Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1949

SUPLEMEN ~--·--'- --- ARTE _ ~ •. LITERATURA . ,, ,,. _____________ ' ' _P_a_r_á-_B_e_Ié_m__---"--- -----~--:.__::_D::_:o:,:m:_:i:_:n~g=o::_•=-6--=d~=~m=a::.:rç~o:....d=e~l:...94:...9:___________ ~ _____ NtJ __ M_~_-;_l_l_ 4 _-___ Teve a revista "Orfeu" (n. 0 1 ) a curiosà idéia d,e jtmtar, ~ uina espécie de antologia, ipoemas dos poetas de 1922, ill30 e novissimo::. Não sei l)Or que deixam de figurai· 11a culetanea Manuel Bandei,ra ÚLTIMOS LIVROS ~ ~ • forma do soneto tem que se definir p ela disciplina inte– gral: ou o soneto deixa -de ser sóneto. Entretanto, condf – nando embora a. solução não me furto ao prazer de assi – nalar a beleza dos · últimos três versos: e Mãrio de Andrade, t anto 111a1s quanto• uma frase da lntí·odução r econhece neste último um construtor da nova l)Oétlca . E' ver dade que fal– ~m outros nomes de poetas ~ujll. produção não deve agra– ciar aos moços, por não ter aido propriamelllte revolucio- 11aria . Diante dessas falhas 11ão µosso cittr com cer teza ae os que estão ausentes o estão pt:lo respeito que mere– cem, ou pelo desprezo. Se– rão. os reproduzidos, aque~ eujas tendências precisam ser evitadas ? Ou ao contrário as qu~ cabe ter em considera– ~º? Não o esclarecem os moços de Orfeu. Isso pouco l.mpoi-ta, de resto. O que im– a,orta, e me interessa nesse 11úmero é a própria. poesia elos novíssimos. Orfe u EOsN ovos Vamos que é .tarde. Não se- . (jamos uma estátua entre de~es e t2mplos em 4 (ruinas . Canta a esperanç:i aas mulheres gravidas. A cu- Na introdução dizem eles: ra da Fonseca, 1osé - Paulo P ais e mais uns poucos pare– cem preocupar-se em especial com a técnica do verso e tendem para uma renovação da métrica. Outros buscam ritmos originais e atentam ue pref<!l'ência para a ·m,ensa– gem, o vocabulário, a. ima– gem. A antologia publicada por Orfeu, muito incompleta, não permite uma _ exemplificação pormenorizada do que ·afirmo. Por isso vou restringir-me a algumas observações avulsas sobre os poemas que se me afiguram mais repre'sentati– vos_ SÉRGIO MILLIET \t;Opyrtr;h i E. 8. l., eom exclusividade para a FOLHA DO NORTE, neste Estado) . ça madyi.galesca . As vezes a rima entra, no meio do ·verso e o efeito nto é desprezível: Na lua vinda te fiz, Lua. finda te entreguei. Eras ela ou te serie., saberei. nos versos, todos, de sete si" laba&, dessa cantiga de · amor, Fred Pinheiro é mais difi– cil. de analisar. O caráter principal de sua poesia é, creio, a depuração sintética. Economia de pala.vras, hostili– dade à retórica. P udor e or – gulho. Há no poema todo um sa- bor arcaico que se depara Rosas impassíveis igualmente em Darcy Damas- Velando ceno: · . A imobilidade altiva Da marmórea tumba., a sentir. O mesmo, pouco mais ou menos, se dirá de Fernan– do Ferreira de Loa nda, mals arb1trãrio a inda no corte tlo verso e propenso a tirar par– tido dos "enjambements"; Angústia de c1·istal desfeito. .. etc . Biter' d"às ~tiita;· ~a.s··• estrangeiras. .. etc. A imagem é mais sintética também e por ~zes de uma densidiide que me agrada ple– n amente: Uma âncora Na retina . (lheremos a aurora. E ' verdade que já Remy de Gourmont dava o titulo de soneto a poemas · em prosa, aliás admiráveis, cortados sem razão espécifica em dois tre– chos grandes e dois menores, à guisa de quartetos e terce– tos . A imagem da esperança é bela, forte, e de uma retó- · rica de boa classe. Wilson de Figueiredo, e11- contra um ritmo pessoal, lar– go, onduiante, adequado a uma poesi•a generosa . Obscu– ro, tem contudo imagens que são ·como clarões e ficam bri– lhando longamente na memó- "Reconhecemos o _papel his– Wrico desempenha.d-o pelo mo– dernismo. M!i.S com a mesma lorça. e coragem, conhecemos • sua superação, exünta a parte perecivel· evidente, dig– na e grandioaa a parte que fi– eou a testemunhar sua impor– Ql.ncia" A nova. geração não quer nutrir-se de fantasmas. Quer apenas aproveitar cer– ks lições úteis. E faz muito llem. Esses mortos não mor– reram na indigência e deles não ficaram únlcamente os fantasmas, mas • também a Eis um poeta, P aulo Ar– mando, que parece apreciar as formas fixas e metrlficadas, embora sem ri mas conven– cionais . Ver.ses de sete e qua– tro silabas repetem-se na mesma ordem, com certa gra- Se parto levo comigo • Vontade ta.l, mas se fico Ainda é saudade, senhora. Da mesma .forma se obser– va a obediência à métrica ·•·Afo°ns'o' F;li~• 'ci~ -~~s; ··é Não há sistematização rit- mMs interessante no poema mica, decorr~ndó a musicall- comum do que no soneto. da de de uma simples fase Essa tentativa de renovar o melódica que a gente aceita' soneto pela liberta_ção métrl- . e aprecfa ou passa por ela sem ·oo . pão me é simpática_. -A ria. do. leitor: . No inicio te busquei intacta Nos retratos antigos de minh a (mãe, na colega que parti·J. - - --- -----. - Soneto Do Homem . - ECLIPSE EM TEU SEIO. O TEMPO ESTANCA -ule.rança de suas experiências:.', f""Estas é que merecem não digo a, simpatia dos novos porém sua atenção. Ao con– trário, o que provoca em mim wn senti.nlento de ternura pe– los rapazes de "Orfeu", e ou– tros que não figuram na re– vista, é a ausência de expe– riência, razão de seus entu– alasmos. de seus arrôjos e de suas falhas . OS LIMITES DA NOITE.. E O CÉU SE ACLARA ANTE A VERTIGEM QUE SE -FtZ MAIS BRANCA A LUZ DA ESTRELA QUE TE VIU MAIS RARA. , ACORDO-ME INFINITO.. E O SOL ~NASCENTE REPõE EM MIM O HOMEM QUE ANTES ERA .. A MINHA SOLIDÃO NAO MAIS SE $EN'l'E . EGRESSA DE UMA ESTRANHA PRIMAVERA. Já disse mais de uma vez que não ooDBigo estabelecer de maneira muito nitida as earacteristicas da nova gera- -cão, sobretudo se nela incluo DS . que surgiram, como o iluer Orleu, já em 1944. De 1ml modo geral há neles to– dos uma vontade vlsivel · de SEM MEMORIA REGRESSO. MAS O DIA · ME ENTREGA O SORTILÉGIO DA PAISAGEM 1intese, um desejo de recons– it,ruç-ão do poema em alguns, certo pendor pelo hermetismo t em outros. Poetas como Lê– do Ivo, Geraldi Vidigal, Pé– trieles da Silva Ramos, Ca– l>ral de Melo Neto. Domingos Carvalho da Silva, Bueno de ltivera, Reynaldo Bairão, Kon– der Reis, José Paulo Morei- ONDE O MEU SER~ DISPERSO, SE EXPRIMIA. FITANDO O QUE ÉS.. NAO SENDO; NO ABANDONO .. E AO DESPERTAR.. CURVADO A TUA IMAGEM. . OUÇO O FLUIR DA FONTE DE TEU SONO. A mulher~ escura amamenta o filho. E' a hora em que Õs sinos anunciàm que o dia partiu e ·que, em breve, a gorda noite q11ente vai começar o seu l'eino mágico. Alguém saiu de um q11arto no funcl,o do corredor e traz a lamparina do Senhor Morto, que preside os destinos daquela gente sem destino. Ouço murmúrios que se arrastam numa confu– aa ladainha,. E' um côro humilde que pede perdão por culpas remotas, que pede perdão por desgraças ID.aiores, bem maiores que os pecados ..• - ·-: :-- N·a manhã ainda aepuscular, com fiapos de noite se 'dissolvendo vejo os saveiros passarem ·com as suas Telas tristes. ·Passam vagarosos, tão ·vaga– ~sos, conduzindo os produtos da_região, o-dendê. a pissava. sacos de açúcar. As águas do rio têm uma ~r de cobre. O ritmo de tudo é lento. e;> tempo es• '~rre com lentidão, Os saveiros passam tão próxi• 11>.os da minha Janela que julgo ouvir vo:zes de seus lrlpulantes, qUe o Tento atira para Iónge. - Penso um instante nesses homens que traba · piàm nos barcos frágeis, que descem e sobem o rio, pe enfrentam o mar, às vezes ríspido. com ventos ,evéis, Pen~ nesses homens qUe ·lidam com. os elementos, transportam as suas mercadorias -. que comentam., naturalmente. coisas e casos: que, . às ve• ses, até cantam, quando tudo vai bem e o vento pro• pício os ajuda nas travessias. Que julgarão eles do biundo"? pergunto-me, &eDl encontrar qúãlqUer rea• posta. Estar.ão contentes com o que lhes reservou - ~ !ida? Terão reyolias e aml>ições ~ufo~adas, ou IMAGENS DA BAHIA - Augusto Frederico SCHMIDT - - (Copyright E. S. I., com exclusividade para a FO– LHA DO NORTE, neste Estado) -I- estão conformados com · q pouco que lhes coube, na injusta partilha ? Quem são essel homens morenos, esses caboclos, esses brasileiros escuros, que condu– zem os saveiros que passam perto das. minhas Ja• · nelas, nesta casa de usina, à beira do rio Parà.guas– aú ? Desejaria· participar, um, dia que- fosse, de uma _ :viagem dessas, ouvir-\'bes as histórias, saber o que. esperam. e que noção têm das coisas. os homens dos saveiros. Serão mais felizes do que eu ? Ah J De certo o são: embora tudo lhes tenha sido recusado e . a vida seja para eles parllcularmente dura • mo• nótonà. Não terão a consciência, porém. de que tudo é inútil • de que lodo o esfo.rço será anulado pela morte .. Poderão dormir depois de um dia ln• leiro de trabalho arrastado, um sono de pedra, um grande sono natural e reparador, um sono desl)O" voado de fantasmas, um sono de que estará ausen..– te o medo do despertar, .o medo do encontro com o que Pil!~~ !O~ ~ ~•~~a~~~- - -- 1.tDO IVO Mas é impelido pela su,'\ facilidade a expressões não raro incolores. Por exemplo: Manso como um selo.•. Não preciso falar de Ca– bral de Melo Neto, nem de :Bueno <le Rivera ou Domin– gos Carvalho da. Silva cujas obras ·estudei exaustivamenie · em inúmeras not.Qs e artigos. 'De Marcos Konder Reis devo apenas observar que sua poe– sia alcl!J)ça rapidamente a rnatu.ridade e a sua expressão mais pura. A métrica ê o seu meio predileto de chegar ao ritmo . Clara, limpida e n obre é a sua. mensagem: Mãe da beleza e da ternura Ouve na tarde a·. nossa voz. No prad-o morto, ó rosa pura, Ora por nós ! - . . A imagem da rosa é sem dúvida um pouco vulgar. O :resto do poema, porém, é ln.:. t eiJ:amente enxuto, com acen– tos de salmo: Na casa longe, guarda. indene A nossa prece o a ceno ·-teu· . i, Embora tudo nos .condene, ' Dâ-nos o ,céu ! Tão pouco deveria falar de · Lêdo Ivo, o grande impm·o . (Continua na 12.'' pág.) •' Na manhã que se vai aclarando e definindo ao~ poucos, passam savelros . · Palhoças e mais pal~o;~. O rio, ora cheio, ora em vazante, domina os movimentos dessas po– _voasÕ9s. Tudo vive de acordo com o rio, com os aeua capricho~ e preferências. Vejo gente que se move n~ssas_vllazinhas qUe margeiam as águas do rio, ,Cnanças nuas nadam ou secam ao sol. Mulhe-· !'88 espiam à lancha qUe passa quebrando com o seu ruido o sHênclo daqueles êrmos. Ó povo resa. O~o :obe a ladelra para visi– tar o Senhor do Bonfim. As mulheres, quase todas descalças. As mulheres do povo, as mulheres da •Bahia, as verdadelras baianas, as . que o são sem aaber. sem preocupação do pi_toresco. Que graça na– u~a em alguns desses sêres, dessas Jlores de uma raça que se vai e só agora, precisando e fixando ! No melo da multidão que sobe a ladeira para a missa da primeira sexta-feira no ano, distingo uma mulher com um chale amareló . Parece um girassol. --: :-- A1 caau leprosas se encolhem no começo da noite. VeJo que recolhem das cordas a roupa lava– da. Uma voz canta coisas alegres, mas há um ru• mor inaudível (Ne sobe aos céus, onde começam a velar as primeiras estrelas. E' um rumor de ago- - Diu e de· foliga e irremediável miséria. Crianças JlU~ adorme~em em braços amigo~ e ~ansadoa:-. -

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