Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1949

- SUPLEME --------~-----------------·-----------~-~~-.----------,--------- ARTE t \LITERATURA ,~-,----------------------- ----------------------N-:-:::U=M---=-. -::-1=---=1s=---- ·-~P..:..:a..:..rá..:..•_B.,:.e..:..lé..:..:m::__..;;.________________.:D:_:om=in=:g::o::•_:_l~3:._d=e:....=m:.::..:a=r~ço.:...:..:.d:..:::e_;_l..:..9:___:4:.=-9~------------------- ignificação E r' A publicação, no Brasil, de livro sintético sob1·e a histó• 'r.a da literatura norte-ame– ~.loana oferece oportunidade ~a lembrar-me da signit1• _ração extraordinária dessa li• 1 Jeratura russa no século xx só tt<!mparável à significação ·da ~teratura russa no século XIX ~ literatura norte-americana ~ hoje a mais viva do nosso 1 ,tempo, cheia de surpresas, en– ,8inamentos e advertências sé• :,ias. Mas em que reside es– ·aa irnportancia ? . • Existem, quanto à evolução; ,eertas semelhanças com ·a li– ~ratura brasileira. Cá e lá, • atividade literária limitou– durante muito tempo à , itação de modelos europeus. rfião me ocoITe quem já cha– )Dou à l,iteratura brasileira <lo lléculo XIX "une brancha t agnifique de la littératura ançaise". Não podemos con– dar inteiramente com isso s com razão muito maior literatura norte-americana · do sécu)o XIX podfa ser con– ~erada como "nobre ramo" literatura inglesa victciria- • Depois descobriram, cá t" as realidades nacionais. !ser e Mastres, Sinclail' is e Sandburg, Faulkner e &~•r•,_.well, etc., etc. - a rea– iáde norte-americana é 1llllensa, e imenso foi o enri•– ,quecimento da literatura uni- \'ersal pelos escritores ameri-' canos : continente novo, gente 11ova, novos problemas·. Mas o enriquecimento não se re– fere apenas aos assuntos. Um mtrovertido como Hawthor– n e, até um europeizado como .Henry James contribuíram poderosamente para a explo– ;i-ação das profundidades da .~lma americana. A_ acusação de Dreiser, a satira de Lewis ; a obsessão de Faulkner, ~ ,aparente cinismo de Hemin– :gway, as realidades crüas de ;Dos Passos, Caldwell, -Caiu - ':,ão fases de um progressivo 'exame de consciência. Talvez .seja herança de Tolstoi e :J'.)ostoiewski, esforço tão gran- 1de para revelar a realidade, ,e, custe que custar, a verda– de. A correspondência, exata ou não, entre essa documen– rta9ão _li~erária e a:5 _realidades ~ s1colog1cas e sociais - isso ,é questão eu,ie interessa mais ,-:w sociólogo. A sinceridade ,do esforço é que confere à literatura norte-americana a, ,dignidade de um permanente xame de consciência. 1 A tanto não se chegou de llma vez; precisava-se de um ~éculo e meio. Durante esse ;tempo, com os progressos de ;aproximação à realidade e do 1iaprofundamento da auto • • kconsciência, os valores · não ~adiam ficar imutáveis; mais ic:1.0 que nas literaturas tradi– ►cionalmente estabelecidas do 1;,~elho mundo os valores da :,iteratura norte-americana es– t.ã.o sujeitos a revisões perió- 1dicas . E esse movimento re– ff}ete-se no progresso da his– jltoriografia literária america– :a:ia. ~ .As primeiras obras sérias - ; ;t>s livros de Moses Coit Ty- · ,er sobre a literatura da épo– /j:a colonial e da revolução - arecem antes vastas coleções e material bibliográfico, de– ósifos de cur!osidades lite- árias. Como época áurea da iteratura americana apresen- va-se aos ·stedman, Brow– ell e woodberry, os criti• os mais considerados do fim o século, a época dos Poe, merson, Hawthome, d os andes escritores da Nova glaterra, ao lado dos quais ~ lhave.m com o mesmo es– ndor os Longfelow, Holmes, ittier, Lowell. Os Irving Cooper ocupavam o honroso . gar de precursores: ig~ora– l!ªm-se Emily Dickinson e Melville: Whitman parecia caso esquisito, mais de deca- • dência formal do que de re– novação nacional. A litera– tura norte-americana do sé– culo XIX apresentava-se co– mo "branche magnifique" da literatura inglesa victoriana. Essas mesmas posições cri– ticas encontram-se na "Cam– bridge History of American Literature", editada por Trent e outros entre 1917 e 1921. Apenas já se afirma nessa obra a independência literá– ria americana; e ent1·e os co– laboradores são vários (Par– rington, Beach, etc) que con– tribuíram pouco depois para a demolição do eclificio. A re– volta anti-puritana dos anos de 1920 - época· de Dreiser, Sherwood Anderson, Scott Fitzgerald - também revolu– cionou o aspecto do passado. Reconheceu-se, com' c e r t a acrimonia, a "insipidez" dos Longfellow, Whittier, Lo -· well. Destruíram-se reputa– ções consagradas, revelando-se a hipocrisia puritana e os complexos recalcados: e foi redescoberto/ o grande rebelde Da Literatura Norte-Americana OTTO MARIA CÀRPEAUX (Copyright E, S. 1., com exclusividade pa.ra · a FOLHA DO NORTE, neste Estado), . Melville. "Expression in A– mérica", de Ludwig Lewisohn é mesmo a expressão "clássi– ca" dessa época de "desmas– caramentos". Depois chegaram os sociólo– gos. Nos "Main Currents of American Thought", de V. L. Parrington, todo o passa– do literário dos Estados Uni– dos foi julgado conforme suas relações com a realidade so– cial; não quiseram saber de Henry James, mas nas ob1·as da velhice de Cooper desco– briram preciosos testemunhos de critica social. . Durante a época comunizante dos anos de 1930 (Dos Passos da la. fase, Farrell), um Granville Hicks ("The Gooat Traditi– on") examinou aquela. "época. áurea" da Nova In_glaterra· comq mera expressão super- estrutural de uma classe. Ao mesmo tempo ·os "formalis– tas" e ·criticas "reacionãrios" (Ransom, Tate Blackmur) re~ alizaram a revisão dos valores poéticos, corroborando a des- moralização dos Longfellow e "-tutti quanti"; fazendo res– trições sérias a Poe e Whit– man-, exaltando o valor de Emily Dickinson e Henry Ja– mes. Essas re,valorizações não foram mais pos~s em dúvi– da; até os adversários da nova critica as aprovaram. Apenas o espírito tão c1itico como democrãtico de. F. O. Mat– hiessen conseguiu, em "Ame– rican Renaissance", reabilitar Emerson, W'bitman, Thoreau e ·poucos outros representan– tes da "época ãurea". Tenta– tivas de - Van Wyck Brooks de desmoralizar grande parte "AMOR''. de Jorge de Lima da literatura amerieana con– temporânea foram geralmente desaprovadas. Ao cgntrário, é preciso reconsiderar todo o passadq literário americano em termos conbemporãneos - mas será que jã existe obra tão sintética? Aqui acreditam tê-la en– contrado: História. da. liter::i.– tura norte 7 americana chama– se a obra de Thomas H, Di- ckinson que acaba de ser pu– blicada pela editora Ipê, em tradução die Holmes Barbo– sa, que completou o livro, acrescentando um capitulo sobre escritores contem:Qora– neos. A- obra faz parte r.le uma série de histórias literá• rias - excelente idéia esta, die traduzir para o vernácu– lo obras assim 11ue dariam em conjunto um panorama da li- teratura universal. Mas é di– fícil a escolha e nem sempre pode dar certo. Até a,gora escolheu-se, den– tro d.aquela série, pelo me– nos, uma obra d,;: yalor indisr cutido: aqui jâ tive ·oportu– nidade para elogiar ,incondi– cionalmente a "História da Literatura Italiana" de Atti– lio Momigliano : Lamentei tanto mais o fato de ter sido traduzido . o livro de Chos– takovsky sobre a literatw·a russa; em vez de escolher uma das boas histórias da litera– tura russa que todo estudio– ~o ';lo assunto conhece (a do ·italiano Lo Gatto ou a clie M. Ho!mann, em francês) escolheu-se livro mal infor– mado e escandalosamente in– completo, cujos exemplares em castelhano já ficam em– lP•O:eiracfüs nas estantes dos nossos livreiros. · Agora, · Thomas H. Dickfn.,. . son. será um Momigliano ou em Chostakovsky ? O leitoi– brasileiro, desejoso de verifi– car isso, encontra os n-ecessá– rios pontos de referência em A Literatura dos EE. Unidos, trabalho publicado no Bra– sil (Agir) pelo excelente cri– tico americano M. D. Zabel que ensinou entre nós duran– te algum tempo. Voltando de– pois a T. H. Dikinson, o leitor experimentará suxpre– sas. Dickinson "estudiu" o maior dramaturgo americano O'Neill, em 10 linhas; mas ao pobre Longfellow, que o ponderadissimo Zabel chama de "insipido", Dickinson de- - dicou 7 págs. A preferencia do autor, pelo passado, numa lite– ratura nova, lembra a exce– lente piada de Agripino Grfo– co sobre o prefácio enorme de Batista Pereira a uma obra de Ruy: "O genro pren– de-nos à port.a por tanto tem– po até perdermos a vontade de fazer a - visita ao .sogro" . Na ob1'a de Thomas Dickinson os sogros não deixam entra't· :Para os genros. E tão pro– lixo é o passadista Dickimo,1 que só fica pouquíssimo es– paço para o indispensável a-pê.n dice de Rolmes Barbo– sa; este não podia fazer mais, .c,opi. .o melhoi- ,esforço, do que enumerar autores e tí– tulos, dando um resumo. M9s não acreditem que o passa– dismo de T. H. Dickinson seja muito ilustrado; nem se– quer bem informado. Está .in– teressadissimo em Cooper, es– critor infantil; mas acha "pouco interessantes" os ro– mances sociais que PaITingt(ln redescobriu; assim como não consegue dar idéia do que é Henry James - a este, o maior romancista americano, dedica página que parece destinada para Cooper; pági– na infantil. O ponto· de vist:i. de Dickinson é o de um pro– fesor secundário em face de uma classe muito fraca; daí também os numerosos "dia– grame.s" e tabelas cronológi- · cas que lhe enchem o livro. Este, enfim, é espécie de ree– dição da velha e antiquada "Cambridge History of Ame– il'ican Literature" para fins di 4 dáticos. Lewisohn? Panin~– ton? Hicks? Os "formalis – tas"? Matthiessen? São con– ,traditórios e não são infaE- 1veis. Mas T. H. Dick!nson não vai com nenhum dele.s. Fala muito sobre história li- · 'terária norte-americana; mas : nada, nada do que desej-avl'.- ;mos ouvir e precisamos sabi!r 'dela. _: · Há alguma. coisa de melh0r do que esse livro ? Quase n•Js '.mesmos dias em que aqui se ,publicou o trabalho de Di– ;ckinson publicou-se nos Esta– dos Unidos a "Literary His– ,tory of the United E)tates" i(Macmillan), novo grandi! exame de consciência da lite– 'ratura mais vital dos nossos dias. A história continua. Mas cs leitores de T. i-I: Dickinsora :Yá.o saber pouco tiiss1>.

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