAS QUE SURPREENDEM A PAZ QUOTIDIANA. PARA O FILHO TROUXE A VOZ DE UM MUNDO SOLITARIO. OBSCUROS CAMINl-IOS PARA A DESCOBERT..\ ' DE UMA LINGUAGEM PURA E O DESESP:tRO, DE ESTAR AUSENTE E lNCOMUNIC~VEL . ENTRE c ·oRAÇÕES QUE MORREM E VOZES QUE CAMINHAM PAULO PLINIO ABREU -A Propósito De"A Casa Das Minas" EDMUNDO 'CORREIA LOPES POEM-A PARA A MARINA Em ti tudo repousa e se refaz . Mas eu me alimento de fugas e de versos E a beleza que eu quero é procelosa Não sou o amigo de amar, Nem bem nem mal rn~ oneiras nor não dar-me E' um defeito meu que só eu sei. Não vou dormir nem sonhar vou fatigar-me,. E a tua- b..eleza levarei comigo µ,., · ·- ' ~• . t?r-rr ~stranha– Mais pura porque longe, em calculad_os verso_s. 1 • CAUBY CRUZ drigues. Com e~ta explanação fioam reparadas as faltas em que o trabalho de Nunes Peréira não podia deixar de ter . incorrido, princtipalmen- A ·Sociedade Brasileira d<> ~nlropologia e Etnologia int c1ou as suas publicações coir. o comunicação de Nunes Pe– rejra "A Casa das Mina:," sobre um terreiro d·e tr::.di– i;ão voda de São Luís do Ma- 1 anhão. Apesar dessa val •oa sa comunicação, d.o gue te– nho escrito sobre o mesmo u– ma e do muito que colh i n~– quela casa e, ouso até d 1·lê– Jo; da promes~a de novos t~- 1ud0f prameticfos pelo e· l'1J– r raf-0 maranhense Q11e · o,,.., lá,, se ,realiz~ 1 t ~mente-;- 3-}i– nbo esfas considerações r.o rer, •o de qut> o Keregbetã de Mãe Andresa ·Maria nu11c:i venha a ter o estudo que :me.rece. E' cer to que uma douta instituição das 1J. S. A . tomou sob os seus auspí– cios investigações sobre 11 ne– gro · mara~hense, envoh'endo como não podia deixar óe ter, o mais puro .dos seus tEr– relros, mas para o Brasil é um imperativo _nacion·a1 a re– colha - do vasto patrimôn io ge .musical, coreográfico l' multiplicemente f !) !clórico, :p..-:icológico e histórico do grande terTeiro gege. Amda hoje me parecem pouco o meu caloroso entusiasmo e o êxito inesperado das minhas tentativas - · coroados pelo encontro nos arquivos portu– gueses das obras de lingua . mina de Costa Peixoto - para avaliar com certeza a importância do tesouro guar– dado pelas ' "minas" mara- no". Is.so seria apena~ a con– firm-;;<'fio de 1;1n 1 1 ;'7''' . ~ ......- .. .,""'1 derde Nina Rodrligi.:e11 . Outr~ -J!lJ .,,:_,J.'•:-.10 lc ,·ne.:-. t. <- raJiá" m9rRnh,,n5e) m~;i; p: e– t-mava ser confirmada: a de que o. tal sincretismo vinha determinado de Africa. Do fato encontr~i eu coníirma– <;ão rJ!ena, qi.:anào identifi– _quei provàvelmente bem, o senbo1· Poli-BojÍ com o ."Kpoli" de Mãe Anclresa., Se não está bem p-atente no co– mentário da Obra de Ungna ~Iina de Peixoto, volto a es- clare;:er . que me refiro a um sincretismo gcge-nogó produ– zido em Africa. Sincretismo religioso , .!Om demonstração linguística• (l). Nos estudos afro-brasileiros, tanto d.a reli– gião· como da língua ten'I do– mi_!]ado 1.:ma confu~ão ge-0- gráfica, pelo motivo de ha– ver várias tribos nogõs no território do Oaomé. A essa confusão se refere já Ar– tuE Ramos. Pór causa de.la publiquei um arti– go na Revista do Brasil, in– titulado O pessoal gege con– tendo acusações ao fundador dos estudos afro-brasileiros.. de que mais · refletidamente o ilibei em artigo publicado na mesma revista com o ti– tulo de Justiça a Nina Ro- te ao versar a que.sti:.o da_ língu~ . . . _ Pensar que o sincr etismo ion:ba-daomé do terreirn de Andresa é de origem afra, tem muita importancia quando se lê um livro que, como "A Casa das Minas", íanto insi!!.– te sobre a pureza da cren<;a dÕs fiéis do Keregbetã. E.-ste é o fundo da questão, embora não falte depoi~ onde procu– rar, qt:er em pontos de cren– ca quer nas múltiplas mani– festações de cultura, - evidên– cias · de polié<lt~ca acultura– tão. --·------- A GRANDE NOITE . nhenBes e pelas novisyes do Begum da Cidade do Salva– dor. A guerra e as minhas atribulações na pátria impe– diram-me de fazer como de.:. via e tencionava a propagan– da em torno desse manan– cial de ·riqueza estética e ps1- gmca da nação brasileira. Poema de RAINER MARIA RILKE Muitas vezes, surpreendido, de pé à minha nova janela, eu te admirava. A cidade desconhccidê era-ine ainda como proibida, e a paisagem, surda às palavras, pouco a pouco escurecia, _ como se eu não estivesse lá. As coisas perto não procuravam ser compreendidas. O c&ndieiro levantava uma ponta de rua. Ela era-estrangeira. Um qu.arto, de repente, ·lá embaixo, claro, sensivel . •. mas os·postigos se ·fechavam ejeita do-me. Depois uma crianç~ chorava. Nas casas, por oda á parte, eu sabia ci poder das mães, mas também sabja as causas das )ágrimas inesgotáveis. Ou era uma voz, um canto: um pedaço de espera, ·ou um velho que tossia embaixó, tal uma censura querendo ter razão contra um mundo mais dôce. Depois uma hora soava, mas eu cantava tarde demais, e à perdia. Um menino estrangeiro, que ·enfim deixavam entrar no jogo, deixa escapar a bola e, incapaz para todos os brinquedos dos outros. fica lá, de pé, olhando: - o quê ? Assim estava eu de pé e compreendia que comigo, grande noite, tú brincavas, tú também, e me maravilhavas. Onde o destino estranho e as tôrres enfurecidas e todos os montes impenetráveis de uma cidade se leva:Íltav~ contra mim, enquanto que, mais pertoi fomes desconhecidas cercavam a. resplandescência ousada de meu ,coração: tú não tinhas, ó alta ·noite, vergonha' de me reconhecer. O depoimento de Nunes Pe– reira convida-me a dar o meu pequeno depoimento, po:·qt'.~ tudo me parece pouco para decidir os músicos brasileit'os :a recolher e venerar os "pon– tos", de que j.enho public~ clo um,as duas dezenas, qnanllo possi.:o mais de um cento, 'JS coreógrafos a fixar as danças, os psicólogos a esgotar a p i– cologia e outros estudiosos a estudar o ,·esto - e ,isto ·en– .quanto é tempo, porque já Andresa Maria se me quei– xava, ·e na Bahia a Emilia– na, da dificuldade que vai ha– vendo em conservar o velho · patrimônio em gente moça. E a minha dúvida é que, per– dido ele, perdidos não íiqt:em valores que nem em Atrica seja tempo de recuperar. Empenho fácil e já conse– guido é o de classificar o Ke– regbetã na ordem religios:L E,m introdução ao ·trabalho de Nunes Pereira, Artur Ramos apresenta- a minba conclusão, publicada em trabalho poste– rior ao do etnógrnfo mara– .Jlhense, de que o culto guno de São Luís · se inclwi no "sinc.:-etismo ioruba-daomea- , Teu háiito passava sobre mim; e teu sorriso, -de tantas gravidades ._ longinquas familiar, entrava em mim. -Tradução ·de _MARIO FAUSTINO- O autor de "A Casa das Mi– nas" alude à minh~ frequên– "cia ao terreiro em rn37 . Ná() importa retificar o que diz a meu ·ret=J,Jeito. E' pena que não seja verd'i3de. Basta agra– decer-lhe com a simpatia que a recordação do set: nome me· desperta, ligada, não me recordo bem se a algum· en– contro pela Aqiazõn ia se a b •as referências que lhe · ouvi ·fa.zer, • a maneira amável por que •reproduziu a lenda que a , meu respeito se formou en tre a gente da seita no Maranhão .sem ·qt:e, como poderia vii; a suspeitar algum critico, eu - a tivesse originado . mentindo para mais facilmente ganhar confiança. De qualquer ma– neira, não consegui por t'om– pleto realizar o meu intento. (Continua na 2.ª pag.) , entre as calamidades que o assaltam e martirizam, · mas não o enfraquecem. se· a criatura é um efémero paMante, se na morte, no aniquilamento final e~tá {\ re!úg10 possível à dor, o homem não se deve dobrar nem humilhar. Desprezemos ou renegi.:emos os deuses, se estes existem, ai1.1da, pois não têm piedade da nossa triste vida, _Devemos ser como aquela Nio– be .orgulhosa: Elle dresse ce front que nul coup ne soumet. (111) e que blasfema em seu ódio de rebelada, qi.:ando, no poema famoso, imp1·eca a Zeu.s com ·aquelas terríveis palavras: J'ai honte de ton sangue qui couJe dans mes veines... (1~) Pes,imismo, rebeldia, orgulho, temas românticos. Anda por ai a som-bra torti.:rada de Vigny;, . Mas a grande impiedade ' e o gr.ande pessimismo de Le– conte foram encontrar o apazi,guamento e a calm<1 num so– EhO de beleza: La mort peot disperser les univers tremblants M;üs la Beauté tlamboie, et tout ' renaife en elle .. De Lisle (Cqntinuação da lL paq.) soma dos assuntos. Evocou, a Gréda prímitiv'a, povoada de faunos · e centauros, de náiades e driades, de ciclope e heróis, onde as divindades e os homens se misturam e se confun– dem, e cujos mitos escondem uma il1terpreta·ção das forças da natureza. E para provar a s1.:premacia da cultura e ·re– ligião helênicas sobre as outras, ele :;e serviu ~as lendas in– dianas, egípcias, hebraicas, muçulmanàs, escandinavas, .fin– landesas, celtas, cristãs e polin€s!as, para, confrontando-as, exaltar os gregos em detrimento dos demais povos . E soµbe, é certo, reconstruir, através de lindos poemas, puros .de for– ma e ricos de idéias, as grandes civilizações. Afirmava ·e,Je q1:e uma das tare-fas dos sábios e dos poetas era fazer revi– ver aquelas idades longínquas e esquecid-is para que fossem compreendidas e amadas (20) . O poeta é o grande benfeitor da humanidade, pois ·11e a ciência conségue acalmar a angú.li– tla e o desespero a que as almiis se entregam: et les mondes encor roulent sous ses pieds blanes ! (19) Que -l'anguste science en w.n seien amaseée ' Doit ealmer ta grande ime b1essée (21), A beleza faz nascer a esperança, quando se revela- aos ho- mens pela v.oz mifa.grosa dos poe.tas. Só na poea~a há _uma é somente unida à poe ia q~e · ela facuJ1a. f.1se bene.ficfo: promessa de alegria e de feli cidade. Para expresi;ar o seu pensamento e realizar a sua poesia, Letonte· recorreu à História . As grandes épocas passadas The forneceram o material de que ·necessi.tava para sua cria– --- - ~ J)a Grécia. a Dré-hl.5tórica e a homérica. til'ou a zqaior Car les M"'llSe!I, par · qui se tari1Sent Jes pleura S9nt le remede unique à toutes nos donleurs (22) . A poesia, como a voz de Orfeu que & .vJ.mboliM, pari. aiwele.i i.ue a _gu.yep:i ~ y~ Ne· quitte plus jamais leurs âmes enehainées: Et qu.1nd l'âge jalou.x a fini leuri; années, Des maux et de l'oubli ee souvenir vainqueur Fait descendre la paix divine dans leurs coeurs (?,3}. Ao poeta cabe, portanto, a elevada miss.ão de unir a ciência à arte~. embora exprimindo-se pela beleza sensiv l, torna sua obra, antes de ti.:do, uma criação intelectual. Es- sa poesia, que saiu das mãos de Leconte precisa e nítida de forma, procurando ser· isenta de sentimentos pessoais, irma– nando-se à filosoffa e à cii!ncia, vinha· satisfazer a mentali– dade positivista no meio da qual o poeta se educara. D:i! o sucesso de Leconte. Mas essa poesia vinha, tnnibém, e aq:ií está o motivo principal da si.:rda reação que se formou con- tra ela, tomar um caráter dogmático, hierático e friÓ, em consequência de um forçado impersonalismo, dum excessivo / objetivismo e de uma Idolatria perigosa do verso, Porissa./ acusaram-na de imobilidade, de impassibilidade e de rigidez, tão injustamente quase semprP. . , Entretanto, apesar daqi.:eles defeitos, contra aqueles de– feitos mesmo, Lecori,te deixou uma obra da qual ·n ão pode– mos negar a grandeza. Foi poeta . Sua inspiração !oi maior , e mais forte que suas idéias estktícas. Mas se ela contentou o gosto e satisfez as aspfrações , dos p_oetas da geração de 1850 e se Leconte conseg1ti1.: ser o vulto mais proeminente da Escola Parnasiana, já no ano de 1885, embora ainda amado e ·respeitado (24), não ma,n1.lnha mais ao redor de si uma l~r– ga zona de influência . Quai,.e todos os novos, se o admira- ' vam, não mais o imitavam . A poesia de Leconte tinha :;,r..a,. bado por cansar e clesvíar de si os jovens poetas. (De mn- estudo sobre a poesia francesa. na segunda metade do séclulo passado) •Continúa na. 2." pagma)

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