Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1949

,. • , • • • 1 o ----- _____________ .._ ... ______ ....,,. ___ ' AR·TE \LITERATURA Pará-Belém Domingo. 27 de :iriarço de 1949 NUM. 117 Mário De A.ndrode E A Suo Visito A Belém ' "Por esse mundo de lguas - 4-6-27. 1 *'Manu, ... ' Estamos numa paradinha para cortar canarana da margem pros bois dos nos– sos jantares. Amanhã se e.--~~11. e.n Ma 11aN: ~ não sei !lU~ fü 1.s cohii,B br uitas en– xergarei por este mundo de aguas . Porém me con– Manuel Bandeira vem "ultimamente publi cando as cartas que lhe escreveu, durante longos anos, o grande Mário de Andrade. Esse aspecto da atividade literária do autor de Mocunaima", sendo uma atividade de certo modo marginal, ilustra e ressalta muito da ágil personalidade do saudo– so escritor paulista, reyelondo a rico substancio hu mana do suo obra e do sua vida. O depoi,:nento sobre o nossa cidade, que a seguir reproduzimos, exprime o homem que loi Mo,io de Andrade, de corpo inteiro, naquele seu jeito espontoneo e derramado de apreciar os homens e as coisas e • quistar mesmo a ponto de Assim esta do Amazonas. !ativa porque o Amazonas passarada do museu Goel- nos agradar, é Jógico que !ficar doendo no desejo, só Tem uma variedade rodl- val sendo camarada co- di, todos os jeitos de tar- por causa de Dona Olivia Eelém me conquistou as- . mosa se a gente põe rc- nosco, mostrando tudo O des, de noites, de manhãs (1) , e eu passo por homem 8im . Meu único ideal de pato nela. E se não pó:? e e meios-dias, e todos os ilustre e uma. grande in- :agora em diante é passar que possui, jacarés, até o . f t t 1· • . • d 1 S . se deixa prender por ela, morto descendo O rio e com peixes e ru as pro nosso e 1genc1a a1 o su . o :uns sP.is meses morando nt> então é uma gostosura niJ- paladar. Não sei se já con- vendo quanta amabilidade Grande Jiotel de Belém. O llzante como não se pode ª barriga e st ufada pra ri- tei pra você que por aqui e quanta coisa preparada dJreito de sentar naquela imaginar outra, é sublime. ba, bandos de garças de vou bancando o jornalista só pra gente . Navegamos .terrasse em frente das Aliás ela tem sido bem re- duzentas e mais, toda a . célebre. Fazem tudo por no mel. Se não fosse a mangueiras tapando o Tea- cacetada dos protocolos ofi- • ciais, palavra que não_fal– t ava nada pra isto s~r um paraíso pra mim. Imagine !)Orém que até um discur– so de improviso t ive de fa– zer respondendo a uma ·saudação do Dionísio Ben– tés, presidente do Pará! Sou incapaz de improvisar. Falei um quarto de duzia de coisas familiares e me assentei tremendo feito bo– bo. Pelo menos asneira creio que não saiu nenhu– ma, não! Vou t omando umas noti– nhas porém estou tma.gl – nando que a viagem ·não · produzirá nada nãe.• A gente percebe quando sal- · rá alguma coisa do que vai sentindo . Desta vez tro da Paz, sentar sem mais nada, chupitando un1 sone:te de cupuaçú de .I ' ' ,~;; i, àessas <:01:sa.s, voce , ✓não percebo nada . O.. êx- uu conhece mundo, co– nhece coisa melhor do ~e isso, Manu ? Me pa– .rece impossivel. Olha que tenho visto bem coisas es– Lupendas. Vi o Rio em to– das as horas e lugares, vl a Tijuca e a Santa Teresa e você, vi a quMa da Serra pra Santos, vi a tar– de de sinos em Ouro Pre– to e vejo agorinha mesmo a manhã mais linda do Amazonas . Nada disso q~e lembro com saudade, e que me extasia sempre ver, na– da desejo rever com uma precisão absoluta fataliza– da do meu organismo in– teirinho. Porém Belém eu desejo com por, desejo co- mo se deseja sexualmente, palavra. Não tenho --medo de _parecer anormal pra você, e por isso que conto esta confissão esquisita mas verdadeira que faço de vi– da sexual e vida em Be– lém. Quero Belém como se quer um amor. E' incon– cebível o amor que Belém despertou em 'mim . 'E como já falei, sentar de linho branco depois da chuva na terrasse do Grande Hotel e . tragar o sorvete, s"em vontade, só pra agir, isto me dá um gozo incontes– tavelmente realização de amor de tão sexual. Quanto a este mundo de aguas é o que não se ima– ir~r.a. A gente :po~" ler to– da a literatura pro -:-oe,ada por t>le e ver todas as fu– ,:;ogn tias que ele 1·e.-e1ou., se 1 ~o viu, não po,t~ per– ceter o qua é. A 1;:-ute !á saiu âa monotonia, porém monotonia é a palavra mais estu:iicia desie mund1J, Tem monotocias insuportávei~ G tem u1onotonia:; í!Ue a ~•~11- te n - o se cunsa ele ~ .,r. ~ . l i,e '- : n.c.' ab::.. -c(h da vez mais . Me entre– guei com uma volupia que nunca possui à. contempla– ção destas cois::i.s, e não te·• nho por isso o minimil cc,,1trole sobre mim mas• ,no. A inteligên~ia nãc há "l'lelOH de reagir otm aque– le poucadinho necessário pra realizar em dados ou em bases de consciência o que os sentidos vão rece– bendo. Estou ganzlich (2.) animalizado se é que o ani– mal pode se extasiar. Até acho graça qu?,Ddo me ob.:. servo porque não _encontro aquela clarividência discri– cionária que pra uso pes– soal sempre conservei, mes– mo nos mómentos de maior prazer. O abatimento in– telectual ê' quase que _coin– pleto .. Vivo de arrastão nu– ma vida de pura sensibili-'.. dade. o gozo que passa morre sem comparação, sem critica nem mesmo poste– rior, estou quase irracio– nal. Aliás esta carta bes– tlssima prova isso mais que qualquer afirmativa minha. Amam1â chegarr"tos cm Manaus. A porcaria dos protocolos vai recomeçar . .• Felizmente que somos deci– didos e sabemos não nos prender nem prejudicar com isso. E creio que não te escrevo mais. Esta carta está me deixando numa tri$teza que você não ima·• gina. Estou besta. Enquán- to a besteira durar vou fi– car quietinho sem pegar uo lapis mais. Um abraço do - M. (1) Dona Olivia: Dona Olivia Penteado. (2) - Ganzlich: palavra alemã que signHica "com- · nleta.xnente" .

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